quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A imprensa burguesa, seu namoro com o fascismo, seu racismo: o caso do Correio de São Paulo

                  

              O jornal Correio de São Paulo, dirigido por Rubens do Amaral, surgiu em meados de 1932 como órgão de apoio aos participantes do movimento constitucionalista que desafiava pelas armas o governo de Getúlio Vargas.  Num momento em que o rádio emergia como importante meio de comunicação de massa, as crônicas de Amaral iam ao ar na voz do locutor César Ladeira¹.  
           O periódico, que circulou até 1937, possuía uma linha editorial simpática ao liberalismo, expressa em frequentes críticas aos regimes ditatoriais. Isto não impediu, entretanto, que ao longo da crise que resultou na invasão da Etiópia pela Itália (1935), o Correio, então sob a direção de Pedro Ferraz do Amaral, assumisse, cada vez mais decididamente, uma postura favorável ao imperialismo italiano e às razões e interesses dos fascistas.  Das numerosas matérias publicadas sobre o conflito também emerge, de forma grosseira, o racismo evidente e sempre cinicamente negado da burguesia brasileira.
              A edição de 14 de fevereiro de 1935 traz a transcrição de um pronunciamento fascistófilo emitido pela Rádio Difusora de São Paulo.  O texto, além de naturalizar os processos de expansão colonial, dá respaldo em particular as ambições territoriais do governo italiano na África.   



      Em 10 de agosto de 1935, foi publicado um pequeno editorial cujo autor se intitulou "tenor decadente".  Contra toda lógica, as manifestações de independência do imperador etíope e as advertências da Inglaterra no sentido de desencorajar a invasão do país africano são apresentadas como humilhações impostas ao "nobre povo peninsular".   



       Quatro dias mais tarde, o Correio deu destaque a uma matéria claramente promocional sobre a colonização italiana na Somália.  A população somali era exibida como alvo de curiosidade antropológica, enquanto se exaltava a presença europeia como modernizante e civilizadora.


      Uma matéria de primeira página de 30 de agosto parece condenar a Sociedade das Nações por ameaçar a paz na Europa (!) ao pressionar Mussolini no sentido de manter suas tropas fora da Etiópia.  Fica bastante óbvio um motivo que, para a direção do jornal, justificaria a aventura imperialista: a suposta missão dos fascistas de CALÇAR E EDUCAR OS PRETINHOS.


     O mesmo tom debochado (e pré- Lei Afonso Arinos) pode ser notado em uma manchete de 23 de setembro:

   

       Por outro lado, o Correio de 3 de outubro prestaria inteira solidariedade, a sério e com tintas de moralismo, à representação italiana provavelmente atacada por militantes antifascistas que lhe quebraram as vidraças:


         A 4 de outubro, o jornal fez eco a uma patriotada mussoliniana que poderia dar a impressão a um leitor estrangeiro de que a Itália fascista era a segunda pátria dos paulistas.


       Ainda mais ridícula seria a publicação, em 7 de outubro, de uma "oração", na qual os fascistas residentes em São Paulo invocavam poderes celestes para que a Itália do Duce se transformasse no Império Romano renovado.  


       O articulista Jayme Santos, em 9 de outubro, conclamou abertamente os brasileiros a tomarem o partido da Itália contra o que seriam sanções arbitrárias por parte de uma Liga das Nações manipulada pela Inglaterra.


        Finalmente, neste texto de 17 de outubro sem autoria declarada, o Correio expôs de forma inequívoca sua posição sobre a guerra já em curso. Sob o tosco argumento da união entre os povos latinos, o periódico reforçava a ideia de que os brasileiros deveriam ficar ao lado do fascismo emergente, então empenhado na submissão de um império de "pobres pretos" incapazes de defender sua autonomia.  


                         
                      Vejamos o que outras investigações nos revelam...  


Nota:
 
1-Ver Nelson Werneck Sodré.  História da Imprensa no Brasil, 4a edição.  Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. 378.

 
  

7 comentários:

  1. Caro Gustavo, essa frase do "tenor" é bem explicativa do espirito da burguesia da época

    "(...) em pucos annos, Mogadscio rivalize com Capetown"

    Pra bom entendedor, basta

    ResponderExcluir
  2. Ah, sim, eu nem tinha atentado para o modelo!

    ResponderExcluir
  3. Agradeço pelas visitas, nos últimos dias, dos leitores do Brasil, Estados Unidos, Israel, Alemanha, Portugal, Espanha, Itália, França, Venezuela e Reino Unido.

    ResponderExcluir
  4. Cheguei por acaso ao seu blog, mas gostaria de elogiar a qualidade do material que tem postado. Informações históricas muito valiosas e importantes.

    ResponderExcluir
  5. Amigo, e saber que este jornal era anti-nazismo, já em 1932, antes de Hitler subir ao poder... A mídia é interessantíssima! O Correio de SP é o alvo de meus estudos na minha pesquisa cientifica, e agradeço você por esta matéria que me ajudou mais ainda em encontrar fontes para que ela seja realizada...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Disponha, amigo, e nos avise quando defender o trabalho!

      Excluir
    2. Hehe, aviso sim Gustavo! Se quiser conversar mais sobre o Correio, pode entrar em contato comigo por e-mail... estou terminando de escrever meu projeto de iniciação científica sobre a visão anti-totalitária do jornal já em 1932 e sua aversão a Hitler antes do mesmo ter poder na Alemanha!

      Excluir