quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Vinte "novas" pérolas do velho reacionarismo





       Retomo hoje o tema de duas séries compostas em abril de 2012, contendo máximas diversificadas do pensamento reacionário, cujos links seguem logo abaixo: 

        A finalidade, mais uma vez, é deixar em evidência o que nos diferencia radicalmente "deles".  Longe de estar superada, a antítese esquerda/direita permanece tão válida quanto  há cem anos atrás, e por trás do discurso civilizatório a direção política conservadora só nos tem a oferecer opressão e alienação, sem excluir a barbárie de tipo fascista em certos momentos entendidos como de crise. 
        As citações que volto a agregar não são baboseiras propagandísticas nos moldes do forjado "Decálogo de Lenin".  Saíram de fato das bocas e das penas de homens tidos como respeitáveis representantes da ordem.  Apesar de cobrirem um intervalo temporal de quase duzentos anos, não me sinto inclinado a crer que seus herdeiros melhoraram significativamente. 
       

1-Evaristo da Veiga (1799-1837), jornalista brasileiro do Primeiro Reinado e do Período Regencial, exprime seu temor diante das reformas sociais propostas pelos "liberais exaltados":


 "Temo mais hoje os cortesãos da gentalha que aqueles que cheiram as capas ao monarca".
Citado em Emília Viotti da Costa.  Da monarquia à república: momentos decisivos.  São Paulo: UNESP, 1999, p. 147.


2-Alexis de Tocqueville (1805-1859) tenta legitimar o imperialismo e dá testemunho involuntário da incompatibilidade entre liberalismo e igualdade: 
Não há utilidade nem obrigação da nossa parte em passar para os nossos súditos muçulmanos ideias exageradas da sua própria importância, e nem persuadi-los de que nós somos obrigados a tratá-los como se fossem nossos concidadãos e nossos iguais.  Eles sabem que na África temos uma posição dominante e esperam que a conservemos.
Citado em Domenico Losurdo.  Contra-história do liberalismo.  Aparecida: Ideias e Letras, 2006, p. 253. 

   
3-Thomas Robert Bugeaud (1784-1849), marechal francês, autor de vários massacres na Argélia e feito duque d'Isly por seus serviços na África, se queixa a Adolphe Thiers, presidente do Conselho, contra a educação do povo:

"A nação só pode viver graças a um trabalho duríssimo que não deixe aos homens campos nem oficinas, e nem tempo livre ou força para o estudo".


(citado em FERRO, Marc. História das colonizações: das conquistas às independências, séculos XIII a XX. Sâo Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 105)
4-Domingo Faustino Sarmiento (1811-1888), presidente da Argentina entre 1868 e 1874, se mostra mais um adepto da tese da "multidão-criança":

"Os povos, em sua infância, são umas crianças que nada preveem, que nada conhecem e é preciso que os homens de alta previsão e de alta compreensão lhes sirvam de pai".

Citado em León Pomer (organizador).  D. F. Sarmiento: política.  São Paulo: Ática, 1983. 



5-Antônio José Fernandes, deputado ligado à lavoura do município de Valença, apresenta na Assembleia Legislativa da Província do Rio de Janeiro em 14 de setembro de 1880 sua concepção sobre o direito dos funcionários públicos à aposentadoria:

"O empregado devia exercer o seu emprego sempre que tivesse forças físicas e morais para desempenhá-lo.  Muito embora tenha 30 ou 40 anos de exercício, logo que esteja no caso de exercer as suas funções não deve ser aposentado".   






6-John Maynard Keynes (1883-1946) revela no texto Am I a Liberal? (1925) qual era a sua pátria: 
Quanto à luta de classes como tal, meu patriotismo local e pessoal, como os de qualquer um, exceto uns poucos desagradáveis entusiastas, liga-me a meu próprio ambiente.  Posso ser influenciado pelo que me parece ser a justiça e o bom senso, mas a guerra de classes vai me encontrar do lado da burguesia educada.
Citado em István Mészáros.  O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004, p. 61.



7-Charles Maurras (1868-1952), dirigente monarquista francês, registra sua versão da meritocracia :

« Ni aujourd'hui ni jamais, la richesse ne suffit à classer un homme, mais aujourd'hui plus que jamais la pauvreté le déclasse.  » 

(Nem hoje nem nunca, a riqueza é o bastante para classificar um homem, mas hoje, mais do que nunca, a pobreza o desclassifica.)
http://www.evene.fr/citations/charles-maurras


8-O filósofo espanhol Ortega y Gasset (1883-1955) faz sua profissão de fé elitista:

Eu disse e continuo crendo, cada dia com mais enérgica convicção, que a sociedade humana é aristocrática sempre, queira ou não, por sua própria essência, até o ponto de que é sociedade na medida em que seja aristocrática, e deixa de sê-lo na medida em que se desaristocratize.

http://www.cisc.org.br/portal/biblioteca/rebeliaodasmassas.pdf (A rebelião das massas, p. 21)


9-O embaixador Oswaldo Aranha (1894-1960), em carta ao presidente Vargas datada de 1937, mistura a paranoia anticomunista ao antissemitismo:  

"Este país, Getúlio, está quase dominado por esta nova maçonaria de fundo liberal, mas, realmente, ao serviço dos ideais extremistas.  À sombra do New Deal estamos vivendo na antessala do comunismo nos Estados Unidos.  Creio que é o judaísmo que criou e mantém este ambiente, capaz de deslocar esta civilização para um abismo. [...] A filantropia americana, esta tendência para uma forma de caridade política e até internacional, se for dominada pelo espírito judaico, arrastará toda esta civilização para um novo regime, similar ao russo".  

Citado em Maria Luiza Tucci Carneiro (org.).  O anti-semitismo nas Américas: memória e história.  São Paulo: Edusp, 2008, p. 388.


10-O economista austríaco Joseph Schumpeter (1883-1950) conspira alegremente contra o sufrágio universal:

"Observe-se: pouco importa que nós, observadores, consideremos válidos estes motivos ou as normas práticas em razão das quais se excluem do direito [de voto] determinados setores da população; importa que a sociedade em questão os admita.  E não se objete que, aplicável a exclusões justificadas pela incapacidade ("a menoridade"), este critério não pode ser aplicado à exclusão em bloco por razões que não têm nenhuma relação com a capacidade de servir-se de modo inteligente do direito de voto, porque a "capacidade" é questão de opinião e de grau e, para estabelecer sua presença ou ausência, certas normas são necessárias.  Sem cair no absurdo ou na hipocrisia, pode-se dizer que a capacidade é medida pela  possibilidade de prover-se a si mesmo".
Citado em Domenico Losurdo.  Democracia ou bonapartismo: triunfo e decadência do sufrágio universal.  Rio de Janeiro: UFRJ; São Paulo: UNESP, 2004, P. 247.    


11-Roberto Marinho (1904-2003), presidente das Organizações Globo, reafirma seu apoio à ditadura civil-militar em pleno ano de 1984:

Participamos da Revolução de 1964, identificados com os anseios nacionais de preservação das lnstituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada. Quando a nossa redação foi invadida por tropas antirrevolucionárias, mantivemo-nos firmes em nossa posição. Prosseguimos apoiando o movimento vitorioso desde os primeiros momentos de correção de rumos até o atual processo de abertura, que se deverá consolidar com a posse do novo presidente.

http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-editorial-de-Roberto-Marinho-que-exaltou-a-Ditadura-Militar/4/27682


12-Jânio Quadros, o sr. "Forças Ocultas", vai ao delírio ao tentar aglutinar votos conservadores em torno de sua candidatura à Prefeitura de São Paulo (setembro de 1985):

“Enfrentamos uma conspiração de comunistas e comunistóides que persistem em desmoralizar militares de alta patente e civis que combatem o comunismo”.

(citado em SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 510)


13-Plínio Corrêa de Oliveira (1908-1995), fundador da TFP (Tradição, Família e Propriedade), alia o reacionarismo a um discurso caricato, em entrevista de 10 de abril de 1974 à Folha de São Paulo:

Mandai-nos o que quiserdes. Só não nos mandeis que cruzemos os braços diante do lobo vermelho que investe. A isto nossa consciência se opõe."

14-O embaixador Meira Penna (1917-), em passagem que definitivamente dispensa introdução ou explicação, nos mostra o espírito reacionário em estado puro numa publicação de 1988:
"Gentlemen, até certo ponto, podem ser alguns europeus, às vezes suecos ou holandeses, ou membros da aristocracia daqueles países semibárbaros do "continente" que, pelo fosso esplêndido do estreito de Calais, está isolado do arquipélago britânico. Mas, de qualquer forma, o resto do mundo é sempre de uma maneira ou outra composto de natives ou aliens.  São os elos, os missing-links entre o macaco e o homem, pessoal meio selvagem, gente inferior e vulgar que merece ser tratada humanamente mas com certa distância.  Essa concepção durou até os cataclismas políticos e bélicos do século XX, em consequência dos quais vingou a noção lamentável do homem comum, o homem das massas, o homem coletivo irresponsável".



15-O escritor cubano Carlos Alberto Montaner (1943-) escolhe o adversário ideal, na verdade praticamente um parceiro, para as direitas:

As melhores esquerdas do mundo são aquelas que deixaram de ser esquerdas, como Tony Blair, na Inglaterra. Quando alguém abandona a luta de classes e a mentalidade antimercado e se converte em um amante do estado de direito já não é mais de esquerda.

http://veja.abril.com.br/230800/entrevista.html



16-Jean-Marie Le Pen, celebrado líder xenófobo de parte da direita francesa, revisa com inesperada sinceridade a historiografia da Segunda Guerra Mundial:  

Eu sou forçado a dizer que as câmaras de gás foram um detalhe da história da guerra mundial, o que é uma evidência.
17-Thomas Sowell (1930-), economista americano, nos explica os benefícios da redução dos salários reais:

Havia um salário mínimo, mas, como o valor deste havia sido estipulado em 1938, e estávamos em 1949, seu valor já havia se tornado insignificante em decorrência da inflação.  Por causa desta ausência de um salário mínimo efetivo, o desemprego entre adolescentes negros no ano de 1949, que foi um ano de recessão, era apenas uma fração do que viria a ser até mesmo durante os anos mais prósperos desde a década de 1960 até hoje. À medida que os moralmente ungidos passaram a elevar o salário mínimo, a partir da década de 1950, o desemprego entre os adolescentes negros disparou.  Hoje, já estamos tão acostumados a taxas tragicamente altas de desemprego neste grupo, que várias pessoas não fazem a mais mínima ideia de que as coisas nem sempre foram assim — e muito menos que foram as políticas da esquerda intrometida que geraram tais consequências catastróficas.




18-Leandro Narloch e Duda Teixeira explicitam seu programa "capitulacionista" na introdução do Guia politicamente incorreto da América Latina:
"Não nos sentimos representados por guerrilheiros ou por indignados líderes andinos e suas roupas coloridas.  Não há aqui destaque para veias abertas do continente, mas para feridas devidamente tratadas com a ajuda de grandes potências.  Conhecemos bem as tragédias que nossos antepassados índios e negros sofreram, mas, honestamente, estamos cansados de falar sobre elas". 



19-James Inhofe, senador republicano pelo estado norte-americano do Oklahoma, assim contesta (em março de 2002) o direito dos palestinos aos territórios ocupados e à formação de um Estado independente:

"A Bíblia afirma que Abraão desarmou sua tenda e foi morar na planície de Mambré, que é Hebron, erigindo aí um altar em honra do Senhor.  Hebron encontra-se na Cisjordânia, e foi naquele lugar que Deus apareceu a Abraão e lhe disse: 'Eu te dou esta terra', a Cisjordânia.  Esta batalha não é de modo algum política, é uma controvérsia sobre o fato de a palavra de Deus ser verdadeira ou não.


Citado em Domenico Losurdo.  A linguagem do Império: léxico da ideologia estadunidense.  São Paulo: Boitempo, 2010, p. 55.  


20-Walter Williams (1936-), economista norte-americano, apresenta em dose dupla sua visão de "liberdade":

Primeiro, não existe igualdade racial absoluta, nem ela é desejável. Há diferenças entre negros e brancos, homens e mulheres, e isso não é um problema.
(...)

A Universidade George Manson tem dinheiro público. Portanto, não pode discriminar. Uma biblioteca pública, que recebe dinheiro dos impostos pagos pelos cidadãos, não pode discriminar. Mas o resto pode. Um clube campestre, uma escola privada, seja o que for, tem o direito de discriminar.
 



 

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Outros cinco mitos sobre a História da África

Troca de presentes entre o presidente francês Valery Giscard D'Estaing, definido como de "centro-direita", e o ditador Jean-Bédel Bokassa, presidente da República Centro-Africana que se proclamou imperador em 1976. 

 

             Retomo a argumentação apresentada inicialmente na matéria http://gustavoacmoreira.blogspot.com.br/2013/10/cinco-mitos-sobre-historia-da-africa.html, por considerar que a desmistificação da robusta mitologia depreciativa elaborada a respeito das populações africanas mereceria ao menos mais uma série.  Vou de maneira mais direta, então,  a outros lugares comuns localizados com frequência no mundo virtual e em conversas triviais. 
  
1-Os africanos, abandonados a si mesmos, tendem a perpetuar no poder tiranos corruptos como Mobutu, Idi Amin e Bokassa, e precisam da tutela ocidental para avançar rumo à democracia.

          Sem minimizar a importância dos fatores locais na formação e na continuidade das muitas ditaduras ainda existentes na África, percebe-se facilmente que as repetidas intervenções ocidentais se destinam muito mais à preservação de interesses econômicos e de posições de força no terreno militar do que a qualquer tipo de humanitarismo.  A sistemática violação do direito à autodeterminação política dos povos africanos ocorre no sentido de uma "estabilidade" que não exclui o apoio explícito a ditadores dos mais truculentos, desde que se disponham a combater facções e partidos nacionalistas, socialistas ou islâmicos.  O francês Raphaël Granvaud expõe de forma sucinta e eficiente múltiplos desastres provocados ou favorecidos pela atuação das tropas de seu país no continente africano em passado recente:           

"Ainsi dans les années 1990, les militaires français ont fermé les yeux sur la "sale guerre" menée par l'armée sénégalaise en Casamance ou ont soutenu à plusieurs reprises la politique de répression et de massacre systématique des Afar à Djibouti.  À la même époque, les militaires français ont également assuré la formation de l'armée rwandaise, de la garde présidentielle et même de milices; tout comme ils avaient pris en charge la division spéciale présidentielle du dictateur Mobutu au Zaïre, la garde présidentielle du dictateur Ratsiraka à Madagascar, les miliciens du dictateur Niño Vieira en Guinée-Bissau, les "Ninjas" du dictateur Obiang em Guinée-Équatoriale, les milices du criminel contre l'´humanité Sassou-Nguesso en 1998 après son retour au pouvoir, et ils continuent d'apporter "un soutien aux Forces armées congolaises, tant dans le domaine de la formation que de la dotation".  Après le coup d'État de 1992, des conselleirs militaires français sont restés présents à différents niveaux de la hierárchie militaire algérienne pour l'aider à mettre en oeuvre les méthodes de guerre antisubversive contre sa population".  

Tradução livre:

Durante os anos 1990, os militares franceses fecharam os olhos para a "guerra suja" levada pelo exército senegalês em Casamance, e apoiaram em várias ocasiões a política de repressão e de massacre sistemático dos Afar em Djibuti.  Na mesma época, os militares franceses garantiram igualmente a formação do exército ruandense, da guarda presidencial e mesmo de milícias; tanto quanto tomavam como incumbência a [estruturação da] divisão especial presidencial do ditador Mobutu no Zaire, a guarda presidencial do ditador Ratsiraka em Madagascar, os milicianos do ditador Nino Vieira na Guiné Bissau, os "ninjas" do ditador Obiang na Guiné Equatorial, as milícias do criminoso contra a humanidade Sassou-Nguesso em 1998, após sua volta ao poder, e eles continuam a dar sustentação às forças armadas congolesas tanto no campo da formação quanto da dotação.  Após o golpe de Estado de 1992, conselheiros militares franceses estiveram presentes em diferentes níveis da hierarquia militar argelina para ajudar a colocar em prática os métodos de guerra antissubversiva contra sua população¹.      
     
2-Apesar das atrocidades do colonialismo, os africanos estariam relegados a um padrão tecnológico muito baixo se não tivessem passado pela dominação direta das potências europeias.


Menelik II

           O exemplo do Japão na segunda metade do século XIX deveria bastar para o entendimento de que é possível para um país materialmente "atrasado" ampliar o desenvolvimento de suas forças econômicas sem alienar a soberania.  Voltando o olhar para a própria África, vemos que no Estado que preservou durante mais tempo sua independência política, a Etiópia, também foram postas em prática tentativas de modernização. Durante o reinado de Menelik II, que se estendeu até 1908, surgiram um serviço postal, uma moeda nacional e a imprensa escrita.  Houve igualmente a construção de uma ferrovia.  Quando certo europeu mostrou ao imperador um rifle, explicando que fazia "bum-bum", Menelik II apresentou-lhe seu arsenal, onde estavam guardados mais de cem mil rifles².
   

3-O confisco de terras pertencentes aos descendentes de britânicos no Zimbabwe foi uma expropriação arbitrária de caráter racista contra propriedades legalmente constituídas.




        A extensão do domínio britânico à área entre os rios Limpopo e Zambeze, onde se constituiu a colônia da Rodésia, foi um processo extremamente violento, com prejuízo quase exclusivo para as populações nativas.  O agente imperialista Cecil Rhodes, ajudado pelo governador do Cabo, Hercoles Robinson, e por Sydney Shippard, comissário na Bechuanalândia (hoje Botswana), arrancou do rei Lobenguela, em 1888, um monopólio da exploração dos recursos minerais naquele território.  Com a vinda de estrangeiros para a região, aconteceram divergências entre os recém-chegados e os próprios homens de Rhodes, que já se julgavam donos das terras.  Quando Lobenguela tentou protestar junto à rainha Vitória, seus emissários acabaram assassinados, e novos incidentes resultaram em guerra.  O britânico Jameson, presidente da British South Africa Company, apelidada de Chartered Gang em consequência de seus métodos, valeu-se da superioridade tecnológica para incendiar a aldeia móvel de Lobenguela.  Em 1894, Lord Roseberry, primeiro-ministro do Reino Unido, determinou que todos os antigos domínios do rei africano pertenceriam à companhia³.  
        Algum leitor poderia alegar que, apesar da selvageria dos "pioneiros" de Rhodes e da Chartered Gang, pessoas com três ou quatro gerações de antepassados vivendo em determinado país não devem ser tratadas como invasoras.  Aceito o argumento como princípio genérico, mas não quando se constata que os mencionados colonos, em regra, atuaram durante quase um século como verdadeiros colonizadores, vinculados aos interesses e à ideologia imperialista da metrópole, com fraca ou nenhuma integração com os demais segmentos da população local.  Aliás, entraram em choque com a Inglaterra apenas ao se verem frustrados no intuito de obter apoio para a sobrevivência do apartheid. Neste caso, estamos diante, no que se refere à reforma agrária feita após a independência, da revogação de uma verdadeira apropriação indébita.  Destaco ainda a fatal contradição dos direitistas que, por mera hostilidade ideológica, clamam pela saída dos chineses do Tibete, enquanto gostariam de ver restauradas na África relações criadas pelo imperialismo e fortalecidas pelo apartheid.      

4-Os europeus e americanos, ao comprar escravos na África, apenas faziam uso das reservas de uma "mercadoria" já disponível.

         Diversos episódios comprovam que a presença ocidental na África, a partir da Idade Moderna, não somente incrementou o tráfico como serviu, em algumas situações, para introduzir a escravidão onde ela não existia.  Charles Boxer aponta que a penetração portuguesa no Congo, durante o século XVI, produziu uma dinamização do comércio de escravos que sobressaltou os reis congoleses.  Embora os dois Estados fossem formalmente aliados, traficantes portugueses escravizavam súditos do Congo, e as autoridades de Portugal eram incapazes de controlar sua atividade.  Enquanto a Coroa determinava que os escravos só podiam ser embarcados no porto congolês de Mpinda, os traficantes atuavam na foz do rio Cuanza, em Angola, de onde extraíam a mercadoria humana sem pagar impostos, levando-a para a ilha de São Tomé.  Estendida a influência lusa na zona angolana, cobrava-se dos sobas locais que se submetiam tributo sob a forma de escravos.  Em algumas ocasiões os portugueses também aliciavam jagas (grupos canibais originários da África Central) para fazer a "guerra preta", que resultava em capturas diretas4.        
       Os holandeses que ocupavam o Cabo da Boa Esperança na década de 1650, impedidos pela Companhia das Índias Orientais de escravizar os cóis (hotentotes) que viviam nas proximidades, passaram a importar cativos da África Ocidental, Angola, Índia e Indonésia.  Quando estes últimos escapavam, os holandeses entravam em conflito com os hotentotes, aos quais acusavam de abrigar os fugitivos5.
        As tabelas exibidas por Paul Lovejoy no livro A escravidão na África: uma história de suas transformações (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 51) demonstram que o tráfico atlântico, após subtrair aproximadamente 409.000 pessoas do continente africano entre 1450 e 1600, atingiu as cifras de 1.348.000 no período 1601-1700 e 6.090.000 de 1701 a 1800, somente declinando no século XIX, quando apesar das seguidas medidas abolicionistas em vários países ainda produziu 3.466.000 vítimas.  O autor, que crê numa "relação causal" entre o tráfico atlântico e o subdesenvolvimento africano (p. 20), declara também que a expansão do comércio de escravos em fases sucessivas tornou o escravismo "fundamental para a economia política africana" (p. 29).       

5-O brilho da civilização egípcia resultou exclusivamente da atuação do homem branco. 


Representação do faraó Ramsés III

        Encontramos esta afirmação, com algumas variantes, em vários sites de supremacistas brancos, que chegam a afirmar que na época dos faraós os negros viviam em sua totalidade abaixo do deserto do Saara.  Embora se trate de um embuste grotesco para qualquer estudioso do tema, vale a pena desmistificá-lo.  Alberto da Costa e Silva aponta que em torno de 6.000 a. C. populações negras já estavam instaladas na região da atual Cartum (capital do Sudão).  Parte destes grupos continuou descendo o Nilo até o Alto Egito, miscigenando-se com elementos caucasoides.  Segundo o autor, os "mestiços" foram predominantes na cultura pré-dinástica de Badari, que se desenvolveu na região por volta de 4.000 a. C.6. 
          Vale para a minha geração recordar, neste ponto, os velhos manuais de Primeiro Grau que explicavam que a unificação do Egito se deu a partir da conquista militar do sul, o Alto Egito [onde a "presença negra" certamente estaria mais concentrada], sobre o Baixo Egito, vizinho ao Mediterrâneo.  Não endossarei, é claro, a manipulação ideológica de sinal contrário que se desdobra no esquema "Os negros construíram o Egito- O Egito influenciou Creta- Os cretenses influenciaram a Grécia Clássica- Os negros são os fundadores da civilização ocidental".
          Outros supremacistas, menos primários, investem na versão de que a influência negra no Egito foi expressiva apenas durante a 25a dinastia, nos séculos VIII e VII a. C., quando governaram os faraós núbios ou kushitas Kashta, Piankhy, Shabaka e Taharqa.  Entretanto, são flagrantemente contrariados por numerosas evidências factuais, quando lançamos na busca de imagens do Google os nomes de reis como Khafra (Quéfren), Senusret I e Ramsés III, entre outros.

Representação de Amenemhat III
        


Referências:
1-Raphaël Granvaud.  Que fait l'armée française en Afrique? (Que faz o exército francês na África?)  Marseille: Agone, 2009, p. 91.
2-H. L. Wesseling.  Dividir para dominar: a partilha da África, 1880-1914.  Rio de Janeiro: UFRJ; Revan, 2008, p. 267-268.
3-Marc Ferro. História das colonizações: das conquistas às independências (séculos XIII a XX). São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 108.
4-Charles Boxer.  O império marítimo português, 1415-1825.  Lisboa: Edições 70, 2001, p. 108 a 110.
5-Alberto da Costa e Silva.  A manilha e o libambo: a África e a escravidão, de 1500 a 1700.  Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 766-767.
6-Alberto da Costa e Silva.  A enxada e a lança: a África antes dos portugueses.  Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: EDUSP, 1992, p. 59

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Reacionarismo e machismo tosco: uma conexão óbvia


     Após percorrer as seções brasileiras das redes sociais da Internet, apontei em outras postagens a ligação estreita entre os movimentos que sob o pretexto da celebração das origens europeias abrem espaço para as pregações de membros francamente racistas, e a direita política de tipo mais conservador.  Para minha satisfação, notei também que a atitude dos muitos cidadãos dispostos a denunciá-los costuma resultar na eliminação destas excrescências virtuais pelos administradores das redes, ainda que uma ou outra dê a impressão de possuir certo nível de "blindagem".  
       Percebemos correlação semelhante ao "visitar" as páginas que sob as desculpas da crítica aos supostos excessos do feminismo e do combate a um vago "marxismo cultural" (categoria que pode abranger qualquer coisa que destoe do conservadorismo mais tacanho), terminam por postular o retorno das mulheres ao velho programa "esquente a barriga no fogão para em seguida esfriar no tanque".  Estas comunidades talvez  não sejam mais numerosas do que as racistas, mas sem dúvida concentram muito mais seguidores, o que não é difícil de explicar: se chamar alguém de "crioulo" em contexto depreciativo constitui crime, reivindicar a submissão da mulher (e eventualmente o repúdio pessoal aos gays) é tido pela sociedade apenas como uma perspectiva imbecil, irracional, porém enquadrada nos limites da liberdade de opinião.
       O certo é que, em medida pelo menos igual à dos supremacistas raciais, os machistas pré-históricos se alinham com a direita reacionária de uma forma que podemos qualificar como caricatural.  Parecem todos saídos do mesmo forno e da mesma fornada: cultuam atores norte-americanos belicistas e /ou filiados ao Partido Republicano,  xingam de "putas", "cachorras" e "periguetes" todas as mulheres que não se adequam aos modelos definidos pela moral sexual pequeno-burguesa, apreciam ditadores militares e policiais exterminadores e tentam rotular os que identificam como inimigos da causa com os apelidos de "manginas", "machos betas", "feministas sapatas" e outras pérolas.  
        Extraí com finalidade ilustrativa prints de seis destas comunidades, todas hospedadas no Facebook.  As mensagens são tão diretas que dispensam apresentação.             
                      



       Ao contrário do que fiz em relação às páginas racistas, não sugerirei que se promovam denúncias de qualquer tipo.  Também não direi, é claro, que esta visão de mundo caracteriza todos os políticos e intelectuais direitistas.  Mas caracteriza, em grande proporção, os seus currais eleitorais, aqueles que inúmeras vezes são denominados "povo conservador" ou "maioria silenciosa" (que dificilmente será maioria e, nos últimos tempos, tem abandonado o silêncio com frequência notável).  
       Domenico Losurdo se refere em várias de suas obras à "tripla discriminação" (de classe, gênero e raça) que marca o status quo nas sociedades capitalistas.  Verificamos, com fartura de exemplos, que a "opinião de direita", sobretudo entre os grupos de baixa sofisticação intelectual, consiste basicamente na naturalização dos lugares comuns discriminatórios.  O que proponho em face deles, desta vez, é condescendência zero no ano eleitoral que se aproxima.  Mais do que nunca, não deixem de votar, para todos os cargos e em particular para o Poder Legislativo, em candidatos comprometidos simultaneamente com os direitos dos trabalhadores e com a defesa das "minorias".  Uma mesa de três pernas, tendo cortada apenas uma, não se mantém de pé.  Serremos sempre mais um pouco, então, onde ela mostrar mais vulnerabilidade.                














segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Cinco mitos sobre a História da África

Joias da rainha núbia Amanishaketo, contemporânea do imperador romano Augusto 
 
 
        Escrevo inspirado na jornalista Christine Vrey, da Namíbia, que há alguns meses publicou a matéria Dez ideias erradas sobre a África, motivada pela notória falta de informação sobre o continente africano que prevalece nas sociedades ocidentais.  O texto foi divulgado em português em muitas páginas, entre elas
        Sabemos que no próprio Brasil, apesar das amplas e multisseculares influências culturais africanas, muitas pessoas creem que a África é um único país, habitado por selvagens, todos de pele negra ao extremo.  Sendo a contemporaneidade africana desconhecida em larga margem pela maioria, a História da África é ainda mais ignorada, apesar da legislação  que determina o seu ensino nas escolas do país.  O brasileiro médio, no máximo, retém as generalizações correntes sobre o tráfico negreiro.  Suas referências, portanto, giram em torno da figura do africano como elemento necessário ao funcionamento da plantation americana.  Apenas uma máquina de produzir artigos agrícolas, e não o colonizador involuntário identificado por muitos dos intérpretes clássicos do Brasil.     
        A desinformação sobre aquele continente nada tem de nova.  Podemos recordar as lamentações de Nina Rodrigues, formuladas há mais de um século, acerca da África que morria "em nossas cozinhas" sem que conhecêssemos sequer as suas línguas.  Este desinteresse, no século XXI, favorece o projeto dos segmentos da direita que pretendem estabelecer, ou restabelecer, um pleno alinhamento do Brasil com a aliança militar ocidental na política externa.  Para eles, convém a manutenção do estereótipo do africano primitivo, incapaz de esforço intelectual e necessitado da tutela estrangeira para escapar da miséria absoluta e das guerras "tribais".  Assim como convêm os estereótipos do árabe fanático e terrorista, do indiano faminto e descalço, do russo pérfido e truculento, do chinês devorador de cães e eternamente disponível para o serviço sujo e mal pago.
         Obviamente, uma tendência de longo prazo não será revertida por um artigo de blog.  Penso, porém, que investir na desmistificação sempre traz bons resultados; ao menos, perdem-se algumas virgindades políticas.  Selecionei, então, cinco das generalizações mais grosseiras que ouvimos (e eventualmente lemos) a respeito da História da África, comentando-as de acordo com uma bibliografia de fácil acesso.               
  1-Os africanos nunca foram capazes de desenvolver a escrita. As regiões que já faziam uso desta modalidade de comunicação antes da expansão colonial do século XIX importaram-na do mundo islâmico ou da Europa.   

      Mesmo que desconsiderássemos a escrita dos egípcios como africana, coisa que não faz sentido, a sentença seria um disparate.  Já no tempo que corresponde na Europa à Antiguidade Clássica, havia em Méroe, citada por Heródoto no século V a. C. como a "capital do reino dos etíopes", e situada no norte do atual Sudão, uma escrita cuja parte fonética foi decifrada pelo inglês F. I. Griffith entre 1900 e 1911.  Durante o reinado de Arcamani, que provavelmente governou Méroe no século III a. C., quando a República romana lutava contra Cartago pelo domínio do Mediterrâneo Ocidental, a chamada escrita meroíta substituiu quase por completo o egípcio antigo como língua impressa nos monumentos daquela região.  Ela comportava uma variante hieroglífica e outra cursiva, composta por um alfabeto de 23 sinais¹.  Também na área que hoje identificamos como o norte da Etiópia, no século III a. C., houve a reelaboração da grafia no sentido de uma aproximação com a língua autóctone, e um consequente afastamento do idioma arábico trazido do Iêmen (pré-islâmico, é claro), de onde os "etíopes" tinham recebido a escrita². 
              
2-Não havia organização estatal na África antes da ocupação pelas metrópoles europeias, a não ser, mais uma vez, nas regiões controladas por muçulmanos.

    Poderíamos novamente recorrer ao exemplo do Egito faraônico, citando inclusive a dinastia núbia que o governou em partes dos séculos VIII e VII a. C..  Na verdade, a existência de Estado, na África, esteve mais para regra do que para exceção.  
     O reino de Axum, sediado em terras da atual Etiópia, era uma potência regional respeitável no século III, que participava do comércio entre a Europa e a Ásia através do Índico e do mar Vermelho e fazia circular moedas de ouro, prata e cobre.  Numa campanha militar iniciada em 525, o rei axumita Calebe chegou a conquistar toda a Arábia do Sul, onde "colocou cristãos em todas as posições de mando³".


Moedas do reino de Axum, em circulação no século IV.

      Bem mais ao sul e muito mais tarde, no século XVI, quando os portugueses firmaram relações próximas com o reino do Congo, lidaram ali com uma monarquia complexa, na qual o rei partilhava a arrecadação dos tributos com governadores de província, que os redistribuíam entre os chefes de distritos e estes com os chefes de aldeia e com os "cabeças de linhagens"4.          

3-Antes da colonização europeia, todos os africanos, ou quase, viviam em pequenas aldeias formadas por casas de cômodo único.  

       Esta afirmativa é tão ou mais absurda do que a anterior.  O "país" dos ussá, que jamais foi unificado politicamente, abrangia diversas cidades-estados, localizadas na bacia do rio Níger: Kano e Rano, onde predominavam os tecelões; Katsina e Daura, cuja vida girava em torno do comércio; Zaria, dominada pelos mercadores de escravos.  Estes centros, cuja influência atingiu um apogeu por volta de 1350,  possuíam altas muralhas para evitar um eventual saque por parte das populações vizinhas.  Dois séculos mais tarde, Hassan ibn Mohamad, conhecido também como Leo Africanus, disse que os habitantes de Kano eram "artesãos civilizados e ricos mercadores"5.


                                                       Ruína da igreja Kulumbimbi, em M'Banza Congo, Angola

       Banza Congo, a capital do reino do manicongo, abrigava no final do século XVI entre 60 e 100 mil habitantes.  Somente o palácio real tinha 2.400 metros de circunferência6.
      Até na remota (pelo critério europeu) ilha de Madagascar, o reino do Boiná, formado no século XVII, concentrava em 1792, apenas em sua capital Majunga, seis mil comerciantes omanitas e hindus, estimulados pela integração nos circuitos comerciais da rede swahili do Oceano Índico.  A influência ocidental na ilha, por outro lado, só se intensificou a partir do reinado de Radama I do Ambohimango (1810-1828), que contratou europeus para modernizar o exército e promoveu a mudança da transcrição da língua malgaxe dos caracteres arábicos para os latinos7.    
           
 
4- Os africanos trazidos para a América a partir do século XVI eram todos prisioneiros de guerra que seriam mortos caso os europeus não os comprassem dos mercadores também africanos.

       O especialista Patrick Manning, em seu trabalho The enslavement of Africans: a demographic model (1981), demonstrou que a maioria das pessoas escravizadas na África permanecia dentro do próprio continente.  No circuito atlântico do tráfico, enquanto os "exportados" representaram 44,6% das amostras pesquisadas, a proporção dos que ficaram foi de 55,4%.  Destes, o autor calculou que pereciam em torno de 10%, abatidos por doenças semelhantes às dos que morriam na travessia oceânica.  É certo que em processos desta natureza indivíduos tidos como "cativos indesejáveis" poderiam ser  mortos por seus captores, mas o argumento humanitário definitivamente não se sustenta8.  Nem o mais delirante ficcionista imaginaria negreiros enchendo seus navios com cativos sem valor de revenda.      

5- As potências ocidentais trabalharam incessantemente, contra os interesses das elites tradicionais das regiões que ocupavam, no sentido de eliminar a escravidão do continente africano.

      Muitos exemplos podem ser invocados para desfazer esta fábula reabilitadora do colonialismo.  Uma passagem de Paul Lovejoy é particularmente instrutiva:

As leis abolindo a escravidão nas colônias britânicas não eram aplicáveis ao Protetorado de Serra Leoa, onde a escravidão continuava a prosperar.  O escravismo desenvolveu-se, dessa forma, até muito tarde.  Os negócios com escravos não foram abolidos antes de 1896, e a própria escravidão foi considerada ilegal somente em 1926.  Freetown, apesar do nome, era a capital de um dos últimos bastiões da escravidão9.

       Nas colônias portuguesas da África, apesar da abolição oficial da escravidão na década de 1870, foram implantados o que Cabaço define como "regimes laboristas especiais que incluíam o trabalho forçado".  O tráfico de escravos, embora proibido desde 1840, permaneceu ativo na costa de Moçambique "até a alvorada do século XX", sob a proteção de agentes do Estado colonial10.  Já no Estado Livre do Congo, a monarquia belga entregou, na década de 1890, concessões a empresas que promoviam o extrativismo com vasto emprego de mão de obra forçada.  Ainda em 1908, quando o regime colonial assumiu diretamente o controle daquela região, a escravidão permanecia como "instituição marginal"11. 
              

Referências:

1-Alberto da Costa e Silva.   A enxada e a lança: a África antes dos portugueses.  Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Edusp, 1992, p. 113 a 115.
2- A enxada e a lança, p. 158 a 160.
3- Idem, p. 167 a 179.
4- Alberto da Costa e Silva.  A manilha e o libambo: a África e a escravidão, de 1500 a 1700.  Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 368.
5-João Carlos Rodrigues.  Pequena história da África Negra.  São Paulo: Globo; Brasília: Biblioteca Nacional, 1990, p. 36-37.
6- A manilha e o libambo, p. 369.
7- Pequena história da África Negra, p. 81, 125 e 126.
8- Paul Lovejoy.  A escravidão na África: uma história de suas transformações.  Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 112-113.
9- A escravidão na África, p. 366.
10- José Luís Cabaço.  Moçambique: identidade, colonialismo e libertação.  São Paulo: UNESP, 2009, p. 52.
11- A escravidão na África, p. 381.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

E os racistas não param de rosnar

(De uma campanha espanhola contra o racismo)

    

           Em diversas postagens do blog, apontei a associação muito frequente entre discurso racista e posicionamento político de direita.  Ainda que existam indivíduos que, se colocando à esquerda na maioria das questões, emitem opiniões racistas, o racismo nas organizações de esquerda é demonizado, enquanto nas de direita encontra no mínimo tolerância.
          Retomo o assunto por uma razão específica: há alguns dias, o analfabeto funcional que se apresenta como moderador da página do Facebook Orgulho de ser Branco (https://www.facebook.com/BrancosOrgulhosos?ref=ts&fref=tsse queixou do meu suposto preconceito contra sua "inocente comunidade" nos comentários da matéria Mais racismo no Facebook (http://gustavoacmoreira.blogspot.com.br/2013/06/mais-racismo-no-facebook.html), publicada em junho.
          Identifico, como naquela ocasião, a filiação direitista da página, expressa até nas afinidades declaradas de seu moderador.


      Isto, entretanto, é o que menos importa.  Ser de direita, ou mesmo extremista de direita, faz parte da liberdade de opinião de cada um de seus participantes.  O que pretendo ressaltar é a grotesca contradição entre uma negação retórica do racismo por parte dos "orgulhosos" e sua conivência (senão incentivo) com palavras de ordem francamente racistas. 
      Sem assumir de maneira explícita a adesão a projetos segregacionistas, o mediador se declara, com aprovação integral de seus seguidores, contrário às uniões ditas interétnicas ou multirraciais.  Em numerosas discussões é exaltada, mais do que as realizações culturais e tecnológicas dos eurodescendentes, a postura dos brancos que pretensamente jamais se casariam ou teriam filhos com pessoas "de outras raças".         




      O mediador também não reprime as manifestações dos adeptos menos maliciosos que se arriscam a demonstrar simpatia aberta pelo hitlerismo.  Para Bianca Birvar, o Führer partia da "boa intenção" de preservar ou multiplicar os fenótipos arianos mais característicos. 



     
        Outro membro, Aroldo Resende, se mostra preocupado em afastar as mulheres louras das perigosas garras de homens não brancos.



      A influência nazista se torna mais perceptível em diversas declarações de "orgulhosos" que, sem qualquer argumento, excluem os judeus da categoria de brancos.  A combinação entre racismo e baixa atividade mental possibilita um diálogo em que o Estado israelense é enaltecido por segregar palestinos (política sugerida aos "países brancos" contra os imigrantes e seus descendentes) e depreciado como entidade representativa de gente não branca. 


     Contando com a vasta compreensão do mediador, o membro Lucas Luis afirma com um arremedo de sutileza que negros são retardados.  



       Mas a pior atitude do "responsável" pela página, sem dúvida, é abrir espaço para a delinquência do cidadão Robert Munhoz.  A quantidade de pérolas racistas produzidas por este último quase me obriga a pedir indulto para Mayara Petruso! Segundo Munhoz, o sangue negro leva diferentes países ao subdesenvolvimento, os poucos brancos existentes carregam o Brasil nas costas, a miscigenação transforma o brasileiro em um povo estúpido e quem se mistura com pessoas de outras etnias joga sua herança familiar no lixo.  Em dispensável participação especial, Rodolfo Italo, tomado por um arroubo mussoliniano, se apresenta para pegar em armas contra os "multiculturais" em nome da "ancestralidade europeia guerreira".  Imagino a que malabarismos o mediador  seria constrangido, em seu limitado domínio da língua, para negar o racismo tão claramente tipificado nestas conversas.    











         Mesmo com tal histórico, o mediador "Cavaleiro" se considera ofendido com as minhas observações.  Devo dizer que ele não é o único indignado.  Vejo como absurdo o fato de o grupo Orgulho de ser Branco permanecer ativo na rede social mais popular da Internet durante quase nove meses difundindo comportamentos criminosos, ao menos conforme as leis brasileiras. 
           Assim, convido todos os antirracistas de todos os países e de todas as etnias que possuam conta no Facebook a clicar na seta voltada para baixo no alto da citada página e denunciar mais uma vez os "orgulhosos" esfarrapados.  
 
 
 
      Alguém me lembrará, com certa dose de razão, que comunidades racistas virtuais são fechadas hoje e reabertas amanhã com outros nomes, o que reduz a eficácia das denúncias.  Pois bem: além da mera solicitação de exclusão que faremos ao Facebook, é possível notificar o caso à Polícia Federal, sobretudo quando temos atores que ousam registrar sentenças racistas sob identidades aparentemente reais.  
 
 
        Denuncio de novo, e agora.