sexta-feira, 28 de junho de 2013

A verdadeira herança maldita

      
                          "Um funcionário do governo sai a passeio com a família", de Jean-Baptiste Debret 

       Jamais tive  em boa conta a figura de Francisco José de Oliveira Vianna (1883-1951). Apesar de sua inteligência e erudição, da retórica límpida e instigante, é inevitável relacionar os escritos deste autor ao elitismo mais perverso e contraditório.   Durante a graduação em História, por volta de 1990, li com atenção Populações meridionais do Brasil,  livro cuja edição original remonta ao ano de 1920.  Experimentei a indignação típica da juventude pela maneira como o autor tratava a maioria esmagadora da população brasileira, descrita como uma escória, em contraste com a adulação dirigida à entidade mítica intitulada "aristocracia rural ariana". Tive imenso prazer quando alguns anos mais tarde comprei A ideologia do colonialismo, de Nelson Werneck Sodré (1911-1999), e vi Oliveira Vianna ser dissecado sem piedade em milhares de linhas virulentas, que desqualificavam os ideais do acadêmico de Saquarema como um reles "delírio ariano".
      Não vou minimizar o reacionarismo de Oliveira Vianna, mesmo que há muito tenha esquecido o impulso de lhe incinerar os ossos.  Tenho a convicção de que o Brasil estaria bem pior caso seus projetos prevalecessem.  Entretanto, ao percorrer as páginas de Instituições políticas brasileiras, obra publicada pela primeira vez em 1949, que adquiri por ser parte da bibliografia de algum dos muitos concursos públicos que já fiz, encontro reflexões das mais lúcidas, de alta precisão histórica, e não devo perder a oportunidade de comentá-las por preconceito ideológico.       

(...) as câmaras- a única forma de governo de origem popular existente na Colônia- não eram expressões representativas do povo-massa e, sim, do povo-elite, da "nobreza da terra".  O povo-massa nunca teve participação, nem direta, nem de direito, no governo destas comunas, no período colonial.  Quando influía, era por intermédio dos procuradores do povo.  Estes, porém, não pertenciam, pelo status, ao povo-massa, embora lhe fossem os representantes ou delegados: eram também gente da elite, da nobreza, homens de qualificação. (Instituições políticas brasileiras.  Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EdUSP; Niterói: EdUFF, 1987, vol. I, p. 117-118)     

(...) para que os elementos do povo-massa chegassem às Câmaras e aos cargos locais de qualificação- era preciso que eles adquirissem antes a condição de nobreza, mesmo que esta nobreza fosse simulada ou falsificada.  Nas Câmaras, eles entravam, portanto, como representantes desta classe aristocrática de "homens bons" e não como representantes da classe "mecânica" das cidades ou do povo-massa dos campos.  O exercício de cargo eletivo ou de nomeação, importando numa dignidade, despojava consequentemente o ocupante de sua condição de plebeu ou de elemento do povo-massa- o que prova que esta classe que governava era uma aristocracia. (Idem, p. 119)

Do eleitorado daquele tempo, como já acentuamos, estavam afastados os negociantes "de vara e côvado" e os taverneiros (os que mantinham "logea aberta"), bem como os seus empregados; os que praticavam "artes mecânicas" (que trabalhavam em "ofícios" manuais); e os pardos, e os mulatos, e os mestiços de todo gênero; e os trabalhadores do campo, massa enorme que forma hoje a quase totalidade do nosso eleitorado.  Este grupo de "gente mecânica" e de "baixa mão", como então se dizia, não tinha direito a ser incluído nos pelouros.  Ninguém nela votava; ninguém dela podia ser eleito para as câmaras ou quaisquer outros cargos públicos: - e seria escândalo enorme se o fosse. (Ibidem, p. 119-120)    


        Temos nestes três parágrafos uma síntese da verdadeira herança maldita do país, cuja origem alguns querem restringir à ditadura civil-militar de 1964, outros aos dois mandatos de FHC, e que a direita assanhada (na inesquecível expressão de Leonel de Moura Brizola) do século XXI tenta imputar a Lula, mas que na verdade tem raízes nas profundezas do período colonial.  Falta ao Brasil um mínimo de vivência republicana, de reconhecimento dos homens e mulheres nascidos nas classes C, D e E como sujeitos de direitos básicos em pé de igualdade com os demais, que aliás constituem uma minoria pouco numerosa.
       Localizamos nas linhas copiadas de Oliveira Vianna,  sem contestação possível,  o alto grau de hipocrisia que marca nossa sociedade desde a sua fundação. Há trezentos anos o neto bacharel do mercador de escravos "de sangue infecto" poderia se converter em  ouvidor de uma capitania apagando com uma bolsa de patacas as manchas do passado,  talvez na mesma vila em que o bisneto oculto da negra mina escravizada fizesse valer sua condição de dono de cem escravos para se afirmar como presidente da Câmara Municipal.  Hoje, muitos netos dos mais notórios grileiros, ladrões de gado e contratadores de jagunços da primeira metade do século XX posam de membros da boa sociedade e invocam uma tradição inteiramente inventada (na genial expressão de Eric J. Hobsbawn e Terence Ranger) para legitimar a distância que supostamente deve separá-los da "nova classe média", para não falar dos pobres propriamente ditos.  Mudaram, sem dúvida, as formas de obtenção e manutenção de status, mas muito das estruturas sociais da colônia sobrevive em sua essência.
      A distinção entre os que podem ou não ocupar cargos, não mais vinculada aos artigos das Ordenações Filipinas, mas sim aos laços estabelecidos com os donos do capital, se desdobra na detestável "lógica da dádiva", dentro da qual os avanços sociais, por menores que sejam, são descaracterizados como conquistas populares e apresentados como concessões de uma elite esclarecida.  Os promotores das "dádivas", por sua vez, continuam a assumir teatralmente a posição de aristocratas, por mais que conheçam seus laços culturais e consanguíneos com os sucessores diretos do "povo-massa" de Oliveira Vianna.      
      Cabe a todos nós, descendentes de cativos e de senhores de cativos, de índios apresados e de seus apresadores, de cristãos novos e de cristãos velhos, sepultar as práticas ancestrais de discriminação, autoritarismo e privilégio.  Mandemos de volta para alguma caverna das Astúrias "nosso" simulacro de aristocracia e os servos que desejarem acompanhá-lo, com todos os seus atavismos medievais, para construir uma sociedade de iguais, de preferência  mais radical em seu igualitarismo do que qualquer outra que já tenha existido.  

Obs: Agradeço aos leitores assíduos e ocasionais, aos divulgadores do blog e a meus detratores o recorde de visualizações registrado em junho de 2013.  Te cuida, Paulo Coelho!


             


quinta-feira, 27 de junho de 2013

Pelo fim do transporte privado


       Creio que nenhum brasileiro ignora a calamitosa situação do transporte de massa no país, nisto incluídos os que jamais precisaram dele.  Todos, ou quase, também já perceberam que o poder econômico e político dos empresários do transporte, em particular dos donos das companhias de ônibus, é inversamente proporcional à qualidade dos serviços que prestam à população.  Quando vi as paredes da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro pichadas e seus vidros quebrados por manifestantes, no calor dos confrontos verificados em 17 de junho último, certas reflexões se impuseram a mim, habitante do estado há 45 anos.  Qualquer carioca ou fluminense que tenha acompanhado a política regional no decorrer das últimas décadas, mesmo que com interesse limitado, sabe que uma das principais influências entre os deputados da ALERJ, senão a maior, é a da poderosa FETRANSPOR (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro), entidade que agrega diversos sindicatos patronais. 
     Não afirmarei que a multidão que investiu contra aquela Casa agiu sob a motivação direta de traduzir em prejuízos materiais  sua insatisfação específica com o lobby da FETRANSPOR.  A ALERJ frequentemente é apontada, em pesquisas formais e nas conversas de rua, como uma das instituições de menor credibilidade do estado.  Todavia, não se pode negar o forte simbolismo contido no ataque: um movimento que teve como estopim o aumento dos preços das passagens concentrou boa parte de suas forças, naquele dia, no ataque ao local de reunião de parlamentares que, com raras exceções, são vistos pela opinião pública como elementos submissos aos empresários de ônibus; quiçá, em alguns casos, seus sócios minoritários.  
      A mídia burguesa por vezes traz a público certas deficiências do setor, mas de maneira pontual, como se lidasse com exceções.  Temos, entretanto, outra percepção quando nos lançamos a uma busca livre na Internet;  torna-se claro, então, que as mazelas visualizadas no cotidiano não são "privilégio" de nenhum bairro, município ou região.  As reportagens que recortei e exponho abaixo, retiradas de blogs de variados gêneros e páginas eletrônicas de revistas mais ou menos conhecidas, constituem uma minúscula amostra entre milhares, possivelmente milhões de queixas, não raro comprovadas por fotografias, filmagens e até documentos oficiais, relacionadas aos eternos abusos das empresas de ônibus.    
 
.Frota em mau estado de conservação






.Sujeira e falta de segurança



.Superlotação e desconforto





.Tarifas extorsivas




.Atrasos e ausência de carros nos horários pouco lucrativos ou deficitários




.Desrespeito sistemático à legislação







.Opressão brutal da força de trabalho




            Sempre cínicos, "nossos" economistas e publicistas liberais não se atrevem a dizer que o sistema funciona bem.  Destruiriam assim suas reputações em uma só lição, sem mestre.  Preferem repetir o argumento falacioso de que tudo se resolveria por meio de uma fórmula mágica chamada "concorrência".  Incorrem em pelo menos dois equívocos: em primeiro lugar, existe concorrência, ainda que espúria.  Não tenho dúvida de que, se protegidos pelo anonimato, inúmeros moradores de periferias e cidades do interior nos ofereceriam relatos ricos em detalhes sobre episódios em que grandes empresas exerceram pressão sobre câmaras municipais no sentido de prevalecer sobre as menores na disputa por determinadas linhas. Em segundo, mesmo que em cenário hipotético uma companhia demonstrasse a agentes públicos incorruptíveis seu potencial de disponibilizar um serviço quase perfeito com tarifas iguais ou inferiores às das rivais, receberia em seguida, como ocorre atualmente, um monopólio.  Nada  obrigaria o concessionário a sustentar a qualidade apresentada de início, e os vastos recursos proporcionados pela margem de lucro elevada que caracteriza o setor contribuiriam, tal como hoje, para amortecer as eventuais resistências e reclamações.
         O transporte sob controle de capitalistas é um desastre em todos os quesitos.  Estatizemos tudo, não para entregar esta atividade tão essencial à qualidade de vida da população aos políticos fisiológicos que costumam infestar nossas municipalidades, mas colocando-a sob gestão profissional e submetida à fiscalização ininterrupta das organizações populares!                



segunda-feira, 17 de junho de 2013

Para quem pensa que não adianta protestar: uma memorável vitória sobre o racismo

  

     Recebi de um amigo e leitor do blog a notícia de que uma das páginas do Facebook denunciadas por nós (e certamente por muitos outros, de variadas tendências ideológicas) foi fechada.  Ao clicar no link correspondente à segunda comunidade Ong Raça Branca (com 806 adeptos), pude verificar que a mesma saiu do ar.


 
 
    Tivemos a prova segura desta vitória através da própria filial pobre da citada organização. Seu administrador, posando de vítima com grande dose de velhacaria e naturalmente sem assumir uma identidade de pessoa física, admitiu que foi "derrubado".
 
 
      O bom-mocismo dos discípulos tardios do conde Gobineau, já inconsistente à primeira vista, não resistiu ao golpe. Eles se proclamaram de imediato perseguidos pelo "judeu casado com japa" que seria o dono do Facebook!  Calculo quantos churrascos humanos fariam no dia em que se aceitassem como racistas, e permaneço sem entender o que levaria judeus a caçar brancos (autodeclarados não nazistas!) pela Internet!!! 
 
 
        Desnorteados, os líderes da "ONG" não se limitam a espernear.  Querem recorrer à Justiça para exercer livremente seu "direito ao racismo", que certamente continuam a não perceber como tal, a julgar pelo teor de uma patética petição que passaram a difundir.
 
 



         Mais uma vez ignorando as evidentes implicações criminais do discurso, os peticionários proclamam os "malefícios da miscigenação" e insinuam sem qualquer sutileza que mulheres brancas que se relacionam amorosamente com não brancos estão se violentando.  Mostremos a eles o lugar ideal para a construção da sua Orania¹: outro planeta, situado a no mínimo cem anos-luz da Terra. Continuemos a denunciar passionalmente, quantas vezes for preciso!
 
 
1-Localidade da África do Sul em que, segundo  propagandas elogiosas espalhadas por direitistas na Internet, só podem viver brancos. 

 

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Racismo e mentalidade direitista

    

      Voltando às comunidades racistas apontadas no Facebook, notamos com facilidade que nelas prevalece uma orientação política de direita, não somente no discurso dos administradores, como também nas intervenções da quase totalidade dos participantes.  O deputado federal Jair Bolsonaro é uma das figuras mais caras a estes movimentos.  Temos amostra bem instrutiva numa postagem da ONG Raça Branca, onde se estabelece conexão com a página Direita Política.     


     Poupando-nos de pequenos esforços interpretativos, o próprio coordenador da "ONG" se classifica (e aos seus seguidores) como direitista. 


        Em Orgulho de Ser Branco, podemos ver diversas manifestações de apreço à herança da ditadura civil-militar de 1964, entre elas a divulgação deste quadro pretensamente jocoso.


      No alto da mesma página, os "orgulhosos" expõem sua sintonia com os restauradores do partido que sustentou os governos dos  presidentes-generais. 



      O "Cavaleiro Paladino" http://www.facebook.com/cavaleiro.paladino.3?ref=ts&fref=ts, à frente da Orgulho Eurodescendente, não deixa dúvidas de que sua briga é contra o PT,


       (...) e, sem cair em contradição, curte e recomenda Direita Política.




   Nesta página, Orgulho branco/eurodescendente http://www.facebook.com/pages/Orgulho-brancoeurodescendente/366569136792164, que ainda não tínhamos visitado, os membros se unem na rejeição a comunistas, lulistas e "petralhas".


       Algum conservador, com sua dose de razão, poderia me questionar: -Cadê o racismo?  O quadro abaixo, difundido pelo grupo, neste caso me dispensaria de gastar retórica.  



      Não pretendo, é claro, usar estes exemplos, cujo número poderia ampliar em meia hora, para chegar a  generalizações pouco inteligentes do tipo "Todo direitista é nazista" ou "Todo racista é de direita".  Isto não me impede de trazer a público certas considerações.  Todo direitista, sem margem para exceções, é uma pessoa que tem as hierarquias socioeconômicas, ou pelo menos uma parcela importante delas, como dados naturais, mesmo que variem as justificativas para o estabelecimento destas relações.  Para alguns, o esforço individual explica a proeminência de determinados homens ou grupos; para outros, riqueza e pobreza, domínio e subalternidade, derivam da vontade dos Céus; para terceiros, os genes definem desde a concepção a força, a inteligência e as qualidades morais dos indivíduos, com reflexo direto e inevitável na organização social. 
      A vinculação a qualquer uma destas visões não constitui obstáculo para a eventual simpatia pelas demais.  Ao cidadão que explica a riqueza pela eleição divina não parecerá estranho que os eleitos, pressentindo sua condição, sejam mais ativos e esforçados do que os amaldiçoados; o que vê a iniciativa individual como única base para o sucesso talvez julgue razoável que o empreendedor seja dono do melhor DNA; o adepto da estratificação segundo a genética pode ser convencido de que a existência de raças superiores e inferiores foi concebida fora do mundo material. 
       Indo além de tais especulações, me parece fora de questão que alguém que considera normal, digamos, a subordinação dos interesses de milhares de funcionários e milhões de usuários das empresas de ônibus aos de um punhado de famílias de proprietários, já providas de contas bancárias milionárias há várias décadas, estará mais propenso a aceitar que alguns grupos étnicos devam se sujeitar a outros.  Como também aceitará mais facilmente do que qualquer pessoa de índole progressista que determinados segmentos da sociedade sejam impelidos para a obscuridade em decorrência do sexo, da orientação sexual, da filiação religiosa, da origem regional ou de classe.  Só nisto encontro ânimo para combater a direita por mais uns cinquenta anos.
Obs: Percebi em outras incursões no Facebook que um bom número de membros da rede tem dificuldade em denunciar os crimes de ódio.  Volto, então, a compor um roteiro:

1- Acesse o site da Polícia Federal em denuncia.pf.gov.br .

2- Clique na opção "crimes de ódio". 

3- Cole o link da página a ser denunciada em "Página da Internet" e mencione as falas comprometedoras em "Comentário".
                

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Mais racismo no Facebook

    
     Poucas pessoas ignoram que nos últimos anos a Internet tem constituído um espaço privilegiado para a prática de crimes de ódio, em especial o racismo.  Alguns minutos de busca no Facebook foram suficientes para construir o levantamento que exponho nesta matéria.  A tarefa acabou sendo facilitada pela constante troca de informações e afagos entre administradores e membros mais ativos das páginas racistas, que compartilham, comentam e curtem basicamente os mesmos links.
     Ao contrário de seus antepassados ideológicos, que na adesão ao chamado "racismo científico" alimentavam a expectativa de que os negros e índios do Brasil desapareceriam através dos casamentos ou uniões livres com os brancos das classes inferiores, muitos dos racistas contemporâneos condenam a miscigenação pela crença de que seu produto final será a "destruição da raça branca".  Temos um exemplo nesta postagem da bizarra organização "Raça Branca e Associação de Eurodescendentes", que à primeira vista se desdobra numa seção brasileira http://www.facebook.com/RacaBrancaForcaeHonra?ref=ts&fref=ts e outra pretensamente sul-americana http://www.facebook.com/pages/ONG-Ra%C3%A7a-Branca-e-Euro-Descendentes-da-Am%C3%A9rica-do-Sul/587466391298795?ref=ts&fref=ts, apesar da escassez ou talvez mesmo inexistência de associados de língua espanhola.          



O grupo "sul-americano", aliás, se mostra mais histérico quanto à hipótese da "extinção":


      A página Orgulho Eurodescendente http://www.facebook.com/OrgulhoEurodescendente?ref=ts&fref=ts, já excluída do Facebook há poucos meses em decorrência de repetidas denúncias e logo em seguida reaberta, apresenta uma patética cruzada de "conscientização dos brancos puros" contra a miscigenação.   


     Os racistas pós-modernos não se limitam a querer influenciar a libido alheia.  Eles fazem uso de mecanismos ainda mais toscos para o exercício do preconceito.  A comunidade Orgulho de Ser Branco http://www.facebook.com/BrancosOrgulosos?ref=ts&fref=ts veicula uma imagem cuja estúpida mensagem é clara: "O multiculturalismo traz pobreza e violência". 

  
     Página homônima http://www.facebook.com/pages/Orgulho-de-ser-Branco/219447141525948?ref=ts&fref=ts, que pelo conteúdo parece ser controlada por um adolescente de baixo nível intelectual e moral, expõe um repertório de piadas e montagens fotográficas racistas como se fossem citações inteligentes  e espirituosas.  Consegui alinhar duas pérolas em apenas um recorte.  



     A propósito, ignorância é o que não falta a estes elementos nocivos.  Retornando à ONG Raça Branca, "aprendemos" que incas, maias e astecas não eram índios!


     Como os racistas diversificam seus alvos com frequência, podemos ver logo abaixo o editor da Direita Nacionalista http://www.facebook.com/DireitaNacionalista?ref=ts&fref=ts celebrando a morte do "judeu Jacob Gorender".  Em seguida, valendo-se do anonimato e recorrendo ao mais puro discurso nazista, ele transforma o pensamento de esquerda numa espécie de perversão inerente a judeus.

   

          O "redator-chefe" da ONG Raça Branca, por sua vez, credita aos judeus as justificadas críticas que sofre, compreendidas como "ataques".  Infelizmente não explica que fator, descartada uma provável influência hitleriana, determina a exclusão dos judeus da condição de brancos!   


     Apesar de tudo, os integrantes das comunidades e grupos mencionados sustentam que não são racistas.  Repetidas vezes se queixam de que os verdadeiros racistas são seus "perseguidores".  Não cansarei o leitor com uma exemplificação exaustiva.  Basta copiar o "atestado de idoneidade" que um destes administradores confere a si mesmo.  


    A demagogia não convence.  Ninguém com mais de quatro pares de neurônios ativos pode confundir manifestações agressivas de preconceito com liberdade de expressão.  Portanto, denunciemos.  Denunciemos furiosamente, à direção do Facebook, à Polícia Federal, ao bispo mais próximo, ao jornal do bairro, à Corte de Haia!  Calemos a boca dos hitleristas tardios!     

sábado, 8 de junho de 2013

O jornalismo selvagem contra o índio civilizado

     

      Diante da tentativa de demonização das populações indígenas brasileiras em proveito do agronegócio, em pleno curso e empreendida sem maiores sutilezas por vários setores da mídia burguesa ao longo das últimas semanas, julgo oportuno retornar ao tema, que abordei em texto datado de 18 de abril de 2012.

http://gustavoacmoreira.blogspot.com.br/2012/04/midia-capitalista-e-direitos-dos-indios.html

     Naquela ocasião, me referi às grotescas inverdades divulgadas na reportagem assinada por Leonardo Coutinho, Igor Paulin e Júlia de Medeiros, da revista Veja, a respeito dos tupinambás do sul da Bahia, aos quais os autores negaram a própria existência.  Poupando desgaste ao leitor, volto a copiar o trecho mais importante da maliciosa reportagem:

O baiano José Aílson da Silva é negro e professa o candomblé. Seu cocar é de penas de galinha, como os que se usam no Carnaval. Silva se declarou pataxó, mas os pataxós disseram que era mentira. Reapareceu tupinambá, povo antropófago extinto no século XVII. Ele é irmão do também autodeclarado cacique Babau, que vive em uma área que nunca foi habitada pelos tupinambás. Sua "tribo" é composta de uma maioria de negros e mulatos, mas também tem brancos de cabelos louros. 

     Contra a fábula do povo supostamente  extinto, apresentei uma única fonte escrita, retirada do relatório da presidência da Bahia de 1860:

http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/123/000035.html 

    Não resta dúvida de que a nota do presidente Ferreira Penna sobre os tupinambás sepulta a ridícula hipótese dos empregados da família Civita.  Porém, sou obrigado a reconhecer uma severa falta de eficácia. Somente 222 pessoas, até o dia de hoje, leram a minha composição de 14 meses atrás, enquanto provavelmente centenas de milhares tiveram acesso à inconsistente peça elaborada pelo trio mencionado. 
     Trago então outras informações, com mais ênfase, no intuito de demonstrar até que ponto pode avançar aquela modalidade de jornalismo na ânsia de fazer prevalecer as versões mais convenientes aos setores dominantes, seus aliados e patrocinadores.  Através de rápidos apelos ao Dr. Google, sozinho, levantei há poucas horas estes novos resultados.  Penso que nem um aluno de oitavo ano do Ensino Fundamental acreditaria que falta a um setor tão provido de recursos quanto a redação de Veja capacidade operacional para fazer pesquisa semelhante antes de trazer ao público generalizações falsas.   
    O Supremo Tribunal Federal apreciou em 2 de maio de 2012 uma ação movida pela FUNAI em prol dos interesses dos índios pataxós do Sul da Bahia, sendo relator o ministro Eros Grau.      
   



    Na página sete do relatório podemos ler, com a grafia da época, trechos de uma lei estadual do ano de 1926, pela qual ficavam assegurados direitos territoriais tanto de pataxós quanto de tupinambás.  Portanto, outra vez fica patente o reconhecimento, por parte do  governo baiano,  da existência da etnia tupinambá, agora em fins da Primeira República. 




    A historiografia contemporânea reforça esta certeza.  A antropóloga portuguesa Susana de Matos Viegas publicou em 2007 uma extensa obra, específica sobre os tupinambás do município baiano de Olivença, cujo texto infelizmente não consegui baixar por inteiro.
     

     Todavia, o índice apresentado deixa claro que a autora efetuou um levantamento histórico que abrangeu diversas conjunturas locais no decorrer do século XX.



     O site mantido pelos pataxós ratifica a informação trazida por Viegas de que um líder chamado Marcelino guiou os tupinambás em seus enfrentamentos com fazendeiros e autoridades do estado na década de 1930.   



Os Tupinambá, em geral referidos sob a denominação Índios de Olivença, chegaram à Reserva em 1936, liderados pelo índio Marcelino, em busca de refúgio contra as perseguições sofridas na região do seu antigo aldeamento. 

      Não se sustenta nem ao menos a afirmativa de que os tupinambás de hoje são negros ou brancos, que aliás depende da premissa estúpida de que uma identidade étnica é determinada por aspectos fenotípicos.   Consultando a iconografia disponível na Internet, vemos nitidamente entre aqueles índios do sul da Bahia muitas das características físicas do habitantes originais do continente americano:   

                                       http://www.interiordabahia.com.br/p_cultura/3769.html






http://www.ibahia.com/detalhe/noticia/indios-do-sul-da-bahia-podem-receber-indenizacao-por-demora-na-demarcacao-de-terras/                                       




             Encerrada esta segunda excursão, me abstenho de formular qualquer juízo de valor sobre a revista Veja. 
 É de todo desnecessário.  Peço apenas aos amigos do blog um piso de duas mil visualizações. Estamos combinados?              

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Não se deve, de fato, respeitar

       
       Uma conversa pelo Facebook com o amigo e leitor Roni Kurono me levou a correr os olhos por certo fórum conservador.  Estava prestes a sair entediado, depois de ler que maçons são conspiradores satânicos, que os "magnatas da prostituição" hoje se aliam aos comunistas, que a entrada de Guilherme Afif no governo Dilma foi mais uma manobra da esquerda subversiva, que as bravatas dos manifestantes franceses contra o casamento gay representaram uma grande vitória moral e política e outros clichês e delírios típicos de reacionários desorientados.   Entretanto, no segundo anterior ao clique fatal um tópico pareceu digno de atenção: o dono da página celebrava uma apologia do Império feita por Ruy Castro e enaltecia a Folha de São Paulo por dar espaço ao artigo do escritor, publicado em 29 de abril de 2013.  
      Apresento abaixo o link e reproduzo na íntegra o texto, pequeno e sem  maiores pretensões, mas melodioso para quem aprecia fábulas históricas e mitos fundadores:       

       Devo dizer antes de tudo que uma efetiva transformação da Casa da Marquesa de Santos em Museu da Moda seria um evento grotesco, a ponto de não permitir críticas com um mínimo de polidez. Esclareço igualmente que não elegi Ruy Castro como o novo espécime de direitista a ser apedrejado em público, apesar de suas declarações infelizes.  Vamos a elas.
     Não é exato que o Brasil tenha sido o único país da América governado por reis e imperadores. O México teve Agustín de Iturbide e Maximiliano de Habsburgo.  No Haiti reinaram Henri Christophe e Faustin Soulouque.  Mas consideremos que, dispondo de espaço reduzido, Ruy Castro quis apontar que somente no Brasil a monarquia vingou. Neste caso, ainda que correto no aspecto factual, ele cai no erro de dar à renúncia de D. Pedro I uma conotação de desprendimento ("abdicou por seu filho"), quando aquele gesto, na verdade, constituiu uma tentativa bem sucedida de salvar a dinastia submetida a um desgaste político extremo.
       O deslumbramento com a nobreza imperial é descabido.  Para comprová-lo podemos, conforme a vontade do leitor, pensar no elevado número de traficantes de escravos que receberam honrarias, nas divertidas caricaturas que expunham os preços pagos pelos títulos ao Ministério do Império ou ainda em seu uso político despudorado por parte dos dois imperadores. Pedro I concedeu mais comendas da Ordem de Cristo, privativa de sua família, do que todos os reis de Portugal reunidos. Pedro II, em iniciativa desesperada para salvar o regime nos anos de total decadência, distribuiu centenas de baronatos, inclusive a figuras das mais irrelevantes,  na ânsia de recuperar apoios perdidos.  "Sai daí cão, que eu te faço barão", repetiam os mais gozadores. 


    
      Ruy Castro também parece sugerir, acompanhando historiadores de postura ideológica conservadora, que somente o regime monárquico poderia ter preservado a unidade territorial brasileira, o que é outra mistificação.  Não foi o prestígio de um imperador menino que impediu as secessões do Pará, da Bahia e do Rio Grande do Sul, e sim as vitórias militares do governo central sobre os movimentos que conflagraram estas províncias durante o Período Regencial.  Não é excessivo recordar que, na vizinha Argentina, a província de Buenos Aires, superior em recursos financeiros e dispondo de armamentos mais modernos, pôde sufocar no século XIX os separatistas de várias regiões  e impedir a fragmentação do país sem abrir mão do modelo republicano.     
     O pior de tudo, porém, é o arremate:     

E por que esmaecer ainda mais a memória do Primeiro Reinado, de d. Pedro 1°, a quem o Brasil, de certa forma, tudo deve?

     Tiremos da gaveta algumas "promissórias da nossa dívida", apenas o suficiente para avaliar o quanto somos ingratos com o discutível herói:

.Já em 1823, a Assembleia que deveria elaborar a primeira Constituição brasileira expressava descontentamento diante dos privilégios concedidos por Pedro I aos naturais de Portugal, do desrespeito à liberdade de imprensa e das prisões arbitrárias de políticos oposicionistas.  Quando os parlamentares tentaram incluir limitações ao poder do imperador no texto constitucional, tropas do Exército foram enviadas para fechar a Casa, que teve membros presos e exilados.

.Autoritário por natureza, Pedro I nomeou para a presidência da província de Pernambuco, em 1824, Francisco Paes Barreto, homem rejeitado pelos grupos políticos locais.  O incidente ampliou entre os pernambucanos a insatisfação gerada pelo fechamento da Constituinte e pela gestão centralizadora do imperador. O quadro teve desfecho na rebelião conhecida como Confederação do Equador, que se estendeu ao Ceará, ao Rio Grande do Norte e à Paraíba.  Na sequência da ação repressiva, foram executados o Frei Caneca e o Padre Mororó.   

.Após o batizado de uma das filhas de Pedro I com a marquesa de Santos, em maio de 1824, o padre declarou na certidão correspondente que a menina era filha de pais incógnitos, de acordo com a legislação da época, que não permitia o registro de filhos nascidos de relação adulterina.  O bispo do Rio de Janeiro, D. José Caetano da Silva Coutinho, enfrentou o protesto do imperador, respaldando a postura de seu subordinado e deixando de frequentar o Paço Imperial.  Pedro I fez uso do Ministério da Justiça para obrigar o prelado a retornar às cerimônias da Corte, inclusive beijando-lhe a mão.  Por fim, em ato oficial de 1826 que transgredia tanto o direito civil quanto o eclesiástico, transformou a criança na duquesa de Goiás, oficialmente havida de "mulher nobre e limpa de sangue".

.Envolvido desde 1825 na Guerra da Cisplatina contra as Províncias Unidas do Rio da Prata, o governo imperial cometeu sucessivos erros na condução militar do conflito, se mostrando incapaz de vencer um adversário muito inferior em população e recursos econômicos.  Pedro I, na Fala do Trono de 3 de maio de 1827, se referiu aos críticos de sua atuação como "monstros que só estão esperando ocasião de poderem saciar sua sede no sangue daqueles que defendem o trono, a pátria e a religião".  Dois meses depois, contudo, se viu forçado a iniciar negociações de paz com o governo de Buenos Aires e, em agosto do ano seguinte, reconheceu a perda do território cisplatino, convertido na República Oriental do Uruguai. 

.Ao longo de seu reinado, Pedro I favoreceu a dependência do Brasil diante da Inglaterra. Os produtos ingleses continuaram sujeitos à diminuta alíquota de importação de 15%, quando este tipo de tributo representava grande parte da receita do Império.  Os cidadãos britânicos residentes em solo brasileiro eram  julgados em Cortes especiais, o que constituía violação  flagrante do texto constitucional. 
 


.Absolutista envergonhado, Pedro I reagiu às críticas de muitos jornais ao seu governo, no ano de 1830, afirmando que cabia ao Poder Legislativo reprimir os "abusos" da imprensa.  Seus seguidores provavelmente promoveram o assassinato do jornalista de origem italiana Líbero Badaró, oposicionista, na cidade de São Paulo.   



    A mitologia bragantina é no mínimo um conjunto de piadas prontas, e no máximo uma excrescência cultural.