sábado, 23 de junho de 2012

A direita e a conquista: mistificação ao extremo

Monumento a Hatuey, em Cuba

         Uma das bandeiras da direita contemporânea, sobretudo das correntes que dão mais ênfase ao fator religioso do que à política formal, mas não exclusivamente destas, é a reabilitação das colonizações.  Podemos localizar na Internet, com muita facilidade, trabalhos cujos autores minimizam a destruição imposta, entre os séculos XV e XX, às sociedades americanas, africanas, asiáticas e australianas pelas respectivas metrópoles europeias.  Nesta produção, sobressaem os textos e vídeos que enaltecem a conquista espanhola na América, não raro apresentada enquanto libertação de povos indígenas oprimidos por governantes e sacerdotes sanguinários.  Mesmo que tenham perdido o autogoverno e sofrido com os excessos de alguns indivíduos cruéis, os índios poderiam considerar o estabelecimento da administração colonial como um processo benéfico, visto que passaram a dispor de leis mais justas e do ingresso na "verdadeira fé".
          Dentro dos limites aceitáveis para uma postagem de blog, copio três parágrafos sobre a tomada do México pelos espanhóis, breve trecho que representa com perfeição a tendência acima descrita. A autora, Márcia Helena Alvim, dá a entender que, com exceção dos astecas batidos na guerra, os índios mesoamericanos desejaram a dominação espanhola, facilitando sua difusão por toda a área mexicana.  Desta aliança, teria surgido uma "sociedade mestiça", cuja hierarquia étnica, convenientemente, não é mencionada.              

                    
           Para expor o caráter falacioso deste tipo de discurso, não recorro, por ora, ao exemplo do México, mas sim à crônica da região em que se verificaram os primeiros contatos entre europeus e índios. As Antilhas, no final do século XV, não eram tão densamente ocupadas quanto o planalto mexicano.  Mesmo assim, abrigavam uma população considerável, da qual os taínos constituíam o grupo mais numeroso.  Este panorama mudou bruscamente em poucas décadas.  Apesar da imagem de humanista à frente de seu tempo que de hábito é associada à figura de Cristóvão Colombo, suas viagens às ilhas foram um prenúncio do caráter predatório da colonização que se iniciava.  Percebendo a inviabilidade do projeto de construir uma economia centrada na mineração, Colombo não apenas enviou índios como escravos para a Espanha, como inaugurou, no âmbito local, um sistema de trabalhos forçados.


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          Sucedendo o genovês no comando das forças espanholas, o frei Nicolás de Ovando consolidou o domínio colonial sobre a Hispaniola, ilha atualmente compartilhada por haitianos e dominicanos.  Praticamente indefesos ante doenças infecciosas banais entre os europeus, os taínos sofreram um intenso morticínio.  Os que não eram massacrados diretamente na repressão às inevitáveis revoltas contra a servidão pereciam sob condições desumanas de trabalho ou em epidemias.

                                                 
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                    Desapareceram enquanto etnia em pouco mais de um século de colonização.

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            Uma parte dos taínos da Hispaniola se refugiou em Cuba, habitada por gente da mesma origem.  Entretanto, a experiência acumuladas nos combates anteriores foi insuficiente para deter os invasores.  O cacique Hatuey, que tomara para si o comando da resistência, sofreu o suplício reservado aos hereges.

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        Contra a determinação dos índios cubanos de não se submeterem, os espanhóis empregavam seus cavalos e suas armas superiores.  Com muito sangue, a ilha inteira era conquistada.  

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      Em pouco mais de vinte anos, os índios que tinham sobrevivido à guerra e às caçadas humanas promovidas pelos espanhóis estavam submetidos ao trabalho servil ou refugiados nas partes menos acessíveis do território.  Seu número, a exemplo do ocorrido na Hispaniola, declinou vertiginosamente.


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             Pressionados pela escassez de mão de obra, os colonizadores traziam prisioneiros de outras partes da América, que também morriam pelas mesmas causas.

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             As estatísticas disponíveis sobre os indígenas de Cuba comprovam a sua quase extinção ao longo do século XVI.  A população autóctone da década de 1540, já muito reduzida em consequências dos processos mencionados, em duas gerações perdeu quatro quintos do seu quantitativo.

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        A mestiçagem entre europeus e índias não foi estranha à colonização espanhola das Antilhas.  Todavia, com exceção de poucos indivíduos privilegiados que lograram ser reconhecidos como brancos, os mestiços se viram relegados aos espaços mais subalternos da sociedade colonial.       

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               Prosseguiremos, em muitas outras oportunidades, na constatação de que nenhuma dominação é boa para os dominados.  Fato que todos os entusiastas do colonialismo, do neocolonialismo e do imperialismo se esforçam em encobrir. 


Referências:

ELLIOTT, J. H.  A conquista espanhola e a colonização da América.  In: História da América Latina: A América Latina Colonial, volume 1.  São Paulo: Edusp; Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 1998.
FRAGINALS, Manuel Moreno.  Cuba/Espanha, Espanha/Cuba: uma história comum.  Bauru: Edusc, 2005.  
GOTT, Richard.  Cuba: uma nova história.  Rio de Janeiro: Zahar, 2006.
GRONDIN, Marcelo.  Haiti: cultura, poder, desenvolvimento.  São Paulo: Brasiliense, 1985.





Um comentário:

  1. Realmente Gustavo há quem interessa esta opinião que "protege" os colonizadores e "apaga" seus crimes contra os povos nativos de toda nossa América?????.

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