quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

A Coluna Prestes: explicando o óbvio a direitistas ensandecidos



        
         Há cerca de nove meses, o cantor Lobão, convertido em estrela da direita politicamente incorreta, concedeu uma entrevista à Folha de São Paulo, com o evidente objetivo de promover um livro que publicara.  Entre diversas declarações histriônicas,  pelo menos uma fez do entrevistado alvo inevitável da chacota de milhares de pessoas:

"O estopim, a causa da ditadura militar foram eles [os comunistas].  Desde 1935, desde a Coluna Prestes, começaram a dar golpes de Estado".

(Ver http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/05/1271788-tudo-passa-na-lei-rouanet-diz-lobao-em-entrevista.shtml)

         Embora Luís Carlos Prestes, que deu nome àquele movimento, seja a figura mais emblemática do comunismo no Brasil, qualquer aluno concluinte do Ensino Médio que esteja razoavelmente preparado para a disputa de vagas universitárias sabe que o capitão revolucionário só entrou em contato com a teoria marxista durante seu período de exílio na Bolívia, após a dissolução da Coluna.  Porém, com alguma dose de espanto, acabo de constatar que a "versão histórica" divulgada por Lobão é compartilhada pelos redatores de diversas páginas políticas da Internet.    

     O Portal Piancó, editado por seguidores do senador Cássio Cunha Lima (PSDB), nos "informa" que a Coluna Prestes tinha a finalidade de servir como uma espécie de trampolim para uma "revolução marxista".   

http://www.portalpianco.com/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=2342:9-de-fevereiro-de-1926-passagem-da-coluna-prestes-pelo-municipio-de-pianco&catid=34:noticiaspianco&Itemid=64


Passando por dois governos, um em sua formação Artur Bernardes (1922 – 1926) e outro na sua extinção, 

 Washington Luiz (1926 – 1930), mataram por volta de 600 soldados e sofreram perda de 70 oficiais 


guerrilheiros; Tentavam atrair a atenção do governo para que pudessem surgir outros focos revolucionários 


nos grandes centros; começando a desordem para depois eclodir o movimento maior, uma revolução 


marxista




      Opinião semelhante é manifestada por James Leite Pinto Seixas, que publica um Portal 

Militar sob o codinome Beyler. 


http://www.militar.com.br/modules.php?name=Artigo&file=display&jid=1767#.Uv6p7_ldV7M




      A Coluna Prestes, numa tentativa de arregimentar camponeses para a causa comunista da época, embrenhou-se pelo interior do país percorrendo cerca de 36 mil quilômetros sob o comando de Luis Carlos Prestes, ex-integrante do movimento denominado Tenentismo, convertido ao comunismo. Se nunca foi derrotada, jamais conheceu a vitória. A Coluna Prestes usava a tática conhecida nos meios militares, como "despistamento" e consistia em evitar o confronto direto com as tropas contrárias. Por isso era considerada "invencível."


     Um articulista da direita católica, escrevendo para site inspirado na ação de Plínio Corrêa de Oliveira, fundador da TFP, classifica passionalmente os integrantes da Coluna Prestes como "um bando de comunistas!

http://www.catolicismo.com.br/materia/materia.cfm?IDmat=B5343852-CC49-1333-56D8939AE09E8DC4&mes=Agosto1999

Os “heróis” da Coluna Prestes, recebidos com festas, fogos e música pelas populações das cidades por onde passavam, como se tentou impingir goela a dentro à opinião pública nacional, já vão sendo desmitificados. E era bem tempo.  Na verdade, tratou-se de um bando de comunistas que aterrorizavam nossos pacatos habitantes do interior, de modo não muito diferente do que fazem hoje os guerrilheiros colombianos ou os invasores profissionais do MST. 

Para Caio César Mancin, colaborador da página "contraprestes" (http://contraprestes3bn.blogspot.com.br/), tanto Luís Carlos Prestes quanto o general Miguel Costa já estavam decididos a implantar o comunismo na época da formação da Coluna. 

       É sabido que o presidente Artur Bernardes está, junto de sua base governista, lutando contra as mazelas geradas pelos protestos anarquistas, deliberadamente liderados pelo guerrilheiro Luís Carlos Prestes e por seu comparsa, o igualmente comunista Miguel Costa. Há algum tempo, Prestes e seus discursos soviéticos foram a causa da ação ilegal que culminou na ruptura do Anel de Ferro, acabou derrotado na cidade paranaense de São Luiz Gonzaga e, vencido, o guerrilheiro se refugiou na região da Foz do Iguaçu. Mas, recentemente, soube-se que Prestes e Costa estão montando e treinando um exército de comunistas em seu antro de ideologia leninista, este integrado por guerrilheiros gaúchos e paulistas.



A esta altura, portanto, não resta mais dúvida de que a tese da "Coluna comunista", embora estapafúrdia, deve ser desmentida, no mínimo para o bem das crianças e adolescentes que navegam pela Internet. O historiador norte-americano Neill Macaulay, que estudou o tema com profundidade, enquadra a Coluna Prestes no campo do liberalismo.

         Consideradas realizações apenas em termos de sobrevivência, a Coluna Prestes deveria ficar bem abaixo do bando de Lampião que só foi vencido em 1938.  Contudo, a população dos centros urbanos do Brasil foi bastante correta, pagando elevado tributo a esses jovens instruídos que sacrificaram o conforto da civilização para fazerem demonstrações em prol da honra militar e da democracia liberal num ambiente áspero e pouco receptivo. (Ver A coluna Prestes.  Rio de Janeiro; São Paulo: Difel, 1977, p. 229) 

            
      Boris Fausto, especialista em Brasil República, destaca a indefinição ideológica do Tenentismo, tendência à qual se filiavam os revolucionários militares dos anos 1920.  O autor não deixa de apontar as diretrizes elitistas daqueles homens, bem como seu nacionalismo, certamente incompatível com o internacionalismo proletário. 

            De qualquer forma, a restrição da fala é um indício forte de que, nos anos 20, eles [os tenentes] não tinham uma proposta clara de reformulação política.  No fundo, pretendiam dotar o país de um poder centralizado, com o objetivo de educar o povo e seguir uma política vagamente nacionalista.  Tratava-se de reconstruir o Estado para reconstruir a nação.  O grande mal das oligarquias- pensavam eles- consistia na fragmentação do Brasil, na sua transformação "em vinte feudos" cujos senhores são escolhidos pela política dominante.  Embora não chegassem a formular um programa antiliberal, os "tenentes" não acreditavam que o "liberalismo autêntico" fosse o caminho para a recuperação do pais.  Faziam restrições às eleições diretas, ao sufrágio universal, insinuando a crença em uma via autoritária para a reforma do Estado e da sociedade. (História do Brasil.  São Paulo: Edusp, 1998, p. 314).   


          Outro brasilianista,  Thomas Skidmore, exprime opinião semelhante à de Fausto:  aos tenentes, ainda formados a partir de referenciais positivistas, faltava uma "base ideológica clara".  

            Durante o final do Império, os militares menos graduados tinham sido influenciados pelas novas doutrinas do republicanismo e positivismo. Na década de 1920, mostravam uma influência intelectual semelhante, mas menos focalizada.  Eles haviam sido contaminados pela crescente onda de desilusão com a República, embora não houvesse base ideológica clara para essa insatisfação.  Por trás de tudo estava a percepção generalizada de que o Brasil fracassara em sua luta pela modernidade.  Eles queriam um governo central forte que unificasse o país e pusesse fim aos "políticos profissionais que enriqueciam às expensas públicas" bem como uma legislação social progressista com um salário mínimo e uma legislação do trabalho infantil. (Uma História do Brasil.  São Paulo: Paz e Terra, 1998, p. 147)  

              
         Mesmo sem o recurso às obras acadêmicas, podemos salientar o disparate que é presumir qualquer simpatia pelo marxismo em ex-integrantes da Coluna Prestes como: João Alberto Lins de Barros, interventor do estado de São Paulo durante o governo provisório de Getúlio Vargas; Juarez Távora, candidato dos setores políticos mais conservadores nas eleições presidenciais de 1955; Oswaldo Cordeiro de Farias, futuro comandante da Escola Superior de Guerra (ESG).  Os dois últimos, aliás, ocuparam ministérios no regime ditatorial instalado em 1964.
          Os discursos aberrantes que apresentei no começo desta matéria não são apenas produtos da ignorância de seus autores. Eles se integram ao contexto mais amplo de uma direita psicologicamente desequilibrada, mas extremamente ativa na Internet, empenhada em atribuir todas as mazelas planetárias a um espantalho onipresente denominado "comunismo", ao qual podem ser associados, em certos casos, até ferrenhos anticomunistas que venham a discordar de algum tópico da agenda ultraconservadora.  Infelizmente, conseguem formar opinião e mobilizar, quase sempre através do recurso ao medo, pessoas que nada tem a ganhar com a manutenção do status quo.
          Antecipo desculpas pela larga repetição de obviedades.        
                      


  

7 comentários:

  1. http://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&id=JJEJAQAAIAAJ&dq=inauthor:%22Lourenço+Moreira+Lima%22&q=Marx

    O link acima é direto a trecho do livro A coluna Prestes: análise e depoimentos


    Nelson Werneck Sodré
    Civilização Brasileira, 1978 - 119 páginas

    E lá tem a fala de Prestes. O democrata, defensor dos direitos humanos, coloca q já tinha contato com Marx. Sem profundidade, mas já tinha contato.

    O outro não estar certo não significa que o inverso esteja.

    Já existia socialismo no Brasil e alguém da elite como Prestes sabia do que se tratava.

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    1. ???

      A citação completa é esta:

      "Isso devido à evolução do meu próprio pensamento, depois que emigrei para a Bolívia. Lá estive durante um ano, onde tomei conhecimento de alguma literatura marxista. Amigos de São Paulo e do Rio mandavam-me livros, inclusive o Manifesto Comunista, coletâneas de Lênin e muita literatura brasileira que me permitia compreender a realidade do País do qual estava afastado. A leitura desses documentos, principalmente do Manifesto Comunista, já havia despertado minha atenção para a análise da realidade que eu havia conhecido durante a marcha da Coluna e para a solução do problema. Depois, desloquei-me para a Argentina, onde mantive contato com o Partido Comunista e li obras de Marx, inclusive
      O Capital, além de outras obras de Lênin. Devo dizer, ainda,que, na Bolívia, tive o primeiro contato oficial com o Partido Comunista".

      O texto deixa claro que Prestes começou a ler Marx na Bolívia, já exilado após o fim da Coluna. Todo brasileiro que lesse jornais, em 1925 ou 1927, teria alguma ideia sobre socialismo, o que não significa que simpatizasse ou aderisse ao projeto. O enquadramento de Prestes como membro da elite também é problemático, sendo ele um oficial de baixa patente, filho de uma viúva de poucos recursos. A não ser que se adote um conceito bastante elástico de elite, abarcando qualquer pessoa que se destaque em qualquer atividade.

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Gustavo, muito obrigado por esse e pelos demais posts. Excelente fonte de informação!

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  3. Não entendi seu argumento. Não é justamente Marx que prega a total indissociabilidade entre toria e prática?
    E lá não está Prestes dizendo que as leituras de Marx lhe deram a solução para o problema cuja realidade ele já conhecia?
    E não é que a teoria marxista difere da teoria liberal - e das teorias conservadoras em geral - não apenas nas soluções apontadas, mas na própria caracterização do problema? A ponto de se poder dizer que o que é problema para uma, para a outra é solução e vice e versa?
    E se, com efeito, a Coluna Prestes não era auto-declarada ou mesmo conscientemente marxista, isso parece não a ter impedido de ser revolucionária, não é mesmo?
    E mesmo com essas diferenças patentes entre marxsismo e liberalismo, você, como um crítico contumaz de Olavo de Carvalho (que é hoje, aliás, mentor intelectual de Lobão), sabe bem que o filósofo coloca essas duas teorias lado a lado no grande campo das tradições revolucionárias, não sabe?
    Logo, o fato de a Coluna não ter sido marxista tout court não é nenhum impeditivo para ela ter sido, como de fato foi, comunista na prática. Do contrário, praticamente nenhum membro do PCdoB, só para dar um exemplo atual, seria comunista. Isso porque mesmo com a enxurrada (by Gramsci) da influência marxista em todos os campos da vida social hoje, chegando às raias da onipresença, quase ninguém realmente teve o contato que Prestes um dia finalmente teve com a fonte primária das idéias que, então, já há muito já praticava.
    Abçs, A. Flandres.

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    1. Tentarei, então, ser mais claro. Prestes passou a ver a teoria marxista como solução DEPOIS DO FIM DO MOVIMENTO CONHECIDO COMO COLUNA PRESTES. Foi principalmente isto o que eu quis ressaltar, quando alguns lunáticos dizem que a Coluna era comunista.
      A correspondência que você estabelece entre revolução e marxismo é extremamente forçada. Para ficar em um único exemplo, todos os processos de independência da América Latina podem ser vistos como revolucionários, e nem com toda a imaginação do mundo alguém apontaria comunismo em qualquer um deles.
      O paralelo entre comunismo e liberalismo é ainda pior, se constatarmos que os propósitos de cada um são opostos em praticamente tudo. O liberalismo foi, de fato, revolucionário até uma certa altura do século XIX, mas após a consolidação do poder da burguesia, ao menos nos países já industrializados, compôs com a velha aristocracia sem maiores problemas.
      Para finalizar, diria que a sua afirmativa de que "a Coluna foi comunista na prática" só poderia ser levada a sério se existissem, no mínimo, documentos da cúpula do movimento que propusessem a socialização dos meios de produção, a expropriação dos latifundiários e dos industriais, o governo do proletariado ou a construção de uma sociedade sem classes. Na medida em que os tenentes revolucionários tendiam ao reformismo, às ideias de "moralização" da sociedade preexistente, no máximo, se vitoriosos, empreenderiam uma revolução burguesa, que até traria, levando-se em consideração a brutalidade das relações sociais vigentes, alguns elementos de avanço.

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  4. Ótimo texto. Não surpreende que direitosos afirmem que a Coluna Prestes era comunista: eles afirmam que Hitler foi marxista! Obrigado pela elucidação de mais uma pérola da direita. (Ivanor de Souza)

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