sábado, 22 de setembro de 2012

Pela igualdade, contra um universalismo etnocêntrico

          

            A luta entre o universalismo europeu e o universalismo universal é a luta ideológica central do mundo contemporâneo e o resultado será fator importantíssimo para determinar como será estruturado o sistema mundo futuro, no qual entraremos nos próximos vinte e cinco a cinquenta anos.  Não podemos deixar de tomar partido.  E não podemos recuar para uma posição supraparticularista  na qual invocamos a validade equivalente de todas as ideias particularistas apresentadas no mundo inteiro.  Afinal, o supraparticularismo não passa de uma rendição disfarçada às forças do universalismo europeu e aos poderosos do momento, que buscam manter o seu sistema mundo não democrático e não igualitário.  Se quisermos construir uma alternativa real ao sistema mundo vigente, teremos de encontrar o caminho para enunciar e institucionalizar o universalismo universal: um universalismo possível de conseguir, mas que não se concretizará de modo automático ou inevitável.
(Immanuel Wallerstein.  O universalismo europeu: a retórica do poder.  São Paulo: Boitempo, 2007, p. 27) 

         
       A desintegração do bloco soviético no início da década de 1990, entre outros efeitos colaterais, elevou os Estados Unidos à posição de "superpotência remanescente", em tese capaz de impor pela força seus interesses em todas as partes do planeta, sobretudo nos países desprovidos de armas nucleares.  A euforia temporária que tomou conta dos liberais e conservadores de variados matizes fez com que muitos considerassem não apenas a possibilidade do fim da História, associada à vitória definitiva do capitalismo laissez-faire, como também a virtual adesão de todas as sociedades, de boa ou má vontade, aos valores e às práticas econômicas do Ocidente.  A aproximação entre a administração Yeltsin e os ex-inimigos da OTAN  levou analistas políticos e chefes de Estado a vislumbrarem o mundo sob a liderança de uma Europa ampliada, cujos limites se estenderiam dos Urais à Califórnia, ou ainda de San Francisco a Vladivostok.
              Os acontecimentos subsequentes derrubaram em larga margem este otimismo.  A eclosão de algumas guerras civis na África obrigou os arautos do fim da História a remodelarem sua teoria, limitando o quadro idealizado às nações ocidentais mais desenvolvidas.  Os desdobramentos do caso Rodney King forçaram-nos a aceitar que mesmo naquelas poderiam ocorrer "retrocessos".  O esgotamento do modelo representado na América Latina por dirigentes como Alberto Fujimori, Fernando Collor, Carlos Menem e Carlos Salinas, acompanhado pela constante recusa dos eleitorados europeus em abrir mão de direitos sociais duramente conquistados, dissolveu as ilusões de uma pretendida unanimidade ideológica de tipo thatcherista.
             A pax americana não se caracterizou pela ausência de conflitos, mas sim por consecutivas intervenções militares norte-americanas, com maior ou menor solidariedade europeia, contra governos unilateralmente classificados como párias da ordem mundial.  A França, com menos visibilidade midiática, exerce um neocolonialismo quase explícito no continente africano.  Não faltam, no outrora denominado Primeiro Mundo, defensores teóricos das invasões, que ao sabor das conveniências podem ser justificadas por um suposto apoio ao terrorismo, violações dos direitos humanos, risco à integridade de minorias ou mesmo pelo desrespeito a relações econômicas apresentadas como "naturais".
         Porém, devemos admitir que tal posição não constitui exclusividade de imperialistas perversos do Hemisfério Norte.  A cada crise diplomática, verificamos que abundam nas sociedades latino-americanas, africanas e asiáticas elementos que de bom grado recorreriam a um poder externo irresistível para respaldar seus interesses, mesmo contrariando a vontade da maioria e prejudicando de maneira irreversível as estruturas de seus respectivos Estados nacionais. 
         Não sou entusiasta de Barack Obama, nem subestimo a eficiência dos democratas norte-americanos no cumprimento da agenda imperial.  Todavia, seria tarefa das mais fáceis encontrar nas redes sociais brasileiros e habitantes de países vizinhos que se deleitariam, e não fazem segredo disto, em ver um governo republicano, talvez controlado pelo Tea Party, promover um ataque direto contra Cuba, instalar bases militares no Paraguai, apoiar uma deposição dos sandinistas na Nicarágua, financiar ESGs e IBADs em versão pós-moderna no Cone Sul e bombardear a Venezuela chavista, não necessariamente nesta ordem.  Sonham com uma "Idade Média" alternativa, integralmente dirigida pelo mercado e marcada pela imposição do que Wallerstein define como universalismo europeu a todas as populações, pela via da indústria do entretenimento ou ao som de bombas inteligentes contra os grupos irredutíveis.  Sabem que funcionariam como subalternos, feitores ou capitães do mato de seus próprios povos, mas receberiam, em contrapartida, o reconhecimento enquanto aristocracia local, instalando uma dominação completa, sem constrangimentos e sem concessões táticas, sobre as classes trabalhadoras.  
             A denúncia do imperialismo é sempre atual, a menos que um dia as relações internacionais se tornem igualitárias em todos os campos.  Porém, tem igual importância o combate aos colonizadores "de dentro", os que gostariam, sob o pretexto da vinculação incondicional a uma presumida civilização superior, de subjugar os "bárbaros" em nome de um processo civilizatório que, como sabemos pelo balanço histórico das colonizações, estranhamente jamais se completa.  É preciso alijá-los de todo e qualquer poder efetivo.     
                                   
                      









    

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