sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

A juventude Mezzo Cérebro (segunda parte)


         
         Retorno, conforme o prometido, aos comentários sobre as pérolas de Daniel Mezzo Cérebro e seus amigos. Um deles, segundo mensagem que recebi, é o Sr. Péssimo Menezes.  Como estou sem tempo para tarefas de maior fôlego, deixo a sugestão de um estudo de caso para quem não tiver olfato excessivamente sensível.  


          Não me surpreende a constatação de que os gênios autodidatas ignoram o que é dialeto.  Ao mesmo tempo em que rotulam como "falácias de esquerda" tudo que não lhes convém, adotam sem o menor discernimento outros lugares comuns.  O jovem politicamente incorreto, esse iluminado, lê em alguma coleção de frases de efeito que "a África é uma Babel de dialetos" e, no piloto automático, converte qualquer idioma do continente em código primitivo acessível somente a mil aldeões selvagens.  Caso consultasse pelo menos a Wikipédia antes de escrever a primeira baboseira que lhe surge na mente, saberia que o iorubá, falado por dezenas de milhões de pessoas, tem status de língua oficial no país mais populoso da África. 


          Sobre o alegado caráter "ágrafo" do iorubá, confesso o meu espanto, pois já vi centenas de vezes, nas bancas do Rio de Janeiro, jornais e revistas das nações do Candomblé parcialmente redigidos naquela língua.  A fantasia de que um nigeriano, para se comunicar pela escrita, precisa se valer do inglês, parece saída da cabeça de um perfeito "garoto da bolha", de alguém que mal sai às ruas e vive restrito a um circuito de informações quase fechado.  Calculo qual seria a irritação do antropólogo Nina Rodrigues (1862-1906), que se queixava do desconhecimento a respeito das línguas africanas no Brasil, ao ver que mais de um século após a sua morte ainda são lidas ou ouvidas idiotices deste quilate.  Já que mencionei Nina, sigo com a imagem de um antigo açougue de Salvador, que consta do livro Os africanos no Brasil e, em fenômeno quase inacreditável, tinha o letreiro impresso numa língua "exclusivamente oral", de acordo com a família Mezzo Cérebro. O cúmulo da ironia é o fato de Péssimo Menezes ser baiano!!!       





                   
             A tentativa de negação do caráter racializado que a escravidão possuiu no Brasil chega a dar pena.  Caso eu fosse o dono de uma máquina do tempo, enviaria Mezzo Cérebro & Péssimo ao Parlamento imperial de 1826.  Ali, Bernardo Pereira de Vasconcelos, que mais tarde se tornaria um dos principais nomes do conservadorismo no país, afirmou categoricamente, ao defender a atitude dos tripulantes de um navio que trataram negros livres como se fossem escravos, que "a presunção é que um homem de cor preta seja sempre escravo".  (ver Octavio Tarquinio de Sousa.  História dos fundadores do Império do Brasil, vol. V: Bernardo Pereira de Vasconcelos.  Rio de Janeiro: José Olympio, 1957, p. 49-50. 
             Dentro de uma lógica semelhante, após a Revolta dos Malês de 1835 os "homens de cor livres" da Bahia, nas viagens pela província, ficaram sujeitos ao uso de passaportes, numa violação brutal do princípio da igualdade perante a lei registrado na Constituição de 1824 (ver Paulo César Souza.  A Sabinada: a revolta separatista da Bahia, 1837.  São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 142-143).




            Não custa nada lembrar que um "a" craseado antes de "pão" quebra toda e qualquer firma.  O pior deste trecho, porém, é o retorno à velha construção da escravidão suave, adocicada, mesmo que limitada a um grupo seleto.  João José Reis, que estudou minuciosamente a Revolta dos Malês, fez a seguinte observação sobre os participantes daquele movimento:

No interior de casebres, lojas e quartos pobres e superpovoados, libertos e escravos tentaram redefinir como viver de maneira mais independente de senhores e autoridades.  Isto, é claro, não foi possível para todos os escravos, pois nem todos os senhores permitiam que seus escravos se afastassem em demasia do raio em que seu poder se exercia.  
(Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835.  São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 416)      

          O mesmo autor recupera uma conclusão de Kátia Mattoso, para quem 90% dos moradores livres de Salvador [área onde mais havia escravos malês no Brasil] viviam no limiar da pobreza (idem, p. 29).  As pesquisas do próprio Reis demonstram que a concentração de renda na cidade era tão alta que os 10% mais ricos detinham, na primeira metade do século XIX, 66,9% da riqueza total (ibidem, p. 30-31).  Falta, portanto, uma explicação sobre a mágica que permitia que uma sociedade miserável tratasse nababescamente uma parte de seus escravos.  Talvez, nos delírios da família Mezzo Cérebro, os proprietários dos malês dessem filé mignon aos cativos enquanto comiam dobradinha. 
          É significativa a informação de que o líder mais eminente da revolta, Pacífico Licutan, era um simples enrolador de fumo, escravo de aluguel, que ao ser interrogado pela polícia declarou sofrer "mau cativeiro" por  parte de seu senhor, um médico (ibidem, p. 287-288) 
       Sobre a presumida "discriminação" dos malês contra os outros negros, podemos compreender pela leitura da mesma obra  que o rancor dos primeiros contra os escravos nascidos no Brasil, inclusive os mulatos, girava em torno da suspeição de que os últimos seriam "vendidos ao sistema" (expressão do autor), coniventes com os senhores (ibidem, p. 387).  Por outro lado, os nagôs, que formavam a maioria entre os rebeldes malês, souberam se aliar a africanos de outras etnias no ataque à ordem escravista. A hipótese da "aristocracia escrava" esnobe e excludente não passa de uma abobrinha infantil. 



                 
         Como têm na ponta da língua o discurso sobre norte-africanos que puseram grilhões em europeus, os editores daquele blog, para ganhar ainda mais credibilidade, deveriam explicar que quesitos inferiorizavam os franceses, espanhóis, italianos e ingleses escravizados na Idade Moderna pelos "piratas da Barbária", na comparação com seus escravizadores "mouros".  Não me arrisco a adivinhar.     



            Os recursos da família Mezzo Cérebro, devo admitir, não se limitam ao uso indiscriminado do chutômetro.  Nesta passagem aprendemos que a melhor defesa contra uma relação social desfavorável  é fazer de conta que ela não existe.  Deixem de notar que o batalhão X só mata negros, e aos poucos ele deixará de matar!  Parem de reclamar que a empresa Y não contrata negros, e logo haverá uma maioria afro-mestiça no seu quadro de funcionários!  A proposta é tão boa que já estou pensando em adaptá-la para as populações que habitam áreas sujeitas a terremotos, erupções vulcânicas e tsunamis: -Só existe catástrofe se você quiser acreditar nisto!!!  A senhorita Ortografia também agradece pelo "Engove" que lhe foi fornecido com o rótulo em "irorubá".      



        Temos aqui um novo atentado à língua.  Só posso dizer que poucas coisas são mais engraçadas do que lidar com sujeitos que se consideram cercados de analfabetos e ignorantes por todos os lados enquanto produzem sentenças como "os sofrimentos (...) não respeita".   


            O acento em tofu revela alguma coisa.  Nosso idioma oficial, se pudesse se exprimir como uma pessoa, usaria a mesma palavra para definir sua condição atual nos arraiais da nova direita.  Para fechar com chave de ouro, descobrimos também que o freguês de um self service que escolhe comer somente estrogonofe, arroz e fritas em determinado almoço incorre em prática discriminatória contra os outros 27 pratos que tem à disposição naquele dia.  Encerro lamentando o solene desprezo dedicado pela família Mezzo Cérebro ao sistema de ensino oficial.  Que teses de Sociologia eles não seriam capazes de parir!!!  
    

4 comentários:

  1. "Único jeito de diminuir o racismo é ignorá-lo."

    AI MEU PÂNCREAS!

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  2. Eles voltaram lá e corrigiram os erros de concordância. Hahahahahahahaha!

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  3. http://www.metmuseum.org/toah/hd/ifet/hd_ifet.htm
    Apenas um link que pode interessar aos que quiserem conhecer melhor a complexidade e riqueza da cultura Iorubá.

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  4. A página do Mezzo Cérebro foi deletada e ele tá achando que é coisa do PT huehuehuehuehue

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