sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Outros cinco mitos sobre a História da África

Troca de presentes entre o presidente francês Valery Giscard D'Estaing, definido como de "centro-direita", e o ditador Jean-Bédel Bokassa, presidente da República Centro-Africana que se proclamou imperador em 1976. 

 

             Retomo a argumentação apresentada inicialmente na matéria http://gustavoacmoreira.blogspot.com.br/2013/10/cinco-mitos-sobre-historia-da-africa.html, por considerar que a desmistificação da robusta mitologia depreciativa elaborada a respeito das populações africanas mereceria ao menos mais uma série.  Vou de maneira mais direta, então,  a outros lugares comuns localizados com frequência no mundo virtual e em conversas triviais. 
  
1-Os africanos, abandonados a si mesmos, tendem a perpetuar no poder tiranos corruptos como Mobutu, Idi Amin e Bokassa, e precisam da tutela ocidental para avançar rumo à democracia.

          Sem minimizar a importância dos fatores locais na formação e na continuidade das muitas ditaduras ainda existentes na África, percebe-se facilmente que as repetidas intervenções ocidentais se destinam muito mais à preservação de interesses econômicos e de posições de força no terreno militar do que a qualquer tipo de humanitarismo.  A sistemática violação do direito à autodeterminação política dos povos africanos ocorre no sentido de uma "estabilidade" que não exclui o apoio explícito a ditadores dos mais truculentos, desde que se disponham a combater facções e partidos nacionalistas, socialistas ou islâmicos.  O francês Raphaël Granvaud expõe de forma sucinta e eficiente múltiplos desastres provocados ou favorecidos pela atuação das tropas de seu país no continente africano em passado recente:           

"Ainsi dans les années 1990, les militaires français ont fermé les yeux sur la "sale guerre" menée par l'armée sénégalaise en Casamance ou ont soutenu à plusieurs reprises la politique de répression et de massacre systématique des Afar à Djibouti.  À la même époque, les militaires français ont également assuré la formation de l'armée rwandaise, de la garde présidentielle et même de milices; tout comme ils avaient pris en charge la division spéciale présidentielle du dictateur Mobutu au Zaïre, la garde présidentielle du dictateur Ratsiraka à Madagascar, les miliciens du dictateur Niño Vieira en Guinée-Bissau, les "Ninjas" du dictateur Obiang em Guinée-Équatoriale, les milices du criminel contre l'´humanité Sassou-Nguesso en 1998 après son retour au pouvoir, et ils continuent d'apporter "un soutien aux Forces armées congolaises, tant dans le domaine de la formation que de la dotation".  Après le coup d'État de 1992, des conselleirs militaires français sont restés présents à différents niveaux de la hierárchie militaire algérienne pour l'aider à mettre en oeuvre les méthodes de guerre antisubversive contre sa population".  

Tradução livre:

Durante os anos 1990, os militares franceses fecharam os olhos para a "guerra suja" levada pelo exército senegalês em Casamance, e apoiaram em várias ocasiões a política de repressão e de massacre sistemático dos Afar em Djibuti.  Na mesma época, os militares franceses garantiram igualmente a formação do exército ruandense, da guarda presidencial e mesmo de milícias; tanto quanto tomavam como incumbência a [estruturação da] divisão especial presidencial do ditador Mobutu no Zaire, a guarda presidencial do ditador Ratsiraka em Madagascar, os milicianos do ditador Nino Vieira na Guiné Bissau, os "ninjas" do ditador Obiang na Guiné Equatorial, as milícias do criminoso contra a humanidade Sassou-Nguesso em 1998, após sua volta ao poder, e eles continuam a dar sustentação às forças armadas congolesas tanto no campo da formação quanto da dotação.  Após o golpe de Estado de 1992, conselheiros militares franceses estiveram presentes em diferentes níveis da hierarquia militar argelina para ajudar a colocar em prática os métodos de guerra antissubversiva contra sua população¹.      
     
2-Apesar das atrocidades do colonialismo, os africanos estariam relegados a um padrão tecnológico muito baixo se não tivessem passado pela dominação direta das potências europeias.


Menelik II

           O exemplo do Japão na segunda metade do século XIX deveria bastar para o entendimento de que é possível para um país materialmente "atrasado" ampliar o desenvolvimento de suas forças econômicas sem alienar a soberania.  Voltando o olhar para a própria África, vemos que no Estado que preservou durante mais tempo sua independência política, a Etiópia, também foram postas em prática tentativas de modernização. Durante o reinado de Menelik II, que se estendeu até 1908, surgiram um serviço postal, uma moeda nacional e a imprensa escrita.  Houve igualmente a construção de uma ferrovia.  Quando certo europeu mostrou ao imperador um rifle, explicando que fazia "bum-bum", Menelik II apresentou-lhe seu arsenal, onde estavam guardados mais de cem mil rifles².
   

3-O confisco de terras pertencentes aos descendentes de britânicos no Zimbabwe foi uma expropriação arbitrária de caráter racista contra propriedades legalmente constituídas.




        A extensão do domínio britânico à área entre os rios Limpopo e Zambeze, onde se constituiu a colônia da Rodésia, foi um processo extremamente violento, com prejuízo quase exclusivo para as populações nativas.  O agente imperialista Cecil Rhodes, ajudado pelo governador do Cabo, Hercoles Robinson, e por Sydney Shippard, comissário na Bechuanalândia (hoje Botswana), arrancou do rei Lobenguela, em 1888, um monopólio da exploração dos recursos minerais naquele território.  Com a vinda de estrangeiros para a região, aconteceram divergências entre os recém-chegados e os próprios homens de Rhodes, que já se julgavam donos das terras.  Quando Lobenguela tentou protestar junto à rainha Vitória, seus emissários acabaram assassinados, e novos incidentes resultaram em guerra.  O britânico Jameson, presidente da British South Africa Company, apelidada de Chartered Gang em consequência de seus métodos, valeu-se da superioridade tecnológica para incendiar a aldeia móvel de Lobenguela.  Em 1894, Lord Roseberry, primeiro-ministro do Reino Unido, determinou que todos os antigos domínios do rei africano pertenceriam à companhia³.  
        Algum leitor poderia alegar que, apesar da selvageria dos "pioneiros" de Rhodes e da Chartered Gang, pessoas com três ou quatro gerações de antepassados vivendo em determinado país não devem ser tratadas como invasoras.  Aceito o argumento como princípio genérico, mas não quando se constata que os mencionados colonos, em regra, atuaram durante quase um século como verdadeiros colonizadores, vinculados aos interesses e à ideologia imperialista da metrópole, com fraca ou nenhuma integração com os demais segmentos da população local.  Aliás, entraram em choque com a Inglaterra apenas ao se verem frustrados no intuito de obter apoio para a sobrevivência do apartheid. Neste caso, estamos diante, no que se refere à reforma agrária feita após a independência, da revogação de uma verdadeira apropriação indébita.  Destaco ainda a fatal contradição dos direitistas que, por mera hostilidade ideológica, clamam pela saída dos chineses do Tibete, enquanto gostariam de ver restauradas na África relações criadas pelo imperialismo e fortalecidas pelo apartheid.      

4-Os europeus e americanos, ao comprar escravos na África, apenas faziam uso das reservas de uma "mercadoria" já disponível.

         Diversos episódios comprovam que a presença ocidental na África, a partir da Idade Moderna, não somente incrementou o tráfico como serviu, em algumas situações, para introduzir a escravidão onde ela não existia.  Charles Boxer aponta que a penetração portuguesa no Congo, durante o século XVI, produziu uma dinamização do comércio de escravos que sobressaltou os reis congoleses.  Embora os dois Estados fossem formalmente aliados, traficantes portugueses escravizavam súditos do Congo, e as autoridades de Portugal eram incapazes de controlar sua atividade.  Enquanto a Coroa determinava que os escravos só podiam ser embarcados no porto congolês de Mpinda, os traficantes atuavam na foz do rio Cuanza, em Angola, de onde extraíam a mercadoria humana sem pagar impostos, levando-a para a ilha de São Tomé.  Estendida a influência lusa na zona angolana, cobrava-se dos sobas locais que se submetiam tributo sob a forma de escravos.  Em algumas ocasiões os portugueses também aliciavam jagas (grupos canibais originários da África Central) para fazer a "guerra preta", que resultava em capturas diretas4.        
       Os holandeses que ocupavam o Cabo da Boa Esperança na década de 1650, impedidos pela Companhia das Índias Orientais de escravizar os cóis (hotentotes) que viviam nas proximidades, passaram a importar cativos da África Ocidental, Angola, Índia e Indonésia.  Quando estes últimos escapavam, os holandeses entravam em conflito com os hotentotes, aos quais acusavam de abrigar os fugitivos5.
        As tabelas exibidas por Paul Lovejoy no livro A escravidão na África: uma história de suas transformações (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 51) demonstram que o tráfico atlântico, após subtrair aproximadamente 409.000 pessoas do continente africano entre 1450 e 1600, atingiu as cifras de 1.348.000 no período 1601-1700 e 6.090.000 de 1701 a 1800, somente declinando no século XIX, quando apesar das seguidas medidas abolicionistas em vários países ainda produziu 3.466.000 vítimas.  O autor, que crê numa "relação causal" entre o tráfico atlântico e o subdesenvolvimento africano (p. 20), declara também que a expansão do comércio de escravos em fases sucessivas tornou o escravismo "fundamental para a economia política africana" (p. 29).       

5-O brilho da civilização egípcia resultou exclusivamente da atuação do homem branco. 


Representação do faraó Ramsés III

        Encontramos esta afirmação, com algumas variantes, em vários sites de supremacistas brancos, que chegam a afirmar que na época dos faraós os negros viviam em sua totalidade abaixo do deserto do Saara.  Embora se trate de um embuste grotesco para qualquer estudioso do tema, vale a pena desmistificá-lo.  Alberto da Costa e Silva aponta que em torno de 6.000 a. C. populações negras já estavam instaladas na região da atual Cartum (capital do Sudão).  Parte destes grupos continuou descendo o Nilo até o Alto Egito, miscigenando-se com elementos caucasoides.  Segundo o autor, os "mestiços" foram predominantes na cultura pré-dinástica de Badari, que se desenvolveu na região por volta de 4.000 a. C.6. 
          Vale para a minha geração recordar, neste ponto, os velhos manuais de Primeiro Grau que explicavam que a unificação do Egito se deu a partir da conquista militar do sul, o Alto Egito [onde a "presença negra" certamente estaria mais concentrada], sobre o Baixo Egito, vizinho ao Mediterrâneo.  Não endossarei, é claro, a manipulação ideológica de sinal contrário que se desdobra no esquema "Os negros construíram o Egito- O Egito influenciou Creta- Os cretenses influenciaram a Grécia Clássica- Os negros são os fundadores da civilização ocidental".
          Outros supremacistas, menos primários, investem na versão de que a influência negra no Egito foi expressiva apenas durante a 25a dinastia, nos séculos VIII e VII a. C., quando governaram os faraós núbios ou kushitas Kashta, Piankhy, Shabaka e Taharqa.  Entretanto, são flagrantemente contrariados por numerosas evidências factuais, quando lançamos na busca de imagens do Google os nomes de reis como Khafra (Quéfren), Senusret I e Ramsés III, entre outros.

Representação de Amenemhat III
        


Referências:
1-Raphaël Granvaud.  Que fait l'armée française en Afrique? (Que faz o exército francês na África?)  Marseille: Agone, 2009, p. 91.
2-H. L. Wesseling.  Dividir para dominar: a partilha da África, 1880-1914.  Rio de Janeiro: UFRJ; Revan, 2008, p. 267-268.
3-Marc Ferro. História das colonizações: das conquistas às independências (séculos XIII a XX). São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 108.
4-Charles Boxer.  O império marítimo português, 1415-1825.  Lisboa: Edições 70, 2001, p. 108 a 110.
5-Alberto da Costa e Silva.  A manilha e o libambo: a África e a escravidão, de 1500 a 1700.  Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 766-767.
6-Alberto da Costa e Silva.  A enxada e a lança: a África antes dos portugueses.  Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: EDUSP, 1992, p. 59

8 comentários:

  1. Este assunto deveria ser discutido sem hipocrisias. É claro que, ao dar apoio a determinados líderes africanos, os europeus sempre tiveram em mente apenas seus interesses políticos, do mesmo modo que, ao fazer empreendimentos no continente, tal como minas e linhas férreas, sempre tiveram em mente apenas seus interesses econômicos. A idéia de que lhes cabia a missão de civilizar ou democratizar os povos africanos é apenas retórica. Mas também é um absurdo dizer que os africanos não se beneficiaram em nada das infra-estruturas deixadas pelos colonizadores no continente, bem como afirmar que o caráter totalitário dos governantes africanos seria uma consequência da dominação colonial - mais de meio século após a saída desses dominadores, os governantes africanos continuam autoritários e violentos, e o desenvolvimento econômico dos novos países independentes continua dependente de investimentos feitos pelos antigos colonizadores. A conclusão a que eu chego é que a história africana tem uma dinâmica própria, que não está relacionada ao passado de dominação colonial, e se tal dominação nunca houvesse acontecido, a África hoje não seria muito diferente do que é, em termos de regime político e grau de desenvolvimento econômico. Teria apenas um traçado de fronteiras diferente. Isso vai de encontro ao que eu afirmei em outro post: tendo uma dinâmica própria, não há grande correlação entre a história da África e a história do Brasil. Vou retomar esse tema mais adiante.

    Sobre o confisco das terras dos colonos brancos do Zimbabwe justificar-se sob o argumento de que eles eram vinculados aos interesses e à ideologia imperialista da metrópole, com fraca ou nenhuma integração com os demais segmentos da população local, então penso que aqui no Brasil deveríamos confiscar as terras dos colonos alemães do sul, que também tinham fraca ou nenhuma integração com os demais segmentos da população local. A meu ver, integrar-se à população majoritária local é uma escolha pessoal das comunidades, e impor isso à força é uma violência que nunca deveria ser admitida.

    Mas mesmo que você considere os colonos brancos herdeiros das culpas de seus ancestrais, e a expropriação de suas terras um justo castigo, é preciso lembrar que o episódio em questão não foi um caso excepcional na história africana, justificado como autodefesa contra a dominação estrangeira: não longe dali, na Uganda de Idi Amin Dada, ocorreu coisa semelhante nos anos setenta. Só que os colonos expulsos não eram descendentes de europeus opressores - eram descendentes de inofensivos trabalhadores indianos trazidos pelos ingleses para a construção de linhas férreas, e que desde então encontravam-se estabelecidos na região como pequenos comerciantes. Eles foram sumariamente expulsos e tiveram suas lojas confiscadas e "restituídas aos negros", isto é, aos apaniguados do ditador, que logo as arruinaram, tal como foram arruinadas as propriedades dos brancos no Zimbabwe, entregues que foram a indivíduos que nada entendiam de produção rural. Baseado nesse e em outros casos, eu penso que a expropriação e a expulsão de comunidades étnicas inteiras não é uma consequência da dominação europeia, mas uma prática recorrente na África, produto de consciências étnicas rígidas e mutuamente hostis.

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  2. Sobre a escravidão, deve ser lembrado que bem antes da descoberta da América, o elemento servil já tinha, na África, o papel de bem de raiz, papel que, na Europa de então, cabia à terra. Mas como na África as terras valiam bem menos, o bem de raiz era o escravo, e portanto, havia um grande estoque de reserva, tal como em outras partes do mundo o capital ocioso era aplicado na compra de um estoque de terras. Eu acredito que, dada tal importância da escravidão na economia, não importa para quem os africanos vendessem escravos, a história não teria sido diferente.

    Sobre o papel de brancos e negros no antigo Egito, eu considero essa uma discussão bizantina - tenham descendido de negros do centro da África ou de semitas do Oriente Médio, os egípcios criaram uma civilização original, e isso é o que importa.

    Voltando à "vaca fria", a correlação entre a história brasileira e a história africana, se você focaliza as relações econômicas e o interesse comum - o comércio de escravos - é claro que alguma influência os escravocratas brasileiros causaram na África. Mas vejo na história africana uma dinâmica própria e complexa, e na escravidão, uma atividade econômica fundamental para a África de então e independente da existência ou não do Brasil - assim, é difícil dizer que a ingerência dos escravocratas brasileiros teve algum papel importante no rumo que a África tomou, e provavelmente esse pormenor não é ensinado nas escolas africanas, tal como não é ensinado nas escolas brasileiras. A obrigatoriedade do ensino da história africana no Brasil, a meu ver, tem um caráter puramente propagandístico, mesmo porque essa história é tão vasta e complexa, que os professores do ensino médio simplesmente não saberiam o que ensinar - e à pergunta "o que devo ensinar" será respondida com um pacote pronto, certamente preparado por militantes afro que trabalham para alguns dos 40 ministérios que temos.

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  3. Pedro Mundim e seus comentários/"editoriais"...

    Começo pelo maior absurdo: não existe analogia possível entre os bolsões de descendentes de britânicos no Zimbabwe e as "colônias" alemãs do sul do Brasil. Não há nestes últimos lugares pessoas que se recusem a falar português e a obedecer às leis nacionais, tampouco zonas residenciais exclusivas, e até as oligarquias como as dos Konder e Bornhausen são "alemãs" apenas num sentido caricatural, visto que também descendem de luso-brasileiros. Mesmo suas festas típicas são transformadas em eventos turísticos nos quais os participantes vêm maciçamente "de fora". Seus bisavós e trisavós alemães nunca foram invasores, e sim imigrantes voluntários incentivados pelo governo central do Brasil e pelas administrações regionais. Mesmo quando expulsaram índios, o fizeram ajudados por forças policiais regulares.
    Além disto, todas as terras que receberam, reunidas, formariam uma parcela bem minoritária da Região Sul. Ninguém poderia dizer que asfixiaram as estruturas econômicas preexistentes, ao contrário do que aconteceu na ex-Rodésia, onde a subjugação dos autóctones pelas armas foi seguida de transferência pela força da maior parte da superfície fértil do país para mãos alheias.
    Evidentemente, não se pode obrigar filhos de ingleses a falarem shona, mas me reservo o direito de não ter pena de comunidades que se julgam no direito de dispor da quase totalidade dos recursos econômicos de uma determinada região e de exercer indefinidamente o monopólio da violência apenas porque seus ancestrais se consideravam racialmente superiores e ganharam uma guerra. Pagaram o preço do isolamento desejado, e imagino que o argumento da ruína da plantation não sensibilizaria os beneficiados pela reforma agrária. Entre ser agricultor "de subsistência" pobre ou faminto em favela urbana, a escolha não parece difícil.

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    1. O comentário apresenta outros equívocos: não afirmei que as estradas, aeroportos, fábricas e hidrelétricas construídos com dinheiro dos colonizadores foram inúteis, e sim que as condições de infraestrutura e as diferentes atividades econômicas poderiam ter avançado sem que houvesse dominação política, invasões, massacres.
      Emprega-se abusivamente, a meu ver, o termo totalitário, que não se aplica a um Idi Amin, como também não se aplicaria a um Somoza, um Stroessner, um Efraín Ríos Montt.
      Folgo em ver um liberal admitir a relação de dependência estabelecida pelos europeus em prejuízo dos povos africanos, quando muitos veem nisto apenas o reflexo "natural" de leis do mercado. Basta voltar ao parágrafo de Granvaud para intuirmos o que acontece aos governantes e aspirantes aos governos que tentam romper esta relação!
      Também discordo da premissa de que "a África não seria muito diferente" sem o imperialismo. Podemos nos lembrar, de entrada, que as fronteiras políticas do continente ainda seguem em parte os riscos feitos a régua no Congresso de Berlim. Ninguém é capaz de montar uma "História Alternativa" à prova de falhas, mas é válido suspeitar que muitas guerras de Biafra teriam sido evitadas caso não houvesse a "partilha" que espalhou certas etnias entre duas ou três áreas de dominação distintas, enquanto obrigava outras a conviver com inimigos históricos sob uma mesma administração.
      Chamo a atenção para a perspectiva etnocêntrica que leva a considerar os conflitos étnicos um fato tipicamente africano. Vale recordar que Mussolini, no início de sua carreira política, hostilizava os súditos italianos do extremo norte que insistiam em usar o idioma alemão em detrimento do idioma nacional. Não vejo diferença qualitativa entre dirigentes iorubás obrigando os ibos a ficar dentro da Nigéria e dirigentes sérvios tentando obrigar croatas e muçulmanos bósnios a integrar a Iugoslávia.

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    2. Sobre as relações escravistas, precisamos considerar em primeiro lugar que a África possui 30 milhões de km² e que as conjunturas foram as mais diversas possíveis ao longo do tempo e conforme o espaço. Tanto havia plantations em regiões sob controle islâmico no Oceano Índico quanto áreas virtualmente sem escravidão, a exemplo do Cabo.
      Por outro lado, o excelente livro de Lovejoy demonstra como o impacto do tráfico atlântico alterou profundamente, em quase toda parte, a dinâmica da escravidão na África. Não construirei uma hierarquia dos cativeiros, do mais ruinzinho para o mais brando. Porém, é óbvio que havia grandes diferenças entre ser escravo no interior de uma sociedade vizinha e semelhante, alheia à lógica acumulativa europeia, onde muitas vezes os filhos dos cativos "originais" se tornavam agregados ou membros de segunda classe da família dos senhores, e cair numa plantation do outro lado do oceano depois de passar pela experiência de viajar em navio negreiro.
      Concordo em parte com sua afirmação sobre o Egito. Aliás, Alberto da Costa e Silva, em passagem sobre a vida material dos habitantes de certas regiões da África, durante a Pré-História, diz algo como "pouco importa a cor de suas peles, o formato de seus narizes, a textura dos seus cabelos". A inclusão deste item na relação, como também deixei claro na matéria, não se deu enquanto tentativa de apoio ao dito afrocentrismo, e sim como desconstrução da imagem do africano "selvagem compulsório".

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  4. Continuo, como na postagem anterior, considerando distorcida sua visão sobre o ensino da História da África nas escolas brasileiras. Embora não inteiramente consolidado, ele não é organizado por militantes, mas em regra pelos mesmos autores que já produziam os livros didáticos anteriores à legislação. Consulte alguns destes manuais e verá muito mais descrições da vida política e das estruturas socioeconômicas de Estados como o Mali, o Songhai, o Gana e o Congo, semelhantes às elaboradas sobre os países europeus, do que exaltações da raça negra.
    Penso que os exemplos que indiquei no debate anterior são suficientes para descartar sua hipótese da "insignificância" do impacto do escravismo brasileiro na África. Não consigo compreender, além disto, a sua insistência em subestimar o impacto da África no Brasil quando vive em uma cidade cuja vida cultural seria inexplicável sem levar em conta as influências das centenas de milhares de congoleses, angolanos e "baianos" de raízes afro-ocidentais que recebeu.

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  5. Não sei se respondo adequadamente a tantas objeções, mas diante do grande dispêndio de energia julgo que Pedro Mundim deveria retomar a edição de sua própria página. Um comentário de 65 linhas, com ligeira adaptação, já seria um artigo de blog!

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  6. Aviso aos spammers para não perderem seu tempo colando links nos comentários sem desenvolver argumentação.

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