quinta-feira, 10 de maio de 2012

Devassando o imperialismo

"Nós cremos que há raças, decadentes ou atrasadas, como se queira, em relação às quais perfilhamos o dever de chamá-las à civilização".

(António de Oliveira Salazar (1889-1970), ditador português, em entrevista ao jornal francês Le Figaro no ano de 1960- citado em Luís Reis Torgal. O Estado Novo, salazarismo, fascismo e Europa. In: História de Portugal/org. José Tengarrinha. Bauru: Edusc; São Paulo: UNESP; Portugal: Instituto Camões, 2001, p. 402)

              A citação que abre esta matéria é um eco bastante tardio do apelo ao ideal civilizatório como justificativa para o imperialismo, que acompanhou, especialmente, o expansionismo europeu nos continentes africano e asiático na segunda metade do século XIX.
              Os colonialistas britânicos, em particular, difundiram a noção do "fardo do homem branco", cuja dominação sobre os povos ultramarinos implicaria na missão de encaminhá-los na direção de uma cultura superior.  Este processo "educativo", no entanto, não presumia uma integração plena à sociedade dos colonizadores.  Mesmo progredindo através do contato com a ciência e a técnica da Europa, os colonizados permaneceriam à distância, em posição de subalternidade.  Compartilhavam desta visão, em geral, os formadores de opinião nos demais países que possuíram colônias, ainda que, no caso francês, a fidelidade ao pensamento republicano tenha impedido certos homens de exprimir em público sua crença na inferioridade das populações nativas¹. 
                 As alegadas boas intenções não se sustentam após uma breve investigação focada nas regiões em que a expansão encontrou resistência militar.  Uma geração após a invasão da Argélia, percebe-se que a minoria francesa tinha se apossado do controle da economia, ocupando as melhores áreas de cultivo e as principais cidades.  Enquanto isso, os árabes e berberes nativos do país, submetidos a pesadas baixas pela guerra de conquista e por epidemias, eram também as principais vítimas das eventuais quebras de safra. Seu número havia diminuído entre as décadas de 1830 e 1860².         



             O estabelecimento do controle holandês sobre as ilhas que hoje compõem a Indonésia foi, igualmente, um processo caracterizado por extrema brutalidade.  Somente na região de Atjeh (Aceh segundo a grafia moderna), combates que se estenderam até o início do século XX resultaram em cerca de oitenta mil mortes, em sua esmagadora maioria entre os habitantes de Sumatra.  Em outras áreas da ilha, que resistiram aos invasores até 1907, ocorreram massacres indiscriminados de civis, nos quais a atuação dos militares holandeses faz lembrar a postura dos torturadores americanos da prisão de Abu Ghraib, no Iraque, quase cem anos mais tarde³.





                   No imenso Congo, transformado no final do século XIX em propriedade do rei da Bélgica Leopoldo II, nem a instalação de missões religiosas impediu que a mão de obra local fosse submetida a regimes de trabalho análogos à escravidão.  Os congoleses, obrigados a pagar impostos à metrópole, sofriam também confisco de terras.  Quando a situação se tornou conhecida na Europa, o Parlamento belga se viu na contingência de "estatizar" a colônia, apesar da ira do monarca escravagista4.   



             Os territórios que atualmente formam a Namíbia, por sua vez, sentiram o impacto do imperialismo na primeira década do século XX.  Os alemães virtualmente dizimaram a população local, primeiro se valendo dos hotentotes (nama) para ajudá-los a chacinar os bantos (herero), depois movendo uma campanha de extermínio contra os próprios hotentotes5.     


            Na África do Sul, os ingleses, depois de esmagar a decidida resistência zulu, generalizaram seu domínio na virada do XIX.  A guerra contra os bôeres, descendentes de holandeses que praticamente mobilizaram todos os homens válidos para a luta, levou os prepostos da Coroa britânica a construir campos de concentração, nos quais morreram mais de 40 mil pessoas, entre bôeres e negros6.     


[continua]
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1 Cf. Marc Ferro.  História das colonizações: das conquistas às independências, séculos XIII ao XX.  São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 39.  
2 Cf. Albert Hourani.  Uma história dos povos árabes.  São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 276. 
3 Ver Thomas Beaufils.  O colonialismo nas Índias holandesas.  In: O livro negro do colonialismo/org. Marc Ferro.  Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, pp. 283/284. 
4 Ver João Carlos Rodrigues.  Pequena história da África Negra.   São Paulo: Globo; Brasília: Secretaria de Cultura da Presidência da República: Biblioteca Nacional, 1990, p. 163. 
5 Idem, p. 175. 
6 Ver H. L. Wesseling.  Dividir para dominar: a partilha da África (1880-1914).  Rio de Janeiro: UFRJ; Revan, 2008, p. 358. 


           
  

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