sábado, 12 de maio de 2012

Devassando o imperialismo (III)



A prática do domínio imperialista exige, como fator de segurança, a opressão cultural e a tentativa de liquidação, direta ou indireta, dos dados essenciais da cultura do povo dominado.  Mas este só pode criar e desenvolver o movimento de libertação por guardar bem viva a sua cultura, apesar da repressão permanente e organizada da sua vida cultural.

(Amílcar Cabral (1924-1973), líder revolucionário e secretário-geral do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde- PAIGC.  Citado em COMITINI, Carlos/org.  Amílcar Cabral: a arma da teoria.  Rio de Janeiro: Codecri, 1980, p. 75)

               Visualizamos nos posts anteriores uma pequena fração dos massacres cometidos pelas potências imperialistas para estabelecer o domínio colonial e a intensa exploração econômica a que eram submetidos, em regra, os colonizados.  Observemos hoje o fracasso das políticas assimilacionistas.  Longe de elevar as populações dominadas aos níveis de instrução, bem estar material e participação política verificados nas respectivas metrópoles, os colonialistas tendiam a construir sociedades marcadas por forte segregação étnica, concedendo escassos direitos aos "nativos" tidos como integrados à cultura metropolitana e tratando os demais, sempre majoritários, como uma mera reserva de mão de obra barata, a ser reprimida pelas armas ao menor sinal de insubordinação.
                A longa ocupação da Argélia pela França constitui um ótimo exemplo.  Os colonos franceses, no decorrer de um século, adquiriram progressivamente o controle de boa parte das áreas cultiváveis, em um país que tem a maior parcela de seu território coberta pelo deserto.  Embora fossem tratados como não-cidadãos, os argelinos, lutando ao lado das tropas metropolitanas, sofreram pesadas perdas durante a Segunda Guerra Mundial.            


         Mesmo com todos os sacrifícios impostos à ampla maioria de origem árabe, o governo francês lhe negava, na quase totalidade, os direitos políticos¹.


          O quadro apresentado se repetia na região subsaariana sob administração francesa.  Homens de diversas áreas da África Ocidental e Central se viam submetidos, aos milhares, a um regime de trabalho forçado que não excluía os castigos físicos, nas obras de infra-estrutura de interesse da colonização.  A taxa de mortalidade era quase inacreditável.    


             Entretanto, os súditos africanos da França, por mais que aderissem, eventualmente, à cultura francesa, não recebiam o direito de voto, mas continuavam sujeitos a um código penal que criminalizava qualquer gesto de resistência². 


       Nas Índias Orientais, os cultos holandeses mantiveram, durante gerações, os indonésios no analfabetismo.  Em pleno início do século XX, a colônia, a exemplo do Brasil sob D. João VI, cem anos antes, não possuía uma única universidade.  Os raros indonésios que detinham recursos suficientes para se graduar na Holanda, ainda que qualificados, nem por isto recebiam um tratamento igualitário em sua própria terra.    


        O simulacro de Parlamento que ali existia não possuía poder decisório.  Mesmo assim, os poucos   holandeses que habitavam as ilhas contavam com uma representação grosseiramente exagerada³. 


        Identificamos um quadro idêntico nas províncias ultramarinas de Portugal, com o agravante da pobreza do colonizador.  Além da permanência do trabalho compulsório, admitindo-se a possibilidade de venda formal da mão de obra para a África do Sul, é visível o insucesso da política assimilacionista, denominada indigenato.  Pouquíssimas pessoas de origem africana obtinham acesso ou se interessavam em reunir os atributos necessários à aquisição da cidadania portuguesa4.      


         As mazelas causadas pelo imperialismo japonês se assemelharam às de seus antecessores ocidentais.  Apesar dos investimentos estruturais feitos na península coreana, poucas linhas são suficientes para demonstrar que não havia limites no que se referia ao dever da colônia de suprir a metrópole.  O desvio progressivo da produção local de arroz para o Japão intensificou a miséria no período entre as duas grandes guerras.      


           Também na Coreia se verificou um dos processos mais tenebrosos entre os relacionados ao imperialismo.  Souyri nos revela que o rapto e a exploração sexual das coreanas não foi, como a mídia televisiva habitualmente dá a entender, uma circunstância anômala da Segunda Guerra Mundial, e sim uma política  de longo prazo, incentivada pelo Estado e aplicada desde os anos 1930.  O total de vítimas excedeu a 140 mil [5].   



           A retomada da crítica ao imperialismo, sobretudo quando associado à  invasão territorial, sempre é conveniente.  Não é difícil encontrar brasileiros mentecaptos que constroem fantasias no estilo "como seria bom se fôssemos recolonizados por povos do Primeiro Mundo!". A descendência ideológica dos ferozes colonialistas do século XIX e da maior parte do XX está representada, por exemplo, nas lideranças militares da OTAN e nas alas mais beligerantes do Partido Republicano dos EUA, ainda que seus discursos e métodos, obviamente, não sejam mais os mesmos.       



1- Ver Mustafá Yazbek.  Argélia: a guerra e a independência.  São Paulo: Brasiliense, 1983, pp. 21 a 25.
2- Cf. Jean Suret-Canale.  A África Negra sob a colonização francesa.  In: O livro negro do capitalismo/org. Gilles Perrault.  Rio de Janeiro: Record, 2000, pp. 228 a 230. 
3- Ver Thomas Beaufils.  O colonialismo nas Índias Holandesas.  In: O livro negro do colonialismo/org. Marc Ferro.  Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, pp. 287/288.
4- Ver Lincoln Secco.  A Revolução dos Cravos e a crise do império colonial português: economias, espaços e tomadas de consciência.  São Paulo: Alameda, 2004, pp. 72/73. 
5- Ver Pierre-François Souyri.  A colonização japonesa: um colonialismo moderno, mas não-ocidental. In: O livro negro do colonialismo/org. Marc Ferro.  Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, pp. 473, 474 e 482.  






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