sexta-feira, 31 de agosto de 2012

História do Rio de Janeiro: Negociantes e política local

Esquema de uma sumaca, um dos tipos de embarcação utilizados no comércio de cabotagem da província do Rio de Janeiro. 


Baía de Sepetiba, estado do Rio de Janeiro


          
       Enquanto a redação do segundo capítulo da minha tese me afasta por mais alguns dias das polêmicas do mundo virtual, trago aos leitores outro texto, que redigi em 2010.   Apresentei esta comunicação na UFS.  Continuo pesquisando e escrevendo sobre os mesmos temas: a política no Segundo Reinado, as correlações de força entre plantadores escravistas e negociantes, a economia do sul fluminense.     



Leia o texto completo em:

http://www.historia.uff.br/estadoepoder/6snepc/GT3/GT3-GUSTAVO.pdf


quinta-feira, 23 de agosto de 2012

História do Rio de Janeiro: a família Cardoso de Itaguaí

                                                Francisco José Cardoso Júnior (1826-1917)

           Durante os últimos dias, intensifiquei o ritmo de escrita da tese de doutorado que pretendo defender no segundo semestre de 2013.  Desta maneira, fiquei praticamente ausente do Blogger por uma semana.  Enquanto esboço novas matérias, apresento aos leitores o link com minha dissertação de mestrado, concluída em 2005.  Atendo assim a diversas indagações sobre a natureza de minhas pesquisas.  Em outras ocasiões, continuarei a disponibilizar trabalhos expostos em congressos.   

Resumo:

             Este trabalho constitui uma história familiar, ambientada na classe senhorial do Império do Brasil.  Nossas pesquisas foram centradas na ação de Francisco José Cardoso, negociante nascido em Portugal que, a partir da segunda metade da década de 1830, estabeleceu um sólido controle econômico e político-eleitoral sobre a vila fluminense de Itaguaí.
           A ascensão de Cardoso, derivada em grande parte de suas relações pessoais, sobretudo a duradoura aliança com os grupos ideológicos de tendência conservadora presentes na província do Rio de Janeiro, foi consolidada, a partir de meados do século, pela maioridade de seus descendentes.  Permitindo a seus filhos ter formações superiores diversificadas, concertando para os mesmos casamentos vantajosos no interior da mesma classe, obtendo para seus parentes e aliados nomeações para cargos de prestígio no Estado, ele ampliou seu poderio financeiro e reforçou a dominação local.
               A reconstituição parcial da atuação dos membros da família Cardoso foi empreendida, principalmente, através da observação de numerosos documentos oficiais e textos jornalísticos produzidos ao longo do século XIX.  Neste processo, procuramos confrontar os dados obtidos com as teses mais correntes na historiografia sobre o período monárquico brasileiro, privilegiando as características de autoritarismo e exclusão típicas da sociedade imperial.      

Leia o texto integral em:

http://www.historia.uff.br/stricto/teses/Dissert-2005_MOREIRA_Gustavo_Alves_Cardoso-S.pdf

Abstract:

          This study is a family history set in the dominating class at the time of the Empire of Brazil (19th century).  The research was centered on the role of Francisco José Cardoso, a tradesman born in Portugal who, starting in the late 1830's, established a strong economic, political and electoral grip on the village of Itaguai, in the Rio de Janeiro province. 
          Cardoso's ascent derived mostly from his personal relations, mainly the long-lasting alliance with the ideological groups with conservatives inclinations of Rio de Janeiro province.  This alliance was further consolidated in the middle of the century by his descendants' coming of age.  He extended  his financial power and reinforced local dominance by allowing his sons to get diversified college education, by advantageous marriage arrangements within the dominating class and obtaining nominations for prestigious posts in the government for his relatives and allies.
          The partial reconstitution of the Cardoso family members' actions was performed mainly by consulting the great number of official documents and newspaper articles produced along the 19th century.  In this process, we sought to compare the obtained data to the most accepted theses in historiography about the Brazilian Monarchy Period, pointing out the authoritarian and excluding characteristics typical of the imperial society.

Learn more (in portuguese) in: 











quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Reacionários e seus problemas cognitivos




         O reacionário é essencialmente um tipo humano dirigido pelo medo.  Sobretudo, pelo medo da perda de um status herdado, adquirido ou, em alguns casos, apenas imaginado.  Isto conduz, com frequência, à rápida aceitação das mais estapafúrdias teorias da conspiração e ao voto em figuras caricatas que prometem a manutenção do status quo a qualquer custo, quando não em exterminadores assumidos.    
        Podemos, no Brasil, buscar longínquas raízes desta mentalidade na correspondência pessoal e nas memórias de grandes e pequenos senhores de escravos constantemente sobressaltados por boatos ou notícias verdadeiras sobre insurreições escravas, motins de praças enfurecidos pelo atraso no pagamento do soldo, correrias de capoeiristas, protestos de homens livres pobres contra o abastecimento caro e precário.  Eles temiam tanto sofrer danos materiais quanto ver atingido seu pronto reconhecimento enquanto membros da "boa sociedade".
        A aversão a seu próprio povo, porém, causa graves prejuízos ao reacionário, que termina por se enxergar, parafraseando José Murilo de Carvalho, como parte de uma ilha de civilizados ameaçada pela agitação do mar de bárbaros ao seu redor.  A percepção da realidade fica comprometida ao extremo.  Toda e qualquer mudança social se transforma em elo de uma articulação global maquiavélica cujo resultado será a imposição de uma tirania generalizada dos maus contra os bons.
    Passo a apresentar, com a habitual dose de humor, as distorções cognitivas dos reacionários, através do confronto entre o que ouvem e as interpretações que costumam oferecer.  Não se espantem se determinadas sentenças parecerem excessivamente reais.  Nascido e criado em terra de muitos conservadores irredutíveis, o bairro carioca da Tijuca, em certos casos reproduzo na íntegra falas que me impressionaram em diversas etapas da vida.                   

Afirmativa original: Sou a favor do Estado laico.

O que o reacionário "compreende": Ele quer derrubar as igrejas, incinerar crucifixos e mandar os sacerdotes para campos de concentração.

Afirmativa original: O livro foi escrito na perspectiva dos vencidos.

O que o reacionário "compreende": Hoje em dia os heróis são desprezados e os marginais tratados como heróis.

Afirmativa original: A universidade fez bem em coibir os trotes violentos.

O que o reacionário "compreende": Os jovens estão sendo transformados num bando de bichinhas que não sabem se defender. 

Afirmativa original: Haverá uma nova ofensiva contra a sonegação de impostos.

O que o reacionário "compreende": O empreendedor é visto pelas autoridades como bandido.

Afirmativa original: O analfabetismo de adolescentes nos assentamentos dos sem-terra é praticamente inexistente.

O que o reacionário "compreende": O governo financia o treinamento de milhares de revolucionários doutrinados com cartilhas marxistas, que destruirão a propriedade privada no país.  

Afirmativa original: A Caixa Econômica financiará a construção de um conjunto habitacional para a população de baixa renda.

O que o reacionário "compreende": O governo vai bancar outra favela horizontal.

Afirmativa original: Casais heterossexuais e homossexuais devem ter os mesmos direitos.

O que o reacionário "compreende": Mais um maldito partidário da ditadura gayzista! 

Afirmativa original: O governo precisa investir mais e melhor na escola pública.

O que o reacionário "compreende": Os inocentes úteis querem jogar dinheiro fora construindo prédios e dando computadores para quem não tem vontade de estudar.

Afirmativa original: Homens que espancam as esposas não podem ficar impunes.

O que o reacionário "compreende": O feminismo, definitivamente, pretende castrar todos os machos.

Afirmativa original: O Partido Democrata venceu as eleições na maioria dos estados americanos.

O que o reacionário "compreende": O comunismo avança a passos largos!

Afirmativa original: A sociedade precisa encarar a questão da desigualdade étnica.

O que o reacionário "compreende":  A esquerda quer criar mais privilégios para os negros.

Afirmativa original: Os palestinos têm o direito de constituir um Estado independente.

O que o reacionário "compreende": O amante de terroristas quer exterminar os judeus.

Afirmativa original: Os índios devem ter assegurado o direito de viver como quiserem nas terras que ocupam de fato.

O que o reacionário "compreende": O sujeito quer expulsar o agronegócio de metade do país para manter cem mil pessoas vivendo na Idade da Pedra.

Afirmativa original: Não é aceitável que presos sejam torturados dentro de delegacias.

O que o reacionário "compreende": Outro progressista que defende regalias para bandidos.

Afirmativa original: O Estado não deve limitar sua presença nas favelas à mera repressão ao crime organizado.

O que o reacionário "compreende": A esquerda deseja que os cidadãos de bem paguem por serviços prestados a vagabundos que não recolhem impostos. 

Afirmativa original: O governo norte-americano não pode impor seu modelo político-econômico ao mundo inteiro.

O que o reacionário "compreende": Cada vez há mais fãs do terrorismo islâmico.

Afirmativa original: Fazendeiros que fazem uso de mão de obra escrava devem ser presos e ter as terras confiscadas.

O que o reacionário "compreende": A propriedade privada está mais ameaçada do que nunca.  Tudo agora vai ser rotulado como escravidão.

Afirmativa original: É inadmissível que se fume dentro de ambientes públicos fechados.

O que o reacionário "compreende": Os politicamente corretos querem eliminar todos os direitos individuais.   

Afirmativa original: A cultura dos ciganos merece ser respeitada.

O que o reacionário "compreende": Todas as minorias têm seus defensores, menos os novos párias que são os homens brancos de classe média, conservadores e heterossexuais. 

Afirmativa original: A direita mais uma vez se agrupa em torno da candidatura do PSDB.

O que o reacionário "compreende":  Outra eleição em que só existem candidatos de esquerda. 







terça-feira, 14 de agosto de 2012

A face do retrocesso: direitistas na Câmara dos Deputados

         
                




         A matéria de hoje bem poderia receber o título de Outros dez motivos para não votar na direita, e dispensa uma introdução excessivamente longa.  Recorrendo aos Anais da Câmara dos Deputados, selecionei, entre incontáveis possibilidades, um conjunto de falas de políticos de vários partidos, que transcrevo com os devidos créditos autorais.  Percebemos, ao longo de três décadas, a continuidade de um discurso que associava a boa convivência social ao conservadorismo, a democracia ao capitalismo e a segurança do país a um alinhamento incondicional com os interesses geopolíticos dos Estados Unidos.  Longe de ter desaparecido, como se queixam os "vitimistas" de direita, esta visão sobrevive, com as necessárias adaptações conjunturais, e merece, mais do que nunca, ser combatida pelas forças populares.            

23 de agosto de 1961
Último de Carvalho (PSD-MG) alerta contra a bolchevização do Brasil promovida por ... Jânio Quadros!

Hoje, a nossa área política é a que combate o governo do Sr. Jânio Quadros no exterior e no interior porque não é possível distinguir-se o Presidente da República em duas áreas de atuação diversas, quando o mundo está colocado em dois grupos ideológicos, Ocidente ou Oriente.  O Sr. Carlos Lacerda, espírito que reconheço devotado à democracia, não poderia continuar naquele barco vermelho em que navega o Presidente da República: rumo ao Oriente.  


12 de maio de 1964
Francelino Pereira (UDN- MG) recrimina Juscelino Kubitschek por se apresentar como candidato à Presidência sem firmar compromisso com o programa golpista em vigor:

Os mineiros- e, também com eles, os brasileiros- estão a lamentar a ausência de um gesto à altura do momento por parte do seu não menos ilustre coestaduano, o ex-presidente Juscelino Kubitschek: Sua Exa. prossegue em sua faina de ser candidato sem que defina antes objetivos da revolução vitoriosa e das forças vencidas e vencedoras.  Como se sabe, a revolução veio alterar profundamente as perspectivas do quadro sucessório brasileiro.  As candidaturas anteriormente anunciadas por iniciativa dos próprios candidatos, refletindo ou não inspirações partidárias, já não podem ser consideradas sob os mesmos interesses e sob as mesmas inspirações.  Após a revolução, as circunstâncias estão a exigir novo comportamento das lideranças políticas.  Impatriótico e temerário será qualquer candidato, em suposto nome desta ou daquela agremiação partidária, e, sobretudo de suas próprias ambições, pretender impor o seu nome à sucessão presidencial, sem definição e a qualquer preço.  Fez-se uma revolução e ela é que legitimou, em nome da nação brasileira, os atuais mandatos legislativos.  Não se há, pois, de compreender que não haja daqui por diante correção nos métodos e processos de escolha de candidatos.  Não se há de compreender que se prossiga ao mesmo estilo político, uns na linha dos objetivos da revolução, outros ainda silenciosos, mas desejosos- todos o sabemos- de disputar o próximo pleito com bandeiras opostas a esta mesma revolução, quando é certo que contra ela não se pronunciaram para não se pronunciarem a seu favor.



21 de março de 1975
Jorge Arbage (ARENA-PA), endossa e lê no plenário artigo de jurista que criava uma perspectiva apocalíptica em torno da possível aprovação de uma lei do divórcio:

Implante-se o divórcio, no Brasil, e seus frutos serão amargos.  Não se trata de espírito conservador, inadequado ao tempo, mas sim a resistência a um presumido bem, que só mal nos trará.  Fazer um segundo casamento legal, ou terceiro e um quarto, numa sociedade ainda em formação como a nossa, implicaria em dissolver a família, em liquidar o patrimônio que protege e ampara o casal e seus filhos e todos nós seríamos arrastados a esse abismo legalizado.  Triste a condição do homem que altera a boa estrutura que ele mesmo criou, para trocá-la por outra com base na anarquia social.  O povo despreparado e crédulo não tem condições para decidir sobre assunto de tal natureza.   


1º de abril de 1975
Luiz Rocha (ARENA-MA) apresenta a ditadura como salvadora da vida parlamentar no país:

O orador que nos antecedeu verberou contra a não participação do jovem na vida pública. Ao contrário, desejamos dizer que a nossa presença nesta tribuna é uma afirmação de que a juventude tem tido oportunidades, o que não ocorria antes de 1964. Não fora a Revolução de 1964, não teríamos assegurada a nossa voz, a nossa presença nesta Casa do Parlamento.

25 de abril de 1984
Siqueira Campos (PDS- GO) define o voto por eleições diretas como golpe contra as instituições democráticas:

Sr. Presidente, Srs. Deputados, a hora é de definição, de marcar posição em favor ou contra a liberdade, a democracia. É hora de definir responsabilidades: quem for democrata que lute e vote pela manutenção dos critérios instituídos pelas urnas livres de 15 de novembro de 1982; quem for pelo golpe, quem for contra a estabilidade das instituições democráticas, quem for contra o povo, que vote pela aprovação da chamada Emenda Dante de Oliveira.


27 de abril de 1984
Assis Canuto (PDS- RO) louva o seu partido por ter bloqueado a aprovação das eleições diretas para presidente:
A coragem e a convicção dos Deputados do PDS, em rejeitar a Emenda Constitucional n. 5, que restabelecia eleições diretas para Presidente da República, e o comportamento ordeiro do povo brasileiro são fatos relevantes que o Governo deve levar na devida conta.  Na realidade, os políticos e o povo deram uma demonstração de que sabem o que querem, e ao Governo não será lícito desconhecer estas razões. Mais do que a derrota da Emenda, mais importante foi a maneira com que todos os segmentos da sociedade absorveram os resultados, oferecendo àqueles (tanto radicais de direita como de esquerda) que esperavam reações turbulentas para atingirem objetivos escusos e inconfessáveis, uma lição cívica de doer o coração. Acabrunhados e frustrados, retornaram à faina de seus afazeres diários, resignados, mas não derrotados, e aguardam uma resposta satisfatória do Governo. A Nação clama pelas reformas tão necessárias a recondução do País à trilha da normalidade política, e ao PDS está reservado um papel de ser o grande veículo partidário para esta retomada de rumos.


15 de março de 1988
Antônio Ueno (PFL- PR) tenta convencer a Constituinte que a demarcação das terras indígenas poderia inviabilizar o capitalismo:

Não há dúvida de que a Constituição que estamos elaborando e que dentro de mais alguns dias será promulgada deve prever a proteção de terras indígenas, de modo a preservar os costumes, a cultura e a forma de vida dos silvícolas. Entretanto, entendemos que da forma emocional como vem sendo tratado o problema, desde o início dos trabalhos, corremos o risco de abolir a iniciativa privada de nosso País. Sabemos que todo o território nacional esteve por algum tempo na posse do índio. Isso não significa que, em consequência, tenhamos que desenvolvê-lo agora.



14 de junho de 1988
Nilson Gibson (PMDB-PE) propõe uma articulação militar pró-EUA diante da presença comunista na África:

Devemos reconhecer que a costa africana representa, hoje, em certas áreas, uma ameaça ao desequilíbrio da segurança continental e, por isso mesmo, à própria soberania nacional. Angola já está dominada por um regime comunista, como satélite de Moscou, enquanto várias outras nações africanas também se deixaram empolgar pela pregação bolchevista, não ameaçando apenas o chamado Terceiro Mundo, mas podendo transformar-se em bases de uma possível agressão vermelha contra a segurança dos países ocidentais. Nesse contexto de estratégia mundial cresce de importância o papel desempenhado pela Marinha de Guerra do Brasil, como fator de tranquilização no que tange à segurança do Cone Sul, contando decerto, com o apoio da Argentina, do Uruguai e também dos Estados Unidos.

10 de novembro de 1989
João de Deus Antunes (PTB-RS) recorre ao anticomunismo primário contra a candidatura de Lula e tenta apresentar como traidores os religiosos aliados à esquerda: 

Estamos vendo, também, o Sr. Luiz Inácio Lula da Silva recebendo adesão de grupos pseudo-evangélicos, o Movimento Pró-Lula, enquanto seu partido faz coligação com o PC do B, ·muito mais violento que o PCB do Sr. Roberto Freire. É o mesmo "Partido dos Trabalhadores" que votou contra a inclusão da expressão "sob a proteção de Deus" no preâmbulo da Carta Constitucional e que se apresenta hoje como "salvador da pátria", quando, na verdade, quer nos tomar escravos de um regime que nada acrescenta de bom, pelo contrário, cerceia todas as liberdades.  


15 de março de 1990
Paes Landim (PFL-PI) transforma um dos sustentáculos da ditadura em baluarte da democracia:

Os que combatem hoje as Organizações Globo nesse processo, aliás, esquecem que a rede foi a grande responsável pelo processo de abertura política do País, em 1985, promovendo a campanha "Diretas já", impulsionando a candidatura de Tancredo Neves, ajudando sua legitimação perante a opinião pública nacional. Foi este um grande papel que a Globo prestou à democracia brasileira, hoje esquecido dos que se beneficiaram deste processo de abertura, que teve nela um grande indutor.





sábado, 11 de agosto de 2012

Desconstruindo uma "celebridade" (IV)

http://les.traitesnegrieres.free.fr/38_esclavage_code_noir_fr.html

Article 38. - L'esclave fugitif qui aura été en fuite pendant un mois à compter du jour que son maître l'aura dénoncé en justice, aura les oreilles coupées et sera marqué d'une fleur de lis sur une épaule ; et s'il récidive une autre fois à compter pareillement du jour de la dénonciation, aura le jarret coupé 
et il sera marqué d'une fleur de lis sur l'autre épaule ; et la troisième fois il sera puni de mort.

           As linhas que reproduzo acima fazem parte do Code noir (Código Negro), nome pelo qual ficou conhecido um edito real de 1685 que tinha como finalidade padronizar as regras da escravidão nas colônias francesas.  Inicio desta forma a postagem de hoje para indicar que a fabricação de hierarquias de crueldade entre sistemas escravistas constitui em regra um exercício de etnocentrismo.  Ninguém contestaria que castrar um menino núbio de nove anos e treiná-lo para ser guarda do harém de um paxá do Cairo é um abominável crime contra a humanidade.  Porém, é necessário muito contorcionismo para enxergar benevolência numa sociedade da mesma época que estabelecia em seu ordenamento jurídico o corte das orelhas de um escravo em sua primeira tentativa de fuga (além da marcação a ferro quente no ombro), a amputação de uma perna na altura do joelho após a segunda e a execução na terceira. 
             Feitas estas observações, retorno ao link que expus ontem para analisar mais algumas balelas do doutrinador eurocêntrico e americanófilo Olavo de Carvalho:

                 
1-Ora, a simples prioridade temporal e ampla disseminação social do racismo antinegro nos países islâmicos já bastaria para demonstrar, mesmo sem os dados suplementares aqui fornecidos, que “o Islam foi a cultura mais escravagista dos últimos dois milênios”.

         A afirmativa carece tanto de lógica que até surpreende o fato de vir de alguém que se julga um grande conhecedor da Filosofia.  Ninguém diria, por exemplo, que os antigos romanos foram mais escravagistas do que os fazendeiros do Sul dos Estados Unidos porque escravizaram primeiro e durante mais tempo.  Além disto, a vinculação forçada entre racismo antinegro e escravidão não faz sentido.  O cativeiro no mundo muçulmano foi incomparavelmente menos racializado do que o da América colonial.  Nos mercados de Istambul tanto poderiam ser encontrados negros africanos quanto russos e poloneses alvíssimos.  Não há como comparar, por fim, as hierarquias étnicas do Islã com o racismo institucionalizado e consagrado socialmente que existiu na África do Sul do apartheid e nos Estados Unidos das leis segregacionistas da primeira metade do século XX, quando obviamente não havia mais escravidão.  
        Mas já que se falou de dados suplementares, retornemos às tabelas de Lovejoy, não mais com os cálculos da década de 1970, e sim com as suas (ligeiras) atualizações dos anos 1990.  Percebe-se que no período entre 1500 e 1800, no qual o comércio de escravos era bastante ativo tanto no mundo islâmico quanto nas Américas, mais de 72% dos cativos reconhecidamente traficados haviam feito a travessia do Atlântico, e não a viagem rumo ao Império Otomano e demais Estados islâmicos.  Voltaremos aos números, pois estimativas são aperfeiçoadas e novos registros são descobertos, mas é evidente que apenas a propaganda islamófoba poderia, num passe de mágica, inverter as proporções.       

(Lovejoy, A escravidão na África, p. 90)

2-A pesquisa mais recente reconstituiu com bastante minúcia as trilhas por onde os mercadores islâmicos conduziam escravos, e dizer que elas atravessavam o continente não é de maneira alguma uma figura de expressão.

                 Estamos diante de mais um truque barato.  Olavo de Carvalho, sempre jogando para a plateia, tenta deixar a impressão de que todos os escravos encaminhados para terras muçulmanas realizavam uma travessia completa do Saara, talvez até pela parte mais larga do deserto.  Não satisfeito em "se esquecer" de que uma parte nada desprezível deste tráfico incidia contra as populações costeiras do litoral índico e do Mar Vermelho, também deixa de lado a existência de rotas terrestres mais curtas que, sempre que possível, deviam ser as escolhidas pelos traficantes.  Afinal, não interessava a homens cujo objetivo era o lucro submeter sua mercadoria humana a um maior risco de perda.    
                 Vemos, por exemplo, que regiões sudanesas abasteciam de escravos o vizinho Egito:
O escravo era o primeiro produto de exportação do Darfur.  Do Cairo, a crer-se num testemunho de 1663, saíam frequentes caravanas para o sultanato, com o fim precípuo de adquirir cativos.  Traziam de volta plumas de avestruz, presas de elefante e tamarindo (possivelmente em forma de passas), mas a principal mercadoria era gente- mulheres, crianças pequenas e também homens, que eram em parte reexportados pelos portos de Alexandria e Damietta para o resto do Mediterrâneo.
(Alberto da Costa e Silva.  A manilha e o libambo: a África e a escravidão de 1500 a 1700.  Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 564) 


  

                      Mais ao sul, o grande entreposto escravista de Zanzibar, o maior do Oceano Índico, recebia cativos do lago Malawi e de áreas situadas nos atuais territórios da Tanzânia e de Moçambique.  Voltando o olhar para a costa atlântica, percebemos que estes trajetos seriam comparáveis ou até menores do que as travessias forçadas dos sertões angolanos promovidas ou encomendadas pelos portugueses:

A maioria dos escravos que terminava em Zanzibar e Pemba vinha de Quíloa, que era o principal ponto de recebimento de caravanas do lago Maláui e de outros portos mais abaixo da costa.  Escravos vindos do interior de Quíloa constituíam uma parcela significativa do comércio até 1811.  Na década de 1840, a importância dessa fonte tinha aumentado ainda mais; em 1860, 75 por cento dos escravos de Zanzibar chegaram através de Quiloa.
(Lovejoy, A escravidão na África, p. 236)




3-Um de seus dogmas principais é justamente a acusação de racismo, atirada genericamente ao rosto de toda a cristandade por incontáveis exércitos de intelectuais ativistas e, nas últimas décadas, por todos os porta-vozes do radicalismo islâmico. Imbuído da crença na inferioridade congênita dos negros, o homem branco europeu teria sido, segundo essa doutrina, o escravagista por excelência, dizimando a população africana e financiando, com a desgraça do continente negro, a Revolução Industrial que enriqueceu o Ocidente.

                    
             Olavo cai em lamúrias injustificáveis.  Para não nos perdermos nas inúmeras provas que podem ser exibidas de que o racismo nas sociedades ocidentais é um elemento estrutural, o que não significa dizer, evidentemente, que todo ocidental é um linchador de negros incubado, relembremos dois processos de domínio público, ao alcance de qualquer criança que tenha em casa um manual de oitavo ano do Ensino Fundamental.

I- A escravidão e o tráfico sob direção inglesa forneceram uma parte considerável do capital que tornou possível a Revolução Industrial:   

O uso de escravos africanos permitira à Grã-Bretanha alcançar a primeira posição como potência colonial americana e desenvolver suas possessões na América até que suas exportações ultrapassaram as da América Espanhola.  Na década de 1770, as colônias escravistas das Antilhas Francesas lutavam para superar as Índias Ocidentais britânicas.  O valor anual da exportação colonial do início da década chegou a 5,6 milhões de libras nas colônias britânicas, 5,2 milhões nas colônias francesas, 1,8 milhão no Brasil e 4,9 milhões em toda a América Espanhola.

(Robin Blackburn.  A queda do escravismo colonial: 1776-1848.  Rio de Janeiro: Record, 2002, pp. 17/18)   

II- Os sistemas escravistas montados no sul dos Estados Unidos e em outras partes do continente americano forneceram uma parte indispensável das matérias primas que possibilitaram a expansão da economia industrial:

O número de escravos nos Estados Unidos crescia rapidamente.  Em 1790 eles eram 698.000, e no final do século este número chegava a 893.000.  Em data tão tardia ainda existiam 35.900 escravos no Norte, porque em geral as Leis de Emancipação libertaram os filhos de escravos em vez dos escravos propriamente ditos.  Enquanto a escravidão declinava suavemente no Norte, no Sul apresentava novo vigor, e não apenas demográfico.  Os donos das plantations do Sul começavam a reagir à demanda crescente de algodão.  No primeiro momento a maior parte do algodão era cultivada no litoral do Sul, mas a invenção da descaroçadeira de algodão de Whitney em 1793 permitiu que o produto fosse plantado e processado também no interior.  A exportação de algodão bruto dos Estados Unidos cresceu de meio milhão de libras (226 toneladas) em 1793 a 18 milhões de libras (8.100 toneladas) em 1800 e 83 milhões de libras (38.000 toneladas) em 1815.  Entre 1801 e 1805, 40% da importação britânica de algodão vinham dos Estados Unidos.
(Blackburn, p. 296)

                 
           Como também tenho direito a chutar cifras, tal qual Olavo, eu diria que os europeus se beneficiaram quatrocentas e oitenta e sete vezes mais destes eventos do que seus contemporâneos da África.  Em suma, a expressão "desgraça do continente negro" é apelativa, mas não mentirosa.  

4-Mesmo atentando só para o aspecto quantitativo da coisa (há outros aspectos até mais graves, que veremos adiante), não há como refutar a conclusão de Tidiene N’Diaye:
“Podemos sustentar, sem risco de erro, que o comércio negreiro arábico-muçulmano e as jihads provocadas por esses impiedosos predadores para obter cativos foram, para a África negra, bem mais devastadores que o tráfico transatlântico.”


                  Juízo de valor por juízo de valor, alguém poderia repetir compulsivamente o de Jean-Suret Canale.  Afinal, a obra de N'Diaye (ou pelo menos o seu uso) não é menos propagandística do que O livro negro do capitalismo

Nenhum investigador, nos nossos dias, procura minimizar a extensão da catástrofe que foi para a África o seu encontro com o capitalismo balbuciante das metrópoles da Europa que só conseguiu atingir a maturidade graças aos extraordinários lucros gerados pela invasão de um continente- a América- e proporcionados por populações arrancadas a um outro, a África.  Em números redondos, dez milhões de deportados africanos atingiram o Novo Mundo entre 1510 e 1860.  Mais de dois milhões pereceram durante a travessia.  Oito milhões desapareceram entre o local da sua captura na África e os entrepostos costeiros, onde os sobreviventes destes ataques foram embarcados.  Chegamos, pois, a um mínimo de vinte milhões de pessoas retiradas da população africana.
(Jean-Suret Canale.  As origens do capitalismo (séculos XV a XIX).  In: O livro negro do capitalismo/org. Gilles Perrault.  Rio de Janeiro: Record, 2000, pp. 50/51) 
Apesar dos historiadores tendenciosos que atribuem ao feudalismo africano a iniciativa do tráfico, ou acusam os reis árabes de o terem perpetuado, apesar dos bajuladores do liberalismo que se recusam a contabilizar os lucros da economia servil e associá-los ao salvamento e depois ao crescimento das economias europeias, é preciso dizê-lo e não ter medo de repetir: um conjunto de fatos incontestáveis mostra que o capitalismo nascente não sangrou apenas os povos da Europa (este cálculo pode ser feito por outra via).  Ele baseou sua expansão sobre um ossário humano como a História, apesar de já sangrenta, jamais tinha visto: vinte milhões de ameríndios exterminados em três séculos e doze milhões de africanos mortos de empreitada no mesmo período.
(Canale, pp. 57/58) 

                    Para encerrar, retorno ao tema das comparações morais temerárias, quando tanto muçulmanos quanto europeus podem se acusar reciprocamente de atos da mais pura barbárie, dentro e fora da África.  Dentro dela, podemos observar alguns episódios ligados à instalação dos portugueses em Moçambique:   

A água, péssima, barrenta e turva, que [os portugueses] bebiam em Sena, estava possivelmente contaminada.  Além disso, pareciam não ter fim, à beira-rio, os mosquitos e as moscas, entre as quais a tsé-tsé.  Mas os padres jesuítas puseram a culpa nos muçulmanos que lá mercadejavam e viviam.  Acusados de por veneno nas cacimbas e nos pastos, sobre eles se desatou a raiva portuguesa.  Barreto mandou capturar todos os mouros, que foram mortos "com estranhas invenções"- repito as palavras do padre Monclaro-, uns empalados, outros despedaçados na boca das bombardas, "outros abertos pelas costas com machados", "outros entregues aos soldados que se desenfadavam neles às arcabuzadas.  Foi grande o lucro da matança: fora os panos, a contaria e as peças de ferro e cobre, a soldadesca arrancou dos depósitos dos islamitas muito ouro, do qual lhe coube a maior parte, ficando a Coroa com 15 mil miticais (cerca de 64 kg), mais do dobro, portanto, do que o feitor régio de Sofala conseguira adquirir em menos de oito meses, em 1513.  De um só desses comerciantes, tido por muito rico, levaram-se mais de 500 escravos.   
(A manilha e o libambo, pp. 629/630)

                               
           Por milhares de mentiras e distorções como as que estão sendo apresentadas, Olavo de Carvalho já foi definido como o Walter Mercado da política.  Depois teremos mais.



sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Desconstruindo uma "celebridade" (III)

                Prossigo nos meus comentários, ou tréplicas, se preferirem, sobre a série que Olavo de Carvalho me dedica no site Mídia sem Máscara, naturalmente com o único objetivo de expor os malefícios da mentalidade esquerdizante e da propaganda terceiromundista!!

http://www.midiasemmascara.org/artigos/cultura/13297-criando-uma-celebridade--4.html

                Mais de uma vez o cidadão já se queixou da minha suposta pressa em responder a tudo, sem lhe dar tempo para concluir suas críticas.  Concedo-lhe o benefício da dúvida, e hoje me limito a cinco passagens relevantes.  Elas são o bastante para comprovar que na ânsia de salvar uma tese central estapafúrdia ("O Islã é a cultura mais escravagista de todos os tempos"), Olavo recorre a contorcionismos de natureza diversa, além de jogar com o elemento emocional de seus seguidores e, visivelmente, mentir:

1- Os árabes não só introduziram ali a escravidão em larga escala, mas criaram todo um sistema comercial de dimensões continentais, devastando comunidades e nações, demolindo estruturas sociais milenares e infectando de espírito escravagista, primeiro alguns indivíduos e grupos locais, depois povos africanos inteiros, que com o decorrer do tempo acabaram aprendendo, como o malfadado reino de Oyos no século XVIII, a se tornar aprisionadores e vendedores de seus irmãos.

Jamais neguei o papel dos muçulmanos no incremento à escravidão na África.  Porém, o discurso de Olavo é claramente demagógico.  Em primeiro lugar, a escravidão também se disseminou bastante, e por iniciativa estatal, em áreas totalmente alheias ao domínio islâmico, como o Congo:

Assim como no século XVI, os dois distritos urbanos não eram típicos do resto do Congo, que era menos densamente povoado, com pequenas comunidades camponesas de parentes afins.  Não obstante, um terço da população vivia perto dos dois centros, e como as linhagens camponesas possuíam alguns escravos, é possível que o total da população escrava do Congo fosse de mais de 100.000, talvez ligeiramente menor do que a população livre.  Ademais, os setores camponeses e escravos estavam ligados, pois o Estado usava a escravização como uma arma política.                                                                                                            
(Paul Lovejoy.  A escravidão na África: uma história de suas transformações.  Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 197)

Por falar no Congo, região na qual já atestamos a participação dos missionários europeus no tráfico, podemos ainda verificar a aliança entre a monarquia local e o reino de Portugal no sentido de ampliar a oferta de escravos em benefício de ambos os Estados: 
A aliança com os portugueses, particularmente a utilização de soldados portugueses já em 1514, acentuou a capacidade do Estado de adquirir escravos, que eram exportados em troca de bens e serviços importantes ou utilizados para suplementar a população escrava interna.  Alguns escravos tornavam-se soldados, principalmente os cativos tios do norte do rio Zaire, enquanto os nobres do Congo também mantinham escravos em seus séquitos.  (A escravidão na África, p. 80)

Mais ao sul, os holandeses introduziram o cativeiro em áreas onde ele era inexistente, escravizando pessoas originárias de várias partes do mundo: 

Na realidade, as populações locais- khoi, san e povos de língua banto-, cuja antiquíssima presença na região é confirmada por todas as pesquisas, foram progressivamente marginalizadas e submetidas pelos brancos, cuja maioria- agentes da VOC- transformou-se insensivelmente em boers (camponeses) e depois em trekboers (camponeses que praticavam o trek, deslocamento por longas distâncias imposto pela criação transumante).  A recusa das populações locais a trabalhar nas fazendas dos colonos obrigou estes últimos, de início, a importar mão de obra de outros lugares, principalmente de Madagascar, mas também da África ocidental e oriental, das Índias holandesas e do golfo de Bengala.  O número desses escravos, que era de aproximadamente 6 mil no início do século XVIII, passou a 30 mil cem anos mais tarde (19.346 homens e 10.515 mulheres em 1806).
(Elikia M'Bokolo.  As práticas do apartheid.  In: O livro negro do colonialismo/org. Marc Ferro.  Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, p. 541) 

Entre muitas fontes possíveis, Jaime Rodrigues, um dos maiores especialistas brasileiros no tema, ratifica o papel nada secundário dos europeus na expansão do comércio de escravos, inclusive fomentando guerras:  

Um meio eficaz de os traficantes conseguirem cativos em grande quantidade era promover conflitos entre os africanos, nos quais os derrotados seriam transformados em escravos.  Esses conflitos- nos quais as armas de fogo introduzidas pelos europeus eram fundamentais- representavam um elo importante de um circuito que envolvia ainda trocas comerciais e acordos entre europeus e africanos de diversas etnias e hierarquias sociais, e que resultava na reunião de um contingente de cativos para exportação. Uma carta escrita em meados do século XVIII pelo traficante inglês George Hamilton, atuante na África Ocidental, reconhecia que o tráfico institucionalizava o sistema de guerras entre os africanos como fonte de abastecimento de escravos.
(Jaime Rodrigues.  De costa a costa: escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro (1780-1860).  São Paulo: Companhia das Letras, 2005, pp. 83/84)

2-Dos escravos negros que vieram para a América, a quase totalidade não foi aprisionada por europeus, mas por muçulmanos. O escravo, quando é vendido, simplesmente troca de dono. A condição de escravo lhe advém desde o instante mesmo da sua captura. Antes de ser escravos de portugueses, espanhóis ou franceses, os africanos que eles compraram foram escravos de árabes. O total de escravos aprisionados e vendidos por muçulmanos sobe, portanto, para a casa dos 25 milhões, na mais branda das hipóteses. O equivalentismo numérico do sr. Moreira é, em toda linha, uma trapaça.

            O argumento tem um vício de origem: culpar preferencialmente os muçulmanos pela demanda por escravos do Ocidente é simplesmente ridículo.  Algo como defender a tese de que o verdadeiro assassino é quem puxa o gatilho para matar um desconhecido, sendo o mandante e principal interessado um mero coadjuvante.  Além disto, trata-se de uma mentira descarada.  Ao longo dos quatro séculos em que perdurou o tráfico, a região que abasteceu europeus e americanos de cativos em maior quantidade foi a África Centro-Ocidental, mais precisamente a área Congo/Angola, cujas rotas na maior parte do tempo estiveram sob o controle de Portugal.  Isto não significa, obviamente, que todas as demais rotas eram monopolizadas por muçulmanos, visto que a penetração do Islã na África encontrava mais barreiras do que nos tempos atuais.       

Durante os séculos XVI e XVII, a principal fonte de escravos para a venda aos europeus era a África Centro-Ocidental, principalmente as terras ambundas ao sul do Congo, e a área ao redor do lago Malebo e do rio Zaire.  Provavelmente três quartos de cerca de 1,7 milhão de escravos embarcados da África para as Américas entre 1500 e 1700 vieram da região.  No século XVIII, cerca de 2,3 milhões de escravos foram exportados somente da África Centro-Ocidental; de modo que o total do comércio de 1500 a 1800 provavelmente excedeu a 3.300.000 escravos.

(Lovejoy, A escravidão na África, p. 128) 

                Devemos ainda ressaltar que as pressões britânicas pela abolição do tráfico, no século XIX, começaram coibindo a atividade ao norte do equador.  Os portugueses, nesta altura os maiores traficantes, foram se limitando cada vez mais às feitorias do centro-sul que controlavam diretamente:  

A 28 de julho de 1817, após um grande receio e hesitação, o Conde de Palmella, à época embaixador de Portugal em Londres, foi forçado a assinar uma Convenção Adicional ao tratado de 1815.  Definia mais precisamente a parte do tráfico português de escravos que permaneceria legal, ou seja, o tráfico feito em barcos lusos entre portos dentro dos domínios da coroa portuguesa ao sul do equador e território português  no litoral africano, ao sul da linha, especificamente "entre o cabo Delgado e a baía de Lourenço Marques" no litoral oriental e as áreas compreendidas entre 5o 12' e 8o S (Molembo e Cabinda) e 8o a 18o S, na costa ocidental.

(Leslie Bethell.  A abolição do tráfico de escravos no Brasil.  Rio de Janeiro: Expressão e Cultura; São Paulo: Edusp, 1976, pp. 30/31) 

                Notemos que a presença portuguesa na África, durante séculos, se manteve basicamente em função do tráfico negreiro em partes do continente não sujeitas à influência muçulmana, como Angola, ou arrebatadas pelos lusos aos muçulmanos, como parte da atual República de Moçambique:       

Além disso, os territórios dominados e reclamados pelos portugueses, ao sul do Equador- o Congo e Angola- constituíam uma das maiores áreas de suprimento de escravos, e São Paulo de Luanda e São Filipe de Benguela (ambos em Angola), dois dos maiores portos de escravos, na costa ocidental da África.  Angola não correspondera às suas promessas econômicas e, desde meados do século XVII, suas exportações tinham sido quase que exclusivamente de escravos; na verdade, o tráfico de escravos tornara-se a única atividade de importância comercial da colônia e o imposto de exportação sobre os escravos propiciava quatro quintos da receita pública.  Desde meados do século XVIII, um número crescente de escravos fora também transportado ao redor do Cabo e através do Atlântico, das feitorias portuguesas em Moçambique, no litoral leste da África- principalmente de Quelimane, Inhambane, Ibo e da própria ilha fortificada de Moçambique.  Lá, também, o tráfico de escravos se tornara o mais bem sucedido ramo do comércio e a maior fonte de receita pública.
(Bethell, pp. 15/16)     



3-É de fato uma crueldade abjeta jogar pessoas no fundo de um porão de navio, para que atravessem o oceano deitadas num chão de madeira, em condições de higiene abaixo de deploráveis. Mas que é isso, comparado ao crime hediondo de fazê-las caminhar milhares de léguas entre florestas e desertos, atravessar às vezes um continente inteiro com os pés sangrando, atadas umas às outras por ferros e cangas, sob o chicote do feitor, para chegar ao porto onde o porão da caravela portuguesa ou espanhola, uma vez atingido esse paroxismo de sofrimento, era ao menos uma promessa de descanso?

             Aqui temos mais uma tentativa de Olavo de mobilizar emocionalmente sua plateia, mas sem nenhuma base factual.  A alusão ao descanso chega a ser pueril, se pensarmos que o "descanso" do escravo era uma estadia em um armazém de engorda, nu e submetido a uma dieta estranha, seguida em muitos casos por uma nova marcha de semanas rumo às fazendas do Vale do Paraíba ou de meses rumo a Minas Gerais.  Além disto, as caminhadas intermináveis também eram características do tráfico sob gestão ocidental, como vemos em Florentino:      
Após semanas ou meses deslocando-se pelas savanas e florestas, as centenas de pequenos traficantes angolanos (pumbeiros, aviados, funantes ou sertanejos) e seus carregadores, de posse das mercadorias europeias e americanas, se defrontavam com o monopólio de cativos exercido pelas autoridades interioranas.  Estas, por sua vez, não estocavam escravos, o que lhes permitia evitar gastos com a sua manutenção.  Esperava-se pela chegada dos sertanejos para se acordar um determinado número de peças em troca de mercadorias- que se recebia adiantadamente- e só então se enviavam agentes em busca de escravos nas áreas fronteiriças.  Transferidos para a responsabilidade dos sertanejos, que deveriam mantê-los, pelo menos em parte, os grupos de cativos (libambos ou quibucas) iam crescendo até atingir o número requerido pelos mercadores dos portos angolanos.  Meses se passavam até que, de posse da mercadoria viva, os sertanejos retornassem às cidades costeiras.
(Manolo Florentino.  Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro: séculos XVIII e XIX.  São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 109)  

                 As condições destas marchas não deveriam causar inveja aos escravos destinados ao Oriente Médio: 

Alguns pombeiros jamais voltavam a Luanda- morriam de enfermidades, em ataques de salteadores ou em revoltas dos escravos, ou decidiam estabelecer-se para sempre nos sertões, onde se africanizavam, ou fugiam para outras bandas, com a carga que lhes fora confiada.  Os desertores eram, contudo, exceções.  Até os escravos mandados pelos senhores a mercadejar no interior costumavam regressar, pois se tinham tornado cúmplices de ofício altamente lucrativo.  Nos caminhos que costumavam percorrer, os pombeiros tinham os seus pousos.  Na ida, iam deixando com os associados, os escravos que compravam pelo caminho, para que cuidassem deles.  Na volta, recolhiam-nos, grupo após grupo, e, em longas fieiras, uns ligados aos outros por corda ou libambo, os mais fortes levando à cabeça um cesto de mantimentos, ou uma pipa de água, ou uma presa de elefante, ou um fardo com os produtos necessários para pagar os direitos de passagem, os conduziam até o litoral.  Lá, os desgraçados ficavam, à espera do embarque, presos em grandes barracões ou, o que era mais comum, dentro de amplas paliçadas, com parte da área sob cobertura de palha.  A mortalidade durante o demorado percurso , com suas paradas, desde o interior até a costa, devia ser grande- de cansaço, de maus tratos, de doenças de que já sofriam ou que contraíam pelo caminho.  Os mais fracos, que atrasavam a marcha, eram mortos.  Bem assim os que se rebelavam.  As perdas aumentavam o preço dos demais, um preço em cuja formação a maior parcela cabia ao custo do transporte para o litoral.    
(Alberto da Costa e Silva.  A manilha e o libambo: a África e a escravidão, de 1500 a 1700.  Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 840)

                Estrategicamente, Olavo inclui no passivo dos muçulmanos as mortes das pessoas escravizadas que não chegaram ao destino final, o que é justo, mas se "esquece" de traçar um paralelo com o tráfico por iniciativa ocidental:                    

Os comerciantes europeus tinham o cuidado de comprar os escravos mais saudáveis e fortes; os rejeitados presumivelmente eram vendidos em mercados locais a preços reduzidos, de modo que as mortes a bordo dos navios que podem ser atribuídas a doenças adquiridas em terra constituíam uma proporção significativa do total de falecimentos- talvez uma proporção esmagadora.  Como esses índices variavam de 9 a 15 por cento, parece razoável atribuir cifras semelhantes para as mortes em terra, as quais resultavam de causas similares.  Deve-se observar, entretanto, que Miller estima que 40 por cento dos escravos comprados no interior de Angola morriam antes de alcançar a costa, nos seis meses entre a compra e a entrega.

(Lovejoy, A escravidão na África, p. 111)

                    
4-Sendo impossível contestar a quase completa ausência de europeus nas investidas para captura de escravos, o sr. Moreira procura minimizar a diferença moral entre ocidentais e islâmicos explicando aquela ausência por meras dificuldades materiais. 

                   Lamento frustrar Olavo de Carvalho em suas pretensões de onisciência.  Ele determina categoricamente que não posso apontar o papel dos europeus na captura direta de africanos.  Imagino, então, o que eu faria se pudesse!!!

A escravidão no interior de Serra Leoa estava relacionada com a guerra.  No século XVI, uma série de invasões do interior desalojou muitas pessoas, algumas das quais foram escravizadas.  Na década de 1560, pelo menos alguns desses cativos eram utilizados nos trabalhos agrícolas.  O traficante de escravos e pirata John Hawkins, que estava lá nessa época, ficou sabendo da importância da escravidão em primeira mão; de uma base insular, Hawkins liderou grupos de ataque ao continente com o objetivo de capturar escravos, o que mostra que o comércio ainda não tinha se firmado como parte do mecanismo de abastecimento de escravos que posteriormente caracterizou o comércio transatlântico de Serra Leoa.  De outra maneira, os comerciantes europeus teriam simplesmente comprado escravos, o que geralmente levava menos tempo e envolvia menos riscos do que capturá-los.
(Lovejoy, A escravidão na África, p. 82)   

No início do século XVIII, estrangeiros em Cabina, baía ao norte do Zaire, haviam explorado o Congo, o vale do Kwanza, e outras fontes remotas de escravos, servindo Luanda e movendo-se mais para o sul ao longo da costa para a captura de cativos nos rios Loje e Mbrije.  Alguns começaram a atuar próximos de Luanda, em Dande, Bengo e outros rios nas imediações da capital da colônia.  Outros até se deslocaram para portos portugueses sob o pretexto de tratar de questões de urgência.  Os luso-africanos em Golungo e Ambaca tinham apenas que desviar suas caravanas de escravos um pouco para o norte para vendê-los aos estrangeiros, em troca de mercadorias de origens europeia e asiática, a preços bem mais baixos do que o dos contratadores monopolistas oferecido em Luanda.  Os britânicos, e cada vez mais os franceses, também contratavam os guerreiros do Ovimbundu e os colonos luso-africanos nos planaltos do sul.
((Joseph C. Miller.  A economia política do tráfico angolano de escravos no século XVIII.  In: Angola e Brasil nas rotas do Atlântico Sul.  Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999, pp. 24/25)       

Do ponto de vista dos luso-africanos, o novo comércio era o mais livre que conheceram, desde os decretos do "livre comércio" de 1758.  Eles também se recobraram do colapso do crédito comercial provocado pelos últimos anos do governo de Sousa Coutinho.  Na época do governador Coutinho eles tiveram que enfrentar grandes campanhas militares, especialmente a partir de 1720, na busca de escravos no interior.  Mas a situação, para os luso-africanos, tornou-se cada vez mais tensa, já que a estratégia agressiva de captura de escravos terminou por matar a galinha dos ovos de ouro. 
 (Miller, p. 35)

                Como informação nunca é demais, recorro mais uma vez a Lovejoy para apontar a parcela que cabe ao Ocidente na expansão do tráfico e na manutenção da escravidão dentro da própria África:

Missionários, reformadores e alguns círculos econômicos induziam a mística de que a África seria elevada pela civilização, o cristianismo e o comércio, os três "Cs".  O comércio, como já vimos nos capítulos anteriores, teve o efeito contrário: aumentou o número de escravos dentro da África.  Os outros dois "Cs"- a civilização na forma da conquista colonial europeia e o cristianismo através das ações dos missionários- tiveram um impacto mais profundo, apesar de nem sempre intencional.  A retórica europeia impelia na direção da abolição e da emancipação; mas a experiência europeia encorajava a cumplicidade e muitas vezes apoiava abertamente a escravidão sob o disfarce de que a "escravidão interna" era diferente da escravidão em outros lugares.
(Lovejoy, A escravidão na África, p. 365) 

5-Pelo menos sete séculos antes que idéias semelhantes ocorressem aos europeus, os muçulmanos foram os primeiros a criar e disseminar, em todas as classes sociais, da intelectualidade ao povão, teorias da inferioridade racial dos negros para justificar a escravização em massa dos povos africanos. 
(...)
Em contrapartida, teorias que afirmavam a inferioridade racial dos negros não se disseminaram na Europa culta senão a partir do século XVIII (cf. Eric Voegelin, The History of the Race Idea. From Ray to Carus, vol. III das Collected Works, Baton Rouge, Louisiana State University Press, 1998).

                Infelizmente para Olavo, Voegelin esteve ligeiramente equivocado no aspecto cronológico.  Que o diga o padre dominicano Jean-Baptiste Du Tertre, que viveu nas Antilhas Francesas entre 1640 e 1658:

Os escravos nascidos nas ilhas, em sua maioria, só aprendiam a falar o francês e demonstravam grande disposição e capacidade para dominarem o catecismo.  Se Du Tertre não apresentou de forma explícita juízos de valor acerca do comportamento senhorial no tópico do casamento entre escravos, ele fez uma dura crítica ao crescimento "indecoroso" do número de mulatos nas ilhas, fruto dos cruzamentos (muitas vezes sob coação) entre brancos e negras.  A crítica tinha bases morais e racistas: "dois animais de diferentes espécies", pontificou Du Tertre, não poderiam cruzar-se sem trazer graves consequências.
(Rafael de Bivar Marquese.  Feitores do corpo, missionários da mente: senhores, letrados e o controle dos escravos nas Américas, 1660-1860.  São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 28) 


                 Identificamos na mesma obra que o reverendo anglicano Morgan Godwin, que publicou em Londres, no ano de 1680, um livro no qual defendia a cristianização dos escravos, lutava contra a mentalidade dominante em seu tempo:

Todavia, a ideia defendida pelos senhores escravistas ingleses era exatamente a da inumanidade dos negros e, por consequência, a da impossibilidade de cristianizá-los.  Nisto os planters do Caribe não estavam sozinhos: era prática corrente entre as classes proprietárias e os letrados ingleses dos séculos XVII-XVIII classificar os negros, os índios, os irlandeses, os pobres e em alguns casos extremos até mesmo as mulheres e as crianças como animais destituídos de razão e, portanto, inumanos.  No caso dos proprietários do Novo Mundo, a comparação mais recorrente era a do negro com o macaco.
(Marquese, p. 43)   

                 Dificilmente poderíamos absolver o poeta Gregório de Matos da difusão de uma mentalidade francamente racista, que incorporava muitos estereótipos negativos sobre as características físicas dos negros:  

Talvez expressando um sentimento geral, Gregório de Mattos louvava o corpo e os encantos da mulata, que, como a índia no século XVI, virara objeto sexual dos portugueses, mulher ideal para os amores profanos, especialmente se brancarona.  Mas o mesmo poeta não ousava brincar com a honra das brancas às quais só escrevia em tom cortês, ao passo que às negras d'África ou às ladinas referia-se com especial desprezo: "anca de vaca", "peito derribado", "horrível odre", "vaso atroz", "puta canalha".

(Ronaldo Vainfas.  Trópico dos pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil.  Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 73)

                  De resto, Olavo incorre no risco de fazer uma genealogia das ideias que nem sempre lhe favorecerá: 

Pela mesma época [século X], Al-Masudi recorria a Galeno, o mestre grego da medicina, para se fortalecer na ideia de que o negro possuía cérebro defeituoso, daí derivando a debilidade de sua inteligência.

(Alberto da Costa e Silva.  A manilha e o libambo, p. 56)

                 Volto a Charles Boxer.  O autor nos demonstra que, além do preconceito racial generalizado contra as populações de origem extra-europeia, prevalecia entre os ibéricos do período das navegações e colonizações, inclusive entre os letrados, a crença de que os defeitos se transmitiam pelo sangue:  

A convicção dos cristãos e missionários de sua superioridade moral e intelectual, por sua vez, apoiava-se na importância atribuída entre os ibéricos à "pureza de sangue" (limpeza de sangue, como se dizia em Portugal na época, ou limpieza de sangre na Espanha.) como requisito essencial para o exercício de um cargo eclesiástico ou municipal.  Essa convicção, que originalmente pretendia criar uma barreira religiosa e racial contra os chamados "mouros" (isto é, muçulmanos) e os judeus, logo se estendeu para incluir os negros africanos devido à sua associação com o regime da escravidão e, mais tarde, foi aplicada à maioria dos outros povos não europeus.  Pessoas de sangue mestiço eram geralmente vistas com desconfiança, aversão e desdém, em virtude da crença equivocada de que o "sangue de cor" (sic) contaminara o "sangue branco", como revela a história dos "mestiços" no império português e dos "mestizos" no império espanhol..  Houve, sem dúvida, exceções em todas as épocas e em todos os lugares.  Mas os dois impérios permaneceram essencialmente "pigmentocracias" (para usar a expressão de Magnus Morner), convencidas da superioridade racial, moral e intelectual do branco- tal como acreditaram seus sucessores holandeses, ingleses e franceses.
(Charles R. Boxer.  A Igreja militante e a expansão ibérica, 1440-1770.  São Paulo: Companhia das Letras, 2007) 

             Continuo em breve, sempre mostrando que o pretenso sábio multidisciplinar, visto de perto e fora das lentes de suas tietes, é uma espécie de tigre de papelão.