quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Parem o moinho, prendam os moleiros

          
          Darcy Ribeiro (1922-1997), no livro O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil (São Paulo: Companhia das Letras, 1995), incluiu um capítulo denominado Moinhos de gastar gente.  Nele, o antropólogo e político mineiro  pôs em destaque o elevado custo humano da colonização do país, marcada inicialmente pelo apresamento e escravização dos índios e logo em seguida pelo cativeiro dos africanos e de seus descendentes. Darcy descreveu em dezenas de páginas não apenas a brutalidade do enquadramento de milhares de pessoas em sistemas de trabalhos forçados, como também a destruição de seus corpos, submetidos às jornadas exaustivas, aos castigos físicos, à falta de alimentação adequada, ao confinamento em ambientes imundos.             
           Há poucos dias, enquanto percorria o site oficial do Ministério do Trabalho e Emprego, me deparei com informações que produziram uma imediata recordação daquela obra clássica.  Entre os links publicados de fevereiro a agosto de 2013 encontrei dez notícias sobre providências tomadas pelos funcionários do ministério, ou autoridades estaduais, contra empresas flagradas na prática do "regime de trabalho análogo à escravidão".  Apresento abaixo os respectivos print-screens:    












         O inventário destas aberrações resulta na descoberta de 214 pessoas diretamente resgatadas do cativeiro em escassos seis meses.  Conhecendo a deficiência de meios e de pessoal que caracteriza todos os esquemas de fiscalização do Brasil, não é difícil supor que este número representa uma minúscula ponta de iceberg.  Teremos, sem dúvida, um contingente nada desprezível de homens e mulheres escravizados em pleno ano de 2013.  A imagem estereotipada do grileiro semianalfabeto, antigo jagunço, mantendo trabalhadores presos em terras amazônicas cercadas à bala com a conivência do prefeito sócio e em alguns casos primo provavelmente é real, mas notemos que é apenas uma entre múltiplas possibilidades.  Existe escravidão nas proximidades das metrópoles regionais e nacionais, inclusive em firmas de grande porte cuja produção se destina ao mercado externo. 
          Agregando a este universo as milhares de empresas que, sem incorrer em ousadias escravocratas tão escandalosas quanto a falta de bebedouros e privadas em suas dependências, deixam de cumprir itens elementares da legislação trabalhista e fiscal, visualizamos de maneira nítida o tenebroso quadro das relações de trabalho no país.  Relações que se tornam ainda mais inaceitáveis caso se leve em consideração o grau de industrialização e de desenvolvimento da comunicação de massa com o qual paradoxalmente convivemos.   Permanece, no longo prazo, uma mentalidade segundo a qual a força de trabalho é composta por peças descartáveis conforme as conveniências imediatas dos empregadores. 
          Somente isto já seria suficiente para justificar, entre nós, a necessidade de uma esquerda combativa e incansável, bem como para despertar repulsa contra todo e qualquer conservadorismo político.  Paremos, com nossos votos, com nossos protestos, com nossas denúncias, com nossos atos diários de resistência contra os variados tipos de abuso de autoridade, os moinhos de gastar gente.  Prendamos, sem complacência, todos os moleiros que insistem em manter presente o século XVI.           
              
                  

3 comentários:

  1. Como sempre, convergimos em opiniões. Ótimo texto! Posso linká-lo na postagem que fiz no meu blog sobre o mesmo problema?

    Abrs

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