quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Vinte "novas" pérolas do velho reacionarismo





       Retomo hoje o tema de duas séries compostas em abril de 2012, contendo máximas diversificadas do pensamento reacionário, cujos links seguem logo abaixo: 

        A finalidade, mais uma vez, é deixar em evidência o que nos diferencia radicalmente "deles".  Longe de estar superada, a antítese esquerda/direita permanece tão válida quanto  há cem anos atrás, e por trás do discurso civilizatório a direção política conservadora só nos tem a oferecer opressão e alienação, sem excluir a barbárie de tipo fascista em certos momentos entendidos como de crise. 
        As citações que volto a agregar não são baboseiras propagandísticas nos moldes do forjado "Decálogo de Lenin".  Saíram de fato das bocas e das penas de homens tidos como respeitáveis representantes da ordem.  Apesar de cobrirem um intervalo temporal de quase duzentos anos, não me sinto inclinado a crer que seus herdeiros melhoraram significativamente. 
       

1-Evaristo da Veiga (1799-1837), jornalista brasileiro do Primeiro Reinado e do Período Regencial, exprime seu temor diante das reformas sociais propostas pelos "liberais exaltados":


 "Temo mais hoje os cortesãos da gentalha que aqueles que cheiram as capas ao monarca".
Citado em Emília Viotti da Costa.  Da monarquia à república: momentos decisivos.  São Paulo: UNESP, 1999, p. 147.


2-Alexis de Tocqueville (1805-1859) tenta legitimar o imperialismo e dá testemunho involuntário da incompatibilidade entre liberalismo e igualdade: 
Não há utilidade nem obrigação da nossa parte em passar para os nossos súditos muçulmanos ideias exageradas da sua própria importância, e nem persuadi-los de que nós somos obrigados a tratá-los como se fossem nossos concidadãos e nossos iguais.  Eles sabem que na África temos uma posição dominante e esperam que a conservemos.
Citado em Domenico Losurdo.  Contra-história do liberalismo.  Aparecida: Ideias e Letras, 2006, p. 253. 

   
3-Thomas Robert Bugeaud (1784-1849), marechal francês, autor de vários massacres na Argélia e feito duque d'Isly por seus serviços na África, se queixa a Adolphe Thiers, presidente do Conselho, contra a educação do povo:

"A nação só pode viver graças a um trabalho duríssimo que não deixe aos homens campos nem oficinas, e nem tempo livre ou força para o estudo".


(citado em FERRO, Marc. História das colonizações: das conquistas às independências, séculos XIII a XX. Sâo Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 105)
4-Domingo Faustino Sarmiento (1811-1888), presidente da Argentina entre 1868 e 1874, se mostra mais um adepto da tese da "multidão-criança":

"Os povos, em sua infância, são umas crianças que nada preveem, que nada conhecem e é preciso que os homens de alta previsão e de alta compreensão lhes sirvam de pai".

Citado em León Pomer (organizador).  D. F. Sarmiento: política.  São Paulo: Ática, 1983. 



5-Antônio José Fernandes, deputado ligado à lavoura do município de Valença, apresenta na Assembleia Legislativa da Província do Rio de Janeiro em 14 de setembro de 1880 sua concepção sobre o direito dos funcionários públicos à aposentadoria:

"O empregado devia exercer o seu emprego sempre que tivesse forças físicas e morais para desempenhá-lo.  Muito embora tenha 30 ou 40 anos de exercício, logo que esteja no caso de exercer as suas funções não deve ser aposentado".   






6-John Maynard Keynes (1883-1946) revela no texto Am I a Liberal? (1925) qual era a sua pátria: 
Quanto à luta de classes como tal, meu patriotismo local e pessoal, como os de qualquer um, exceto uns poucos desagradáveis entusiastas, liga-me a meu próprio ambiente.  Posso ser influenciado pelo que me parece ser a justiça e o bom senso, mas a guerra de classes vai me encontrar do lado da burguesia educada.
Citado em István Mészáros.  O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004, p. 61.



7-Charles Maurras (1868-1952), dirigente monarquista francês, registra sua versão da meritocracia :

« Ni aujourd'hui ni jamais, la richesse ne suffit à classer un homme, mais aujourd'hui plus que jamais la pauvreté le déclasse.  » 

(Nem hoje nem nunca, a riqueza é o bastante para classificar um homem, mas hoje, mais do que nunca, a pobreza o desclassifica.)
http://www.evene.fr/citations/charles-maurras


8-O filósofo espanhol Ortega y Gasset (1883-1955) faz sua profissão de fé elitista:

Eu disse e continuo crendo, cada dia com mais enérgica convicção, que a sociedade humana é aristocrática sempre, queira ou não, por sua própria essência, até o ponto de que é sociedade na medida em que seja aristocrática, e deixa de sê-lo na medida em que se desaristocratize.

http://www.cisc.org.br/portal/biblioteca/rebeliaodasmassas.pdf (A rebelião das massas, p. 21)


9-O embaixador Oswaldo Aranha (1894-1960), em carta ao presidente Vargas datada de 1937, mistura a paranoia anticomunista ao antissemitismo:  

"Este país, Getúlio, está quase dominado por esta nova maçonaria de fundo liberal, mas, realmente, ao serviço dos ideais extremistas.  À sombra do New Deal estamos vivendo na antessala do comunismo nos Estados Unidos.  Creio que é o judaísmo que criou e mantém este ambiente, capaz de deslocar esta civilização para um abismo. [...] A filantropia americana, esta tendência para uma forma de caridade política e até internacional, se for dominada pelo espírito judaico, arrastará toda esta civilização para um novo regime, similar ao russo".  

Citado em Maria Luiza Tucci Carneiro (org.).  O anti-semitismo nas Américas: memória e história.  São Paulo: Edusp, 2008, p. 388.


10-O economista austríaco Joseph Schumpeter (1883-1950) conspira alegremente contra o sufrágio universal:

"Observe-se: pouco importa que nós, observadores, consideremos válidos estes motivos ou as normas práticas em razão das quais se excluem do direito [de voto] determinados setores da população; importa que a sociedade em questão os admita.  E não se objete que, aplicável a exclusões justificadas pela incapacidade ("a menoridade"), este critério não pode ser aplicado à exclusão em bloco por razões que não têm nenhuma relação com a capacidade de servir-se de modo inteligente do direito de voto, porque a "capacidade" é questão de opinião e de grau e, para estabelecer sua presença ou ausência, certas normas são necessárias.  Sem cair no absurdo ou na hipocrisia, pode-se dizer que a capacidade é medida pela  possibilidade de prover-se a si mesmo".
Citado em Domenico Losurdo.  Democracia ou bonapartismo: triunfo e decadência do sufrágio universal.  Rio de Janeiro: UFRJ; São Paulo: UNESP, 2004, P. 247.    


11-Roberto Marinho (1904-2003), presidente das Organizações Globo, reafirma seu apoio à ditadura civil-militar em pleno ano de 1984:

Participamos da Revolução de 1964, identificados com os anseios nacionais de preservação das lnstituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada. Quando a nossa redação foi invadida por tropas antirrevolucionárias, mantivemo-nos firmes em nossa posição. Prosseguimos apoiando o movimento vitorioso desde os primeiros momentos de correção de rumos até o atual processo de abertura, que se deverá consolidar com a posse do novo presidente.

http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-editorial-de-Roberto-Marinho-que-exaltou-a-Ditadura-Militar/4/27682


12-Jânio Quadros, o sr. "Forças Ocultas", vai ao delírio ao tentar aglutinar votos conservadores em torno de sua candidatura à Prefeitura de São Paulo (setembro de 1985):

“Enfrentamos uma conspiração de comunistas e comunistóides que persistem em desmoralizar militares de alta patente e civis que combatem o comunismo”.

(citado em SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 510)


13-Plínio Corrêa de Oliveira (1908-1995), fundador da TFP (Tradição, Família e Propriedade), alia o reacionarismo a um discurso caricato, em entrevista de 10 de abril de 1974 à Folha de São Paulo:

Mandai-nos o que quiserdes. Só não nos mandeis que cruzemos os braços diante do lobo vermelho que investe. A isto nossa consciência se opõe."

14-O embaixador Meira Penna (1917-), em passagem que definitivamente dispensa introdução ou explicação, nos mostra o espírito reacionário em estado puro numa publicação de 1988:
"Gentlemen, até certo ponto, podem ser alguns europeus, às vezes suecos ou holandeses, ou membros da aristocracia daqueles países semibárbaros do "continente" que, pelo fosso esplêndido do estreito de Calais, está isolado do arquipélago britânico. Mas, de qualquer forma, o resto do mundo é sempre de uma maneira ou outra composto de natives ou aliens.  São os elos, os missing-links entre o macaco e o homem, pessoal meio selvagem, gente inferior e vulgar que merece ser tratada humanamente mas com certa distância.  Essa concepção durou até os cataclismas políticos e bélicos do século XX, em consequência dos quais vingou a noção lamentável do homem comum, o homem das massas, o homem coletivo irresponsável".



15-O escritor cubano Carlos Alberto Montaner (1943-) escolhe o adversário ideal, na verdade praticamente um parceiro, para as direitas:

As melhores esquerdas do mundo são aquelas que deixaram de ser esquerdas, como Tony Blair, na Inglaterra. Quando alguém abandona a luta de classes e a mentalidade antimercado e se converte em um amante do estado de direito já não é mais de esquerda.

http://veja.abril.com.br/230800/entrevista.html



16-Jean-Marie Le Pen, celebrado líder xenófobo de parte da direita francesa, revisa com inesperada sinceridade a historiografia da Segunda Guerra Mundial:  

Eu sou forçado a dizer que as câmaras de gás foram um detalhe da história da guerra mundial, o que é uma evidência.
17-Thomas Sowell (1930-), economista americano, nos explica os benefícios da redução dos salários reais:

Havia um salário mínimo, mas, como o valor deste havia sido estipulado em 1938, e estávamos em 1949, seu valor já havia se tornado insignificante em decorrência da inflação.  Por causa desta ausência de um salário mínimo efetivo, o desemprego entre adolescentes negros no ano de 1949, que foi um ano de recessão, era apenas uma fração do que viria a ser até mesmo durante os anos mais prósperos desde a década de 1960 até hoje. À medida que os moralmente ungidos passaram a elevar o salário mínimo, a partir da década de 1950, o desemprego entre os adolescentes negros disparou.  Hoje, já estamos tão acostumados a taxas tragicamente altas de desemprego neste grupo, que várias pessoas não fazem a mais mínima ideia de que as coisas nem sempre foram assim — e muito menos que foram as políticas da esquerda intrometida que geraram tais consequências catastróficas.




18-Leandro Narloch e Duda Teixeira explicitam seu programa "capitulacionista" na introdução do Guia politicamente incorreto da América Latina:
"Não nos sentimos representados por guerrilheiros ou por indignados líderes andinos e suas roupas coloridas.  Não há aqui destaque para veias abertas do continente, mas para feridas devidamente tratadas com a ajuda de grandes potências.  Conhecemos bem as tragédias que nossos antepassados índios e negros sofreram, mas, honestamente, estamos cansados de falar sobre elas". 



19-James Inhofe, senador republicano pelo estado norte-americano do Oklahoma, assim contesta (em março de 2002) o direito dos palestinos aos territórios ocupados e à formação de um Estado independente:

"A Bíblia afirma que Abraão desarmou sua tenda e foi morar na planície de Mambré, que é Hebron, erigindo aí um altar em honra do Senhor.  Hebron encontra-se na Cisjordânia, e foi naquele lugar que Deus apareceu a Abraão e lhe disse: 'Eu te dou esta terra', a Cisjordânia.  Esta batalha não é de modo algum política, é uma controvérsia sobre o fato de a palavra de Deus ser verdadeira ou não.


Citado em Domenico Losurdo.  A linguagem do Império: léxico da ideologia estadunidense.  São Paulo: Boitempo, 2010, p. 55.  


20-Walter Williams (1936-), economista norte-americano, apresenta em dose dupla sua visão de "liberdade":

Primeiro, não existe igualdade racial absoluta, nem ela é desejável. Há diferenças entre negros e brancos, homens e mulheres, e isso não é um problema.
(...)

A Universidade George Manson tem dinheiro público. Portanto, não pode discriminar. Uma biblioteca pública, que recebe dinheiro dos impostos pagos pelos cidadãos, não pode discriminar. Mas o resto pode. Um clube campestre, uma escola privada, seja o que for, tem o direito de discriminar.
 



 

Um comentário:

  1. " Não custa nada lembrar que um "a" craseado antes de "pão" quebra toda e qualquer firma."
    <3

    a segunda parte ficou ótima!

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