terça-feira, 28 de outubro de 2014

Um pouco sobre as "culpas dos nordestinos"



        Tão logo o país tomou ciência da reeleição de Dilma Rousseff, começou a se repetir, em escala ampliada, um fato lamentável já verificado desde a divulgação das primeiras pesquisas de opinião sobre a eleição presidencial: manifestações escancaradas de preconceito contra nordestinos e (secundariamente) nortistas.  Tanto nas ruas de cidades das demais regiões, quanto (principalmente) na Internet, pudemos assistir ao espetáculo de natureza fascistoide de milhares de criaturas enraivecidas que cuspiam (e permanecem cuspindo) impropérios contra os "atrasados", "ignorantes" e "parasitas" que teriam impedido a vitória de uma modernidade (para lá de duvidosa) representada pela candidatura do playboy tucano.  
       Os clichês negativos associados aos nordestinos são tão velhos, no mínimo, quanto a existência do Brasil como Estado nacional, quando todas as terras acima do Espírito Santo eram classificadas como "O Norte".  Eles incorporam, em boa parte, a discriminação de viés socioeconômico, na medida em que os naturais do Nordeste são identificados com segmentos da população que se dedicam, no Sudeste e no Sul, a serviços não especializados ou mesmo informais; por outro lado, há neste fenômeno uma inegável vertente racista.  O homem nordestino, conforme um lugar comum muito difundido, seria o "brasileiro típico", um "não branco genérico", descendente em proporções indistinguíveis de portugueses, africanos e índios, portador dos defeitos que outros lugares comuns, construídos ao longo de séculos, imputaram aos mestiços dos mais variados tipos.
       O preconceito contra o Nordeste, sem dúvida, é irmão gêmeo univitelino do espírito de colonizado.  Repudiar o nordestino, apontá-lo como inferior, querer segregá-lo em guetos ou "deportá-lo" para o lugar de onde veio, são formas mais ou menos conscientes de renegar a própria brasilidade, contrapondo a ela o sentimento de pertencer a um Primeiro Mundo idealizado.  Interrompo aqui, porém, minhas considerações sociológicas.  Mais importante do que isto é apresentar aos descerebrados que perdem seu tempo amaldiçoando as próximas dez gerações de "paraíbas" e "baianos" um conjunto de dados reais, resultante da apuração das urnas em 26 de outubro:                 


.Em Divinópolis (MG, 152.058 eleitores inscritos, 126.734 votos válidos), Dilma Rousseff teve 55,49% dos votos válidos.
.Em Betim (MG, 267.320 eleitores, 208.312 votos válidos), Dilma teve 56,21%.
.Em Juiz de Fora (MG, 392.216 eleitores, 294.485 votos válidos), Dilma teve 63,34%.
.Em Ribeirão das Neves (MG, 185.431 eleitores, 141.242 votos válidos), Dilma teve 54,97%.
.Em Montes Claros (MG, 254.845 eleitores, 200.043 votos válidos), Dilma teve 62,05%.
.Em Ibirité (MG, 104.659 eleitores, 81.157 votos válidos), Dilma teve 60,62%.
.Na cidade histórica de Ouro Preto (MG, 58.347 eleitores, 44.914 votos válidos), Dilma teve 60,62%. 
.Em Patos de Minas (MG, 105.064 eleitores, 79.403 votos válidos), Dilma teve 50,70%.  
.Em Uberaba (MG, 218.859 eleitores, 166.964 votos válidos), Dilma teve 57,60%.
.Em Barbacena (MG, 96.392 eleitores, 73.971 votos válidos), Dilma teve 64,13%. 
.Em Uberlândia (MG, 462.387 eleitores, 355.878 votos válidos), Dilma teve 56,49%.
.Em Teófilo Ottoni (MG, 102.769 eleitores, 71.168 votos válidos), Dilma teve 57,51%.
.Na cidade universitária de Viçosa (MG, 54.674 eleitores, 41.696 votos válidos), Dilma teve 66,77%.
.Em Diadema (SP, 324.890 eleitores, 244.095 votos válidos), Dilma teve 53,85%.
.Em Hortolândia (SP, 138.585 eleitores, 103.590 votos válidos), Dilma teve 56,69%.
.Em Ferraz de Vasconcelos (SP, 120.731 eleitores, 88.323 votos válidos), Dilma teve 51,13%.
.Em Francisco Morato (SP, 112.572 eleitores, 81.426 votos válidos), Dilma teve 59,35%. 
.Em Itapevi (SP, 143.098 eleitores, 106.043 votos válidos), Dilma teve 55,73%.
.Em Itaquaquecetuba (SP, 213.849 eleitores, 158.410 votos válidos), Dilma teve 52,81%.
.Em Cubatão (SP, 95.161 eleitores, 71.202 votos válidos), Dilma teve 55,45%. 
.Em Serra (ES, 288.867 eleitores, 212.821 votos válidos), Dilma teve 55,36%.
.Em Cariacica (ES, 250.818 eleitores, 189.309 votos válidos), Dilma teve 53,49%.  
.Em Campos dos Goytacazes (RJ, 354.630 eleitores, 237.048 votos válidos), Dilma teve 54,67%.
.Em Volta Redonda (RJ, 220.895 eleitores, 161.447 votos válidos), Dilma teve 55,81%. 
.Em Nova Iguaçu (RJ, 573.714 eleitores, 384.432 votos válidos), Dilma teve 63,87%.
.Em Duque de Caxias (RJ, 620.477 eleitores, 420.217 votos válidos), Dilma teve 69,06%.
.Em Barra Mansa (RJ, 132.298 eleitores, 96.692 votos válidos), Dilma teve 55,32%.
.Em Belford Roxo (RJ, 319.962 eleitores, 217.464 votos válidos), Dilma teve 74,82%.
.Em Itaboraí (RJ, 164.992 eleitores, 114.112 votos válidos), Dilma teve 72,61%.
.Em Macaé (RJ, 150.802 eleitores, 96.515 votos válidos), Dilma teve 57,21%.
.Em Magé (RJ, 172.917 eleitores, 116.164 votos válidos), Dilma teve 65,60%.
.No município do Rio de Janeiro (4.832.846 eleitores, 3.201.055 votos válidos), Dilma teve 50,79%.
.Em São Gonçalo (RJ, 678.229 eleitores, 454.760 votos válidos), Dilma teve 68,03%.
.Em São João de Meriti (RJ, 364.099 eleitores, 240.341 votos válidos), Dilma teve 65,99%. 
.Em Nilópolis (RJ, 129.561 eleitores, 92.321 votos válidos), Dilma teve 61,34%.
.Em Rio Grande (RS, 151.561 eleitores, 114.348 votos válidos), Dilma teve 65,52%.
.Em São Leopoldo (RS, 162.652 eleitores, 125.348 votos válidos), Dilma teve 51,68%.
.Em Alvorada (RS, 141.929 eleitores, 104.186 votos válidos), Dilma teve 50,67%.
.Em Canoas (RS, 238.835 eleitores, 189.769 votos válidos), Dilma teve 52,02%.
.Em Viamão (RS, 166.973 eleitores, 123.957 votos válidos), Dilma teve 52,69%.
.Em Sapucaia do Sul (RS, 102.964 eleitores, 79.972 votos válidos), Dilma teve 60,63%.
.Em Pelotas (RS, 253.200 eleitores, 190.192 votos válidos), Dilma teve 54,62%.
.Em Várzea Grande, segundo município mais populoso de Mato Grosso (180.173 eleitores, 136.414 votos válidos), Dilma teve 58,52%.
.Em Corumbá (MS, 69.936 eleitores, 49.022 votos válidos), Dilma teve 56,35%.
.Em Águas Lindas de Goiás (GO, 77.611 eleitores, 56.654 votos válidos), Dilma teve 59,17%.
.Em Valparaíso de Goiás (GO, 72.911 eleitores, 53.905 votos válidos), Dilma teve 53,30%. 


         Esta amostra, à qual ainda poderíamos acrescentar um número expressivo de cidades médias e centros prósperos e/ou dotados de universidades, deixa claro que o triunfo de Dilma não se explica pelo "voto de cabresto dos nordestinos dependentes do Bolsa-Família" ou coisa que o valha.  Assim como a candidatura derrotada do PSDB, a aliança governista comportou uma vasta coalizão de interesses e ideias, à qual aderiram, em regra, os eleitores que desejam menos desigualdade, mais inclusão social, em todas as partes do Brasil. Atrasados e ignorantes, digo sem usar aspas, são os que tentam descarregar suas frustrações realimentando preconceitos ancestrais.    

Um comentário:

  1. Gustavo, seu blog é leitura obrigatória para mim! Parabéns por essa análise excelente!

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