Prossigo nesta postagem na análise de um extenso comentário de Pedro Mundim. Transcrevo abaixo os dois últimos parágrafos, já me desculpando pelos eventuais danos à paciência de alguns leitores:
Mussolini também veio da plebe, e na juventude chegou a mendigar e ser preso por vadiagem. O fascismo surgiu na História como uma alternativa ao socialismo, ou antes, como um pastiche deste: de resto, ambos eram regimes de massa, de fanfarra, de operários e estudantes desfilando uniformizados, etc. etc. O fascismo não elimina a burguesia, mas inverte a relação que normalmente existe entre a burguesia e o governo nos regimes liberais e conservadores: se nesses, como dizia Marx, o governo era não mais que o comitê onde a burguesia realizava seus negócios, no fascismo a burguesia está submetida ao governo. Hitler permitiu que os burgueses continuassem usufruindo do conforto proporcionado por suas riquezas, mas na prática era o governo que comandava os meios de produção (há aqui uma simetria de espelho com o que acontecia na mesma época na ex-União Soviética, onde os comissários do partido viviam como burgueses, embora não fossem formalemente proprietários das fábricas que administravam). Na verdade, os regimes fascistas criam uma burguesia para seu uso, ao favorecer os burgueses aliados e os membros do partido, ao mesmo tempo em que perseguem e expropriam os burgueses inimigos (quem conhece a dita boliburguesia da Venezuela sabe do que eu estou falando).
Concordo que soa estranho eu aqui referir-me à Venezuela como exemplo de fascismo na época atual. É que o senso comum definiu o fascismo como o mero antônimo do socialismo. É falso. O verdadeiro antônimo do socialismo é o liberalismo (ou neoliberalismo, como queiram). Mas o regime de Chávez tem todas as caracterísitcas do antigo fascismo dos anos 30: organizações de massa, nacionalismo exacerbado, culto ao líder, militarismo, fabricação de um inimigo externo para desviar a atenção dos problemas internos, manutenção do capitalismo, porém sob a égide do estado; criação de uma burguesia fiel e dependente do governo. Quem conhece a História sabe o que é isso.
Concordo que soa estranho eu aqui referir-me à Venezuela como exemplo de fascismo na época atual. É que o senso comum definiu o fascismo como o mero antônimo do socialismo. É falso. O verdadeiro antônimo do socialismo é o liberalismo (ou neoliberalismo, como queiram). Mas o regime de Chávez tem todas as caracterísitcas do antigo fascismo dos anos 30: organizações de massa, nacionalismo exacerbado, culto ao líder, militarismo, fabricação de um inimigo externo para desviar a atenção dos problemas internos, manutenção do capitalismo, porém sob a égide do estado; criação de uma burguesia fiel e dependente do governo. Quem conhece a História sabe o que é isso.
A tentativa de iniciar uma desqualificação do fascismo como regime burguês pela menção às origens de Mussolini chega a ser ingênua. Abundam exemplos de que a filiação ideológica de um político não está necessariamente atrelada às condições de seu nascimento. O festejado jurista liberal e presidente do México Benito Juárez era filho de camponeses indígenas analfabetos e iniciou sua experiência com os livros como encarregado de espanar a biblioteca do patrão de seus pais. O ex-primeiro-ministro britânico John Major, também nascido pobre, sem meios para cursar uma universidade na juventude, fez uma carreira de sucesso no Partido Conservador. Ninguém contestaria, no sentido inverso, a sinceridade esquerdista de um Caio Prado Júnior ou de um Eduardo Suplicy por comprovar os berços privilegiados de ambos. Para ratificar de vez tamanha obviedade podemos recordar que o "anjo" Nelson Rodrigues foi pai de Nelson Rodrigues Filho, aderente à luta armada contra a ditadura nos anos 70.
Longe de ser pastiche de qualquer coisa, o fascismo foi um movimento organizado cujos líderes sabiam bem a direção que pretendiam impor ao Estado quando chegassem ao poder. O recurso à mobilização das massas pelos fascistas não faz deles um tipo peculiar de socialistas, da mesma forma que uma determinada utilização do canto e de instrumentos musicais não transforma os católicos carismáticos em evangélicos. Ainda que a analogia fosse verdadeira, ressalto que se tratava de uma militância de direita copiando táticas de esquerda (com objetivos opostos) e não o contrário. A construção idealizada de uma burguesia manietada e instrumentalizada pelos fascistas e nazistas é outra mistificação. Para ficarmos em um só caso, diversas multinacionais de países ditos democrático-liberais estiveram voluntariamente empenhadas no triunfo dos franquistas na guerra civil espanhola, não obstante a companhia da diplomacia (e da aviação) nazifascista.
A comparação entre fascistas e chavistas é mais do que forçada. Basta lembrarmos, retornando aos argumentos da matéria antecedente, de que todo fascismo contém uma recusa apaixonada da igualdade. Mussolini pregava o controle da sociedade por uma elite "forte e audaz". Chávez apontaria de pronto esta aristocracia autonomeada como um desprezível bando de escualidos. Embora a economia venezuelana continue, no essencial, sendo capitalista, existe um nítido processo de socialização que não se limita ao discurso. Quanto aos elementos "militarismo", "nacionalismo exacerbado" e "fabricação de inimigos externos", cabem as seguintes observações: ninguém poderia negar o caráter militarista de sucessivos governos dos Estados Unidos, que têm mantido o orçamento astronômico do Pentágono, oito ou nove vezes maior do que os gastos militares da China, que ocupa uma distante vice-liderança; não seria excesso retórico caracterizar as consecutivas declarações de presidentes republicanos e democratas no sentido de que seu país deve liderar o mundo por mais um século, ou indefinidamente, como uma modalidade de nacionalismo exacerbado; também é fácil denunciarmos a constante fabricação de inimigos externos por parte do Estado norte-americano, que já foi ao cúmulo, em tempos não muito distantes, de estabelecer a derrubada do regime da ilha de Granada como uma das metas prioritárias para a segurança do continente. Todavia, o direitista brasileiro médio se irritaria caso eu classificasse os Estados Unidos como uma nação fascista, o que descarto como evidente deturpação da categoria "fascismo".
Liberalismos e fascismos, cada um a seu tempo, ou em seu lugar, podem ser os regimes mais convenientes aos mais diversos tipos de burgueses, não obstante determinadas preferências de indivíduos e/ou grupos.
Liberalismos e fascismos, cada um a seu tempo, ou em seu lugar, podem ser os regimes mais convenientes aos mais diversos tipos de burgueses, não obstante determinadas preferências de indivíduos e/ou grupos.