quarta-feira, 16 de abril de 2014

Yahoo! Notícias: uma amostra grátis da "liberdade de opinião" no capitalismo


      
       Há cerca de oito anos mantenho um e-mail no provedor Yahoo.  Com certa frequência, antes de acessar as mensagens leio duas ou três reportagens reproduzidas no link Yahoo!Notícias. Mais raramente, deixo registros nos espaços que, abaixo de cada matéria, se destinam aos comentários dos leitores.  
     Devo admitir que se trata de um fórum divertido, até porque boa parte do que se publica, sobretudo a respeito da vida particular dos famosos, beira o grotesco.  Podemos identificar, nos debates em regra truculentos que se estabelecem de forma mais ou menos espontânea, as diversas polarizações existentes entre os internautas brasileiros: tucanos X petistas, corintianos X palmeirenses, evolucionistas X criacionistas, cotistas X anticotistas, feministas e ativistas LGBT X supremacistas masculinos, etc.
     As discussões acerca da política nacional parecem inteiramente livres, ou quase, de mediação. Mensagens de apoio, inteligentes ou bajulatórias, a todos os partidos, movimentos e indivíduos imagináveis dividem lugar com críticas bem construídas aos mesmos, ou, em quantidade ainda maior, com generosas levas de impropérios. Perfis fakes bizarros pedem em caixa alta a prisão ou a morte, se possível com vasta efusão de sangue, de seus desafetos.
     Ontem pela manhã, ao entrar no Yahoo, decidi descarregar um pouco da minha acidez congênita contra a maré conservadora que assola nossa opinião pública.  Porém, tive alguma surpresa ao perceber que, quando comentava textos relacionados à política externa norte-americana, israelense ou europeia, estas observações desapareciam logo em seguida, por vezes em questão de segundos. Já tinha visto queixas sobre mensagens excluídas, mas ignorava que o fato acontecia de maneira intencional e sistemática.  A irritação inicial me levou a postar novamente as falas apagadas, acrescentando a elas frases irônicas sobre meu adversário invisível, que denominei, por falta de alternativa, "deletador de comentários".     
         Notei que o sujeito era persistente e não se renderia nem à minha teimosia, nem às minhas gozações.  Resolvi, então, lançar mão do sempre útil print screen como arma contra o censor, capturando sequências que deixam claro que houve cortes, sem que eu fugisse aos temas apresentados ou usasse palavras de baixo calão.  Vamos a elas. 
       Quando me referi ironicamente à pouca credibilidade da Reuters, agência de notícias londrina,  nos assuntos relacionados à crise ucraniana, a mensagem sumiu em dois minutos. 


              
            
     
               
       O "deletador" chegou a simular que passaria por cima da provocação que inscrevi abaixo da matéria sobre a mais recente crise diplomática entre Estados Unidos e Irã...



            
              Mas não conteve a "tesoura" diante de uma segunda observação.







          O tenaz funcionário deletou seguidamente meu apontamento sobre uma pretendida aliança entre a direita israelense e as monarquias do Golfo Pérsico.







              Finalmente, acabou por afrouxar a vigilância, e pude assinalar uma nova crítica.  




            Algo parecido ocorreu nos comentários de uma notícia sobre o Afeganistão.  O "deletador"  queria impedir a todo custo que o exército de Brancaleone instituído pela OTAN como governo do país fosse chamado de fantoche.  Quando desistiu, foi impossível evitar a galhofa.      


    
            Não faltariam adolescentes sagazes para me explicar que, sendo o Yahoo uma empresa da Califórnia, cujas receitas se medem em bilhões de dólares, seu portal não tem exatamente como objetivo ventilar opiniões anticapitalistas ou contrárias aos interesses do governo norte-americano.  Um militante conservador que tenha avançado até este parágrafo também poderia dizer, com acerto, que Carta Capital e Le Monde Diplomatique não publicariam sob o noticiário do Oriente Médio correspondências a favor de Benjamin Netanyahu. Tecnicamente, não é crime um portal selecionar com critérios ideológicos os comentários feitos dentro de suas páginas, apesar do ridículo em que incorre ao permitir que os usuários percebam que existe um sistema de censura nada sutil.  
        O que me inquieta, na verdade há vários anos, é a percepção de que um cerco vem se fechando.  Quando saio para comprar livros de História, por exemplo, minhas opções se restringem a poucas livrarias especializadas.  Nas prateleiras das maiores lojas do ramo predominam os best-sellers recomendados pelo Washington Post, ao lado dos últimos lançamentos da escatologia "politicamente incorreta".  Um estrangeiro que examine apressadamente a parcela melhor divulgada da  historiografia brasileira mais recente presumirá que uns 90% dos professores universitários da disciplina são weberianos, neocons, seguidores de Von Mises ou nostálgicos da Idade Média.  
      O quadro se torna pior quando nos voltamos para a mídia televisiva.   Os âncoras e comentaristas especializados dos jornais, salvo raríssima exceção, são evidentemente recrutados entre os reacionários mais toscos, o que além de dar margem a episódios antológicos sugere aos espectadores que a figura do conservador irado e boquirroto constitui um padrão de dignidade. É bastante significativo que mesmo em programas acusados por alguns de populismo, como o Esquenta! de Regina Casé, os intelectuais convidados sejam sempre liberais.
     A direita brasileira está nitidamente mais coesa e articulada com as forças que lhe correspondem no restante da América e na Europa.  Ela não pretende apenas preservar escrituras e aplicações financeiras, ou eleger governadores e o presidente da República.  Quer fazer vingar, na sociedade, as posturas conformistas e o ódio contra os que lutam por igualdade e ampliação de direitos.
         Apesar da desproporção de meios, só nos resta resistir a este processo.  Mais do que nunca, é fundamental, passando por cima das querelas doutrinárias, sejam elas pequenas ou grandes, interligar as fontes informativas e opinativas de esquerda.                      
               

17 comentários:

  1. Parabéns Gustavo! Excelente matéria!

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  2. Com todo respeito, esses comentários/posts nunca servem pra nada, não recebem atenção, e se recebem é apenas de pessoas que querem discutir. Me surpreende o tempo que você gastou escrevendo todos esses posts.

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    1. Também com respeito, digo que as pessoas que querem discutir formam opinião, mesmo que em escala micro. Logo, os comentários servem para alguma coisa. Sobre o tempo, posso dizer que escrevo rápido e não passei o dia "pendurado" no Yahoo.

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  3. Rapa cheguei aqui por acaso( se eh que existem...) e foi um deleite.

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  4. nossa eu achei que tinha alguma noção sobre, mas estou vendo que não sei de nada agora que li a matéria que por sinal é excelente, percebi o quão manipulados somos !

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  5. Que paranoia. O Yahoo excluiu comentários de todos os tipos.

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    1. ??? Você testemunhou? Talvez possa explicar como um sistema de exclusões aleatórias atinge preferencialmente postagens de um mesmo usuário.

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    2. Gustavo, eu creio que esse seja simplesmente um algoritmo de detecção e remoção de comentários indesejados. Afinal, não faz sentido pagar um indivíduo pra selecionar os comentários um a um e apagá-los tão rápido. Tente encontrar algum padrão de palavras ou sequências de palavras que faça que o comentário seja deletado.

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    3. É difícil crer que se trata de um mecanismo "matemático": os assuntos eram diferentes, os nomes próprios também, não houve xingamentos nem uso de pejorativos, salvo o banal coxinha. Farei novas experiências.

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  6. Bom dia. Não sei se já comentaste a possibilidade (que aventaste no artigo acima), mas já atentaste à irmandade extranacional entre pessoas capitalizadas? Elas estão se entendendo mais "parentes" "entre si" que de seus reais vizinhos físicos. Um coxinha brasileiro se entende mais "próximo" de um coxinha húngaro que do porteiro de seu prédio. Que aconteceria no caso de ser dominada a técnica para a confecção de robôs que substituíssem os empregados humanos? Se conseguissem a fabricação de seres biológicos artificiais para a atenção das necessidades de conforto e de produção material? Que se faria dos "menos iguais" por este globo afora? A paranoia me busca à imaginação...

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    1. Bom dia. Não és, preciso reconhecer, desprovido de talentos literários. Contudo, para teu azar, desconfio que olavaste, reinaldaste ou, no limite do problema, constantinaste. Acerto, ou a paranoia me consome por inteiro?

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  7. "A direita brasileira está nitidamente mais coesa e articulada com as forças que lhe correspondem no restante da América e na Europa. Ela não pretende apenas preservar escrituras e aplicações financeiras, ou eleger governadores e o presidente da República. Quer fazer vingar, na sociedade, as posturas conformistas e o ódio contra os que lutam por igualdade e ampliação de direitos."

    Pois é, a frente agora é predominantemente cultural. Que fazer? De que forma mais específica podemos "resistir" e "interligar"?

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    1. Não tenho um modelo pronto, e julgo que ninguém tenha. Mas acredito que a própria ação, gradualmente, vai apresentando as rotas possíveis. De imediato, seria fundamental romper o verdadeiro oligopólio que existe na "nossa" TV aberta.

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  8. HELOISA HELENA GODINHO SALGADO18 de abril de 2014 às 04:02

    Sensacional, Gustavo!! Vou compartilhar em vários grupos no FacebooK.

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  9. Gustavo, por favor me diga suas fontes confiáveis de leitura de notícias, para mim todas parecem irritantemente tendenciosas. E o Yahoo podia se poupar do mico e restringir os comentários à aprovação do deletador antes da publicação, né?

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  10. Cara Cau, também para mim todas (ou quase) são irritantemente tendenciosas. Quando tiver à mão algo totalmente confiável, pode acreditar que anunciarei ao mundo inteiro!

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