quarta-feira, 10 de abril de 2013

Eu quero


       

       Fluminense do município de Campos, Dermeval Miranda Maciel (1940-1996), mais conhecido pelo nome artístico de Roberto Ribeiro, foi um versátil cantor e compositor que, tendo despontado como puxador de samba da escola carioca Império Serrano, gravou vários discos nas décadas de 1970 e 1980. Após enfrentar diversos problemas de saúde que comprometeram gravemente sua visão, faleceu prematuramente no Rio de Janeiro, vítima de atropelamento. 


 

      Uma de suas melhores interpretações, inesquecível para quem viveu os últimos anos da ditadura civil-militar e o início do processo de redemocratização no Rio de Janeiro, foi a do samba-enredo Eu quero, composto por Aluísio Machado, Luiz Carlos do Cavaco e Jorge Nóbrega.  A música empolgou os espectadores do Carnaval carioca de 1986, fato que não bastou para levar o Império Serrano ao título.  A escola ficou em terceiro lugar, resultado tido por muitos como injusto. 
        Eu quero, além de levantar o público, permaneceu na memória da cidade como uma das mais lúcidas letras de protesto contra o legado do regime autoritário.  Desmentindo o lugar-comum liberal conservador da multidão-criança  incapaz de identificar seus próprios interesses e eternamente necessitada da liderança de elites "esclarecidas", os poetas populares demonstram saber o que querem com muita nitidez.  Emerge dos versos bem articulados,  mais do que a denúncia das injustiças cometidas ao longo das gestões ditatoriais, o embrião de um programa político igualitário.
         São postos na salgada conta dos generais-presidentes e de seus colaboradores e aliados o descaso com o meio ambiente, a persistência da fome, a falta de segurança e de uma política habitacional decente, as desigualdades de tratamento facilmente verificadas no cotidiano, o arrocho salarial quase contínuo, as barreiras invisíveis impostas à difusão do saber acadêmico e às oportunidades de trabalho.  Eu quero é o grito de uma parcela dos setores historicamente marginalizados da sociedade brasileira que não aceita a subalternidade como um dado natural.  É uma proposta no sentido de uma verdadeira meritocracia, oposta ao discurso hipócrita da "livre competição" liberal em que alguns já iniciam a corrida a poucos metros da linha de chegada.  Daí a sua extraordinária atualidade.
                  

http://www.youtube.com/watch?v=E0b304kkmrQ

Eu quero
Eu quero, a bem da verdade
A felicidade em sua extensão
Encontrar o gênio em sua fonte
E atravessar a ponte
Dessa doce ilusão

Quero, quero, quero sim

Quero que o meu amanhã, meu amanhã
Seja um hoje bem melhor
Uma juventude sã
Com ar puro ao redor

Quero nosso povo bem nutrido
O país desenvolvido
Quero paz na moradia
Chega de ganhar tão pouco
Chega de sufoco e de covardia

Me dá, me dá
Me dá o que é meu
Foram vinte anos que alguém comeu


Quero me formar bem informado
e meu filho bem letrado
Ser um grande bacharel
se por acaso alguma dor
Que o doutor seja doutor
E não passe de bedel

Cessou a tempestade, é tempo de bonança
Dona Liberdade chegou junto com a Esperança

Vem meu bem, vem meu bem
Sentir o meu astral
Hoje estou cheio de desejo
Quero lhe cobrir de beijos etecetera e tal


Um comentário:

  1. Esse senhor foi um verdadeiro poeta, eu não conhecia esse sambista. Obrigado por me apresenta-lo, Prof.Gustavo. E parabéns pelo seu blog, vc desmascara essa direita nefasta e elucida muita gente!

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