quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Sobre direitistas assumidos e enrustidos



      Encontramos com frequência, tanto nos sites e blogs conservadores quanto nas páginas impressas e virtuais dos profetas do deus Mercado, a lamentação, até certo ponto justificada, de que não há no Brasil um partido ideológico de direita.  Nesta perspectiva, as duas agremiações que poderiam assumir tal papel, com base em suas conexões históricas com a última ditadura, estão irremediavelmente contaminadas: o DEM pelo notório fisiologismo e o PP pela aliança com o governo federal sob direção petista.  O PSDB, que sem dúvida vem recebendo  os votos da direita na maioria das eleições para cargos do Executivo, em todos os níveis, é desqualificado por conservadores que se reportam à antiga retórica socialista de alguns de seus membros e por liberais insatisfeitos com a relutância dos tucanos em aceitar por inteiro o projeto do Estado-mínimo. 
      Voltando os olhos para um passado mais ou menos recente, podemos nos recordar do deputado fluminense Amaral Netto (1921-1995) em suas enfáticas defesas da pena de morte e do regime implantado em 1964; do paulista Antônio Henrique Cunha Bueno sonhando com uma Restauração de Bragança à brasileira; de Enéas Carneiro (1938-2007) clamando por uma ordem nacionalista dentro do capitalismo; de um Roberto Jefferson pretendendo representar a "direita com coração" ao reconhecer os direitos civis dos homossexuais.  Na atualidade, o capitão Jair Bolsonaro, deputado pepista, tem assumido o combate frontal a todas as iniciativas progressistas no Congresso, mantendo em regra votação elevada no estado do Rio de Janeiro.  Porém, é certo que no Brasil jamais se formaram coalizões como as que se verificam no parlamentarismo europeu, em que partidos liberais, confessionais, e eventualmente neofascistas e monarquistas se agrupam por afinidade doutrinária contra as forças de centro-esquerda, por vezes fracionando o eleitorado em duas parcelas de porte assemelhado.  
     Estou longe de negar o pragmatismo, não raro excessivo, do político médio brasileiro.  Seria ingenuidade supor que a relativa invisibilidade da direita se deve à falta de articulação ideológica entre os deputados, senadores e governadores eleitos sob o patrocínio do empresariado ou ao desconhecimento do fato de que milhões de jovens e velhos reacionários se sentem órfãos de uma plena representação.  Tomo a liberdade, então, de especular a respeito do que seria o partido direitista "autêntico", recorrendo ao discurso de quatro formadores de opinião que se inserem neste campo.   
      O raivoso Diogo Mainardi, em artigo datado de 13 de novembro de 2010, deixa claro que ainda crê em certas premissas que se vinculam ao racismo científico do final do século XIX.  Julgo que nem Bolsonaro se expressaria de maneira tão brutal:




        Ele também deplora a suposta incapacidade dos brasileiros ricos de se comportarem como verdadeiros aristocratas.  Duvido que o escrachado Sarkozy ou o pornográfico Berlusconi se atrevessem, como Mainardi, a proclamar a missão civilizatória das elites tradicionais.  Seja por cálculo eleitoral, seja por simples falta de convicção.     







       Já Aristóteles Drummond celebra sem meias palavras a política de remoção forçada de favelas aplicada pelo governador Carlos Lacerda nos anos 60, que baniu milhares de cariocas para áreas do município situadas a dezenas de quilômetros de seus meios de subsistência. Aponta a presença de pobres na Zona Sul do Rio como uma desgraça, praticamente uma sentença de morte para a cidade: 






       Como se não bastasse, enfatiza que favelados devem de fato ser levados para longe dos ricos, de forma a não incomodá-los:



http://www.imil.org.br/artigos/valores-invertidos/

         Segundo Nivaldo Cordeiro, aposentados, bolsistas e "beneficiários" de seguro desemprego são "viciados em não trabalhar".   Não preciso me estender sobre a repercussão que o seguinte trecho teria na opinião pública fora de reduzidos círculos de seguidores de Ludwig von Mises:


      Reinaldo Azevedo mistura moralismo rasteiro (falar em "Antropologia da Maldade" é agredir a inteligência de qualquer ser pensante) e elitismo em último grau ao denunciar as manifestações culturais dos subúrbios e favelas como indícios de selvageria.  Seus fãs são alertados sobre o imenso potencial subversivo de ... Regina Casé!!!

http://veja.abril.com.br/051207/p_116.shtml






         Sou contrário à hipocrisia.  Acho, tanto quanto eles mesmos, que os direitistas precisam ter seu Partido Republicano, Federalista, Conservador ou Monarquista.  Que registrem todos esses, isoladamente ou em coalizão.  Mas sobretudo que se expressem nos palanques como os homens que fazem as suas cabeças e recebam do eleitorado brasileiro a resposta mais espontânea possível.    

5 comentários:

  1. Ótimo artigo, Prof.Gustavo, vc elucidou com muita precisão os sacripantas da direita brasileira. Os reacinhas que dizem que não tem direita no Brasil, no mínimo estão cegos, há uma direita sim, estão no PFL/DEM e no PP como vc mencionou, e tb enrustidos no PPS,PSDB,PMDB,PSC, PRB(bancada evanjegue),PR e em outros partidos. A questão de sigla, altamente reclamada por essa direita tacanha e individualista, é pura demagogia! E os colunistas direitistas da pior estirpe, Diogo Maimerda e Reinaldo Bosteredo, baluartes do elitismo e preconceito de classes, aclamados por essa turba de lunáticos reaças!

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  2. Existe e não existe direita no Brasil. Não existe uma direita militante, organizada, um partido assumidamente de direita; até o PFL tratou de eliminar a palavrinha aziaga "liberal" de sua sigla e tornou-se um anódino "democratas", nem percebendo que a sigla DEM é facilmente parodiável para DEMoníacos... Não existe direita assumida no Brasil porque o senso comum sedimentou a idéia de que direita é ideologia de ricos, e portanto, seria um atentado ao bom senso, e até imoral, ser direitista em um país onde a maioria da população é pobre. Ninguém se lembra de que, no alvorecer da direita no Brasil, lá pelos anos 30, a Ação Integralista Brasileira fosse uma organização de massas que disputava com a Aliança Libertadora Nacional o mesmo público de operários e descontentes...

    Mas direitistas existem no Brasil, sim, e não são poucos, o que mostra que a mentalidade da maioria do povo é conservadora. O contraste entre a hegemonia esquerdista nos discursos e a predominância direitista nas mentalidades produziu esse quadro meio esquizofrênico com que temos convivido há no mínimo 20 anos, com partidos nominalmente de esquerda no poder, mas pouco ou quase nada dos antigos projetos da esquerda sendo realizados na prática; quase que só a válvula de escape do "marxismo cultural" com suas cotas para negros e índios, passeatas gay e pantomimas variadas. Sem um partido que os represente, os eleitores de direita vão selecionando o que há de menos esquerdista dos partidos existentes; até mesmo o PSDB, que originalmente era de esquerda, agora é considerado um partido de direita por aglutinar os eleitores anti-PT. Mas de modo geral, o que há são políticos profissionais sem qualquer ideologia reconhecível, que procuram mimetizar o discurso-padrão de enaltecimento dos pobres.

    No Brasil, até os trabalhadores são direitistas, haja visto que os intelectuais e produtores culturais esquerdistas têm procurado angariar seu novo público entre os marginais, aqueles a quem Marx denominava os lumpens e desprezava por considerá-los incapazes de formar uma classe revolucionária. Sobrou até para os infelizes drogados das cracolândias, que os militantes querem ver nas ruas, e não internados. Nesse post você não chegou a tanto, mas defendeu que os favelados preservassem suas habitações irregulares, destruindo as matas das encostas e desorganizando as cidades. Você já parou para pensar como seria hoje o Rio de Janeiro sem as obras de Pereira Passos no início do século 20, e sem a remoção das favelas do entorno da lagoa nos anos 60?

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    1. "Sem um partido que os represente, os eleitores de direita vão selecionando o que há de menos esquerdista dos partidos existentes; até mesmo o PSDB, que originalmente era de esquerda, agora é considerado um partido de direita por aglutinar os eleitores anti-PT."

      Eita pérola maravilhosa essa, os direitistas de todo o mundo são os grandes comediantes desse mundo, o PSDB algum dia já defendeu a ditadura do proletariado, em seus programas de partido há alguma menção a luta de classes? Então realmente assim sua veia cômica está cada vez mais afiada.

      Agora o que é "marxismo cultural", não é algo paradoxal falar em "marxismo cultural" sendo que Marx foi um Materialista?

      Relembrando Mészáros a tática dos direitista é sempre a mesma
      eles controem um espantalho batem nesse espantalho, batem muito, e depois dessa surra eles afirmam para todos que saibam ler que derrotaram definitivamente o marxismo, que pena que sempre o marxismo ressuscita para a desgraça desses im...

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    2. Ser de esquerda não significa defender a ditadura do proletariado. Ser de esquerda significa, ao encarar o "tradeoff" econômico igualdade x eficiência, optar pela igualdade, em maior ou menor grau. Com relação ao PSDB, vamos com calma. Pra tirar a dúvida quanto à orientação original do PSDB, vale a pena lembrar um trecho do Programa de 1988 do partido (disponível no site oficial do mesmo).
      "Amplo bastante para possibilitar a confluência de diferentes vertentes do pensamento político contemporâneo - por exemplo, liberais progressistas, democratas cristãos, socialdemocratas, socialistas democráticos -, o PSDB nasce coeso em torno da democracia enquanto valor fundamental e leito das mudanças reclamadas pelo povo brasileiro."
      Mais à frente:
      "Recolhendo a herança democrática do liberalismo, não partilhamos com os liberais conservadores a crença cega no automatismo das forças de mercado. Nem pretendemos, como eles, tolher a ação reguladora do Estado onde ela for necessária para estimular a produção e contribuir para o bem-estar, e desde que a ação estatal seja controlada pela sociedade e não guiada pelo interesse corporativo da burocracia ou pela vocação cartorial de grupos privados."
      Como se pode perceber, o PSDB surgiu como um típico partido de centro (também conhecido como balaio de gato), pendendo levemente para a esquerda, defendendo, inclusive, uma reforma agrária (sem especificar o modelo exato).
      Boa noite.

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    3. Concordo com a sua tese de que o PSDB partiu da centro-esquerda. Porém, depois da Constituinte se deslocou progressivamente para a direita. Muitos tucanos, já no final de 1989, apoiaram Collor.

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