segunda-feira, 2 de setembro de 2013

1924: liberais, conservadores e fascistas comem e bailam juntos no Rio de Janeiro

Félix Pacheco
        
       Os ideólogos liberais do Brasil, com boa frequência, demonizam o primeiro governo Vargas pelas comprovadas afinidades com o fascismo, verificáveis sobretudo a partir do golpe do Estado Novo, em 1937.  Alguns pretendem apontar um vício de origem na própria Revolução de 1930, vista apenas como a quebra de uma ordem constitucional supostamente inspirada no liberalismo.  Não serei, é claro, o apologista tardio de um movimento que, nas palavras de um de seus chefes, se propunha a fazer a revolução "antes que o povo a faça".      
        Entretanto, nesta postagem trago com satisfação ao público um documento que, produzido seis anos antes da queda da Primeira República, esclarece muito sobre as verdadeiras inclinações dos adeptos do liberalismo conservador.  Constitui uma excelente amostra das razões que levaram diversos autores a atribuir àquele regime títulos depreciativos como República Oligárquica e República dos Coronéis.
        José Félix Alves Pacheco, ou simplesmente Félix Pacheco (1879-1935), deputado federal e senador pelo estado do Piauí, membro da Academia Brasileira de Letras, pioneiro da identificação datiloscópica no país, foi ministro das Relações Exteriores do governo de Artur Bernardes (1922-1926), presidente cuja vinculação ao ideário liberal seria confirmada em 1945, quando participou da fundação da União Democrática Nacional (UDN).  Ele se incumbiu, na noite de 7 de abril de 1924, de discursar durante um banquete em homenagem ao embaixador especial italiano Giovanni Giuriati, que apresentara dois dias antes suas credenciais ao governo brasileiro.    
          Pacheco fez imprimir sua palestra, publicada em relatório ministerial no ano seguinte.  A necessidade de obedecer a certas regras de organização do espaço me impede de copiar todo o discurso, mas os leitores que desejarem (recomendo enfaticamente) poderão lê-lo na íntegra, seguindo os links que colo logo abaixo do título.  




http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1792/000303.html
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1792/000304.html
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1792/000305.html
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1792/000306.html
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1792/000307.html
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1792/000308.html
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1792/000309.html

         Mal iniciada sua fala, Félix Pacheco já tecia o primeiro elogio ao fascismo, por ele entendido como um sistema dinâmico destinado a grandes realizações, e ao próprio Benito Mussolini, um "homem excepcional". 



           Logo em seguida, o ministro declinava o nome do regime vigente na Itália, enaltecendo-o não somente por suas diretrizes nacionalistas como também pela tendência ao expansionismo territorial, no caso a ocupação de territórios do lado oriental do mar Adriático em prejuízo das populações eslavas que ali viviam. 


     Um pouco adiante, Pacheco expunha com clareza o que esperava dos fascistas: o reforço de uma velha ordem ameaçada por forças contestatórias consideradas anarquizantes. 


      Uma conhecida passagem do teórico liberal Ludwig Von Mises (1881-1973), já transcrita em outro artigo do blog, alude ao "mérito do fascismo" de ter salvado a Europa do avanço do socialismo.  Félix Pacheco, que se manifestou sobre o tema antes de Mises, demonstraria mais satisfação, ao se referir a um presumido "alívio do Universo".  O ministro conferiu ainda um brilho apoteótico à algo desastrada Marcha sobre Roma, reunião de homens mal armados que poderia ter sido facilmente desbaratada por qualquer comandante militar disposto a fazê-lo.   


       O responsável pela diplomacia brasileira não conseguiu conter seu entusiasmo ao conduzir o foco da palestra mais decididamente para a figura de Mussolini. Como resultado, lemos algumas linhas cujo teor muitos classificariam como homoerótico.   


      O deslumbramento do ministro diante do fascismo, porém, não se restringia à personalidade e às características físicas do seu líder.  Ele descrevia o governo italiano em termos que talvez levassem seus ouvintes a imaginar um apogeu próximo daquele país em todos os campos. 



      Legítimo representante de uma república oligárquica, Félix Pacheco não escondia, em sua longa exaltação dos camisas negras, o que realmente perturbava seu sono: os ataques ideológicos e as consequentes mobilizações eleitorais e/ou revolucionárias contra o sistema planetário ordenado pela burguesia.    


       Em frase deliciosa para os que estão fartos de suportar o contorcionismo retórico liberal que consiste em tentar excluir o fascismo do campo da direita,  Pacheco indicaria os que mais tinham a esperar do governo mussoliniano: os conservadores do mundo inteiro.  Mussolini, distante de qualquer socialismo, era o "herói da reação"! 





    Não me limito, diante de uma exposição tão transparente, a devolver o fascismo ao lado do muro em que sempre esteve, ou seja, o da direita.  Chamo mais uma vez a atenção dos leitores para uma realidade que, apesar da multiplicidade de exemplos disponíveis, ainda é cinicamente negada por muitos direitistas. Quando confrontados com a menor das ameaças palpáveis ao capitalismo, tanto os burgueses liberais de tipo sofisticado, cultivadores de uma autoimagem de democratas por excelência, quanto os ditos conservadores tradicionais, oferecem prontamente seu apoio ao Benito, Augusto ou Emílio de plantão. 

Obs: Divulguem nas páginas dos liberais.  Eles merecem.  Divulguem também nas páginas dos fascistas assumidos.  Eles têm o direito de desmascarar a hipocrisia de seus aliados envergonhados.   


Um comentário:

  1. Post excelente, parabéns! O que eu mais vejo por essa internet é liberal com pensamento binário que fala que Mussolini era de extrema-esquerda (!!!!!!!) só porque o "Estado era forte" durante seu governo.

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