sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Esclarecimentos à população de Itaguaí e aos leitores do blog História & Política

Vila de Itaguaí, vista pela inglesa Maria Graham em 1823
          
        Fui surpreendido na manhã de hoje por um ataque sem motivação ideológica (ao que tudo indica), vindo de um endereço inesperado.  Jupy Junior, do jornal Atual, editado na cidade fluminense de Itaguaí, citou meu nome numa matéria em que critica de forma contundente a administração daquele município.  Embora não me acuse da prática de qualquer crime, o texto conduz, sem dúvida, a interpretações que sugerem minha participação em esquema de superfaturamento de serviços e/ou favorecimento ilícito.  Transcrevo na íntegra as palavras daquele jornalista, às quais julguei indispensável uma pronta resposta.      


GRANA ALTA: Ao leitor desavisado pode parecer que a cidade de Itaguaí é um mar de prosperidade em meio a uma turbulenta crise nacional e mundial. A quem argumenta “quando nunca estivemos em crise?” deve-se dizer imediatamente: “gastos públicos exigem cobranças públicas”. Pois bem, em Itaguaí, a prefeitura gasta como quer, em que quer, e nada parece demover o governo municipal da determinação de comprar, comprar e contratar. Fica difícil justificar, então, a contratação por mais de R$ 77 mil de um historiador – Gustavo Alves Cardoso Moreira – para, segundo texto do Jornal Oficial número 384, “fotografar, editar e transcrever partes textuais que constam nos livros de editais da Câmara Municipal, livros de termos de juramentos da Câmara Municipal e do livro de alistamento de eleitores do município de Itaguaí”. O contrato, cuja reprodução ilustra esta página – tem validade de um ano. Vale dizer que o historiador vai receber R$ 6,43 mil mensais. Não há qualquer justificativa para a contratação de um historiador de fora da cidade quando há vários professores de história da rede municipal, poderia argumentar um outro leitor. Pois bem. Há mais que precisa ser explicado pela prefeitura, embora o ATUAL venha, sem sucesso, requisitando esclarecimentos que são ignorados pela Secretaria Municipal de Cultura (Secom).

        Jupy Junior, apesar ter reproduzido o contrato para seus leitores, na melhor das hipóteses não o leu; na pior, simplesmente não entendeu as cláusulas de pagamento.  Não receberei "R$ 6,43 mil mensais".  O prazo de um ano é uma estimativa (realista) que admite "prorrogação, mantidas as demais cláusulas do contrato e assegurada a manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro". Minha remuneração será dividida em três parcelas, condicionadas à conclusão de cada etapa da empreitada.  Posso afirmar, resumindo a situação, que enquanto os trabalhos estão em pleno curso, não embolsei sequer um centavo.
      O jornalista, na ânsia de atingir o governo local por todos os meios ao seu alcance, sem se preocupar com os danos morais que venha a causar a terceiros, incorreu em pelo menos uma grave omissão.  Não vou chamá-lo de desonesto.  Prefiro acreditar que se satisfez com informações superficiais, e desta maneira ignora que conforme o Termo de Referência 1283/2014 deverei, além de "fotografar, editar e transcrever", produzir uma "contextualização histórica" dos livros em questão.  Atuei como professor concursado em escolas municipais do Rio de Janeiro, Duque de Caxias e Maricá, e poderia redigir muitas laudas sobre as qualidades dos profissionais que, enfrentando diariamente as mazelas mais assustadoras da sociedade brasileira, conseguem ensinar.  Entretanto, os serviços mencionados no contrato exigem, em primeiro lugar, total familiaridade com a caligrafia típica do século XIX, qualificação ausente, por certo, do currículo da maioria; em segundo, a referida contextualização e a própria compreensão de boa parte dos manuscritos estão relacionadas ao estudo sistemático da História do Brasil Império, que empreendi em meus cursos de mestrado e doutorado.
        Enganos à parte, reconheço que Jupy Junior soube me irritar, quando empregou a lamentável expressão "historiador de fora da cidade".  Contra seu acesso de bairrismo, que já seria inadequado nos primórdios de Itaguaí, então habitada e governada por portugueses categorizados como "brasileiros adotivos", direi primeiro que no início da República, na ocasião em que esteve em pauta a extinção do município, coube ao carioca João Curvelo (ou Cruvello) Cavalcanti, ao lado do itaguaiense Antônio de Oliveira Freitas, a luta política contra aquela proposta¹.  Por consideração aos meus leitores e amigos, aos do Jornal Atual, e a todos os moradores de Itaguaí, exibirei também uma defesa contra a eventual versão de que sou um perverso forasteiro que surgiu do nada para saquear o Erário municipal.  A inexigibilidade de licitação, estabelecida no contrato, se baseia em diversos fatos cuja comprovação não demanda muito esforço:

1- Durante meu curso de mestrado, realizado no biênio 2004/2005 na Universidade Federal Fluminense (UFF), estudei com profundidade aspectos da vida política e da economia de Itaguaí no século XIX.  Os interessados têm acesso direto à dissertação que resultou destas pesquisas em:


2- Ampliei vistas, no doutorado, a todo o Sul fluminense.  Porém, Itaguaí, em minha tese, defendida em março deste ano, continuou a merecer partes específicas, localizáveis a partir do Índice do trabalho, acessível no link: http://www.historia.uff.br/stricto/td/1558.pdf.  Posso, portanto, sem qualquer abuso ou distorção de linguagem, me definir como um professor doutor especializado na História da região geográfica que abrange Itaguaí.

3- Fui o redator da maior parte do livro Itaguaí, a cidade do Porto (coletânea de nossas memórias), publicado pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Itaguaí em 2010.

      
       Embora meu nome conste na ficha técnica como pesquisador-colaborador, escrevi a Introdução (páginas 6 e 7), a sequência denominada História Política, Econômica e Demográfica de Itaguaí (páginas 9 a 97) e os textos avulsos Rua Amélia Louzada (página 110) e Cruvello Cavalcanti (página 111).  Qualquer dúvida a este respeito será eliminada pela comparação com os trabalhos acadêmicos citados acima, mas acrescento ainda que guardo no meu exemplar da obra um testemunho da ex-secretária de Cultura, além de ter autografado os que foram distribuídos na tarde do lançamento do livro, na Casa de Cultura (fotos abaixo). 




4- Fui palestrante e participei da organização dos diversos Encontros de Memória que ocorreram no Teatro Municipal no final da década passada.  Além de disponibilizar ao público os trabalhos que apresentei (devidamente arquivados na Biblioteca da Casa de Cultura), convidei para aqueles eventos especialistas de alto gabarito, mestres e doutores, que não somente expuseram seus saberes para a plateia como também proporcionaram a Itaguaí uma visibilidade positiva.     







5- Apresentei, em congressos regionais de História, comunicações de pesquisa relacionadas a Itaguaí.




       Apesar da rapidez com que dados ingressam e desaparecem da Internet, é fácil encontrar online alguns textos de minha autoria que dizem respeito, total ou parcialmente, a Itaguaí. 






         O jornal O Extra, em edição especial de 2 de julho de 2011, me conferiu destaque em matéria sobre a  História de Itaguaí. 




            
        Os processos que levam à formação de opinião são complexos e cheios de subjetividade, e não me espantarei se Jupy Junior, mesmo depois desta exposição, prosseguir me apontando como alienígena, paraquedista ou algo do gênero.  Mas seria melhor, na minha opinião, que se dedicasse mais a mostrar o que sabe fazer, excluindo panfletos mal fundamentados.                  

Nota:

1- Honório Lima.  Notícia histórica e geográfica de Angra dos Reis.  Angra dos Reis: Prefeitura Municipal, 1972, p. 252.