terça-feira, 20 de novembro de 2012

Confederados no Imperio do Brazil: uma história de solidariedade entre escravocratas

Cemitério do Campo, em Santa Bárbara d'Oeste (SP), onde foram sepultados muitos confederados radicados no Brasil 


        Retorno ao livro de Gerald Horne, O Sul mais distante: o Brasil, os Estados Unidos e o tráfico de escravos africanos (São Paulo: Companhia das Letras, 2010), que adquiri há alguns meses.  Sob uma perspectiva bastante crítica, e fundamentado em vasta documentação, o autor percorre diversos temas no campo das relações entre Brasil e Estados Unidos no século XIX.  Entre eles, sobressaem pouco mais de sessenta páginas sobre um processo que, embora não seja estranho ao público mais letrado, certamente é ignorado pela maioria dos brasileiros: a presença  no país de milhares de confederados norte-americanos após a derrota na Guerra de Secessão (1861-1865). 

      Ainda antes da destruição militar completa, fazendeiros do Sul dos Estados Unidos faziam preparativos para se estabelecer no único país que viam, desde a formação dos Estados Confederados da América, como um parceiro solidário no escravismo.  Em outubro de 1864, o jornal The New York Times anunciou que proprietários da Carolina do Sul pretendiam rumar para o Brasil.  Semanas mais tarde, o periódico noticiava que os fazendeiros sulistas, já operacionalizando a mudança, tinham o objetivo de "ficar com seus escravos num lugar onde não serão molestados".   

       O número dos confederados que vieram para o Brasil é incerto.  Sem deixar de assinalar que há cálculos que apontam para um total de vinte mil, Horne opina que a metade disso talvez seja uma cifra mais aceitável.  Dos seis assentamentos que surgiram na "maior migração planejada ocorrida nos Estados Unidos", apenas um vingou, dando origem à cidade de Americana, na antiga província e atual estado de São Paulo.  

       Não me prenderei às circunstâncias relacionadas ao fracasso dos estabelecimentos criados por estes imigrantes, suas desilusões com a sociedade que muitos idealizavam como a Meca da escravidão, seu retorno em elevada proporção para os Estados Unidos.  Penso que, para os leitores deste blog, é mais interessante voltar o olhar para a forma com que os confederados foram recebidos no Império, sobre a qual Horne apresenta variadas informações.  Após examinar o fundo denominado Cartas recebidas da legação e do consulado do Brasil em 1865 de cidadãos americanos depois da Guerra Civil (Emigração, 1865-66, Washington, Ofícios, Arquivo Histórico do Itamaraty- Rio de Janeiro), o autor concluiu que

O império, que tentava atrair imigrantes da Europa, ao mesmo tempo que mandava embora os de ascendência africana, estava aberto para os euro-americanos, que eram hostis aos Estados Unidos.

     Um dos diplomatas que acompanharam a migração, James Monroe, atestou a "amistosa atenção" e a "distinção", com que os norte-americanos foram tratados pelas autoridades imperiais.  Sem qualquer embaraço, puderam comprar ou alugar terras e escravos.  A passagem de navio de Nova York para o Rio de Janeiro, em torno de 122 dólares, era cara para os padrões da época; porém, após o registro da entrada, o governo brasileiro restituía prontamente este valor, mais uma prova de que os imigrantes eram bem vindos.
         Para decepção dos escravocratas da vencida Confederação, a monarquia mais ao sul possuía outros objetivos além do adiamento da abolição da escravatura: pretendia embranquecer sua população. Quando o general confederado Wallace Wood apresentou seu plano de trazer sessenta mil pessoas para o Brasil, nisto incluídos ex-escravos dispostos a acompanhar seus ex-senhores, esbarrou na resistência à entrada de negros, livres ou cativos, no Império.  O diplomata britânico Edward Thornton, que teve ciência das negociações, registrou que "o maior desejo do governo e das autoridades brasileiras em geral era que não houvesse importação de negros".  Na mesma linha, e desdenhando da possibilidade de que cinquenta mil sulistas se transferissem para o Brasil, The New York Times, em dezembro de 1865, advertiu que "nem escravos nem pessoas de cor terão permissão para entrar". 
      Contudo, a simpatia da monarquia pelos confederados não se deteve nem perante o risco de prejudicar gravemente suas relações com o governo de Washington, principal comprador do café brasileiro.  O influente senador norte-americano Charles Sumner, que já criticara o Império, em fins da guerra civil, por ter reconhecido os sulistas como beligerantes legais no oceano, sugeriria a seus pares, diante da  posição brasileira de acolher confederados irredutíveis, o rompimento das "relações diplomáticas com potências que mantêm a escravidão".  Gerald Horne destaca que o Império permitiu aos ex-rebeldes trazer "algum equipamento militar", o que foi visto pelo governo da União Norte-Americana como um ato hostil.  O entusiasmo dos dirigentes imperiais confrontados com aquela imprevista corrente migratória levou Francisco de Paula Sousa, ministro da Agricultura em 1866, a comparar os confederados norte-americanos com os huguenotes expulsos da França no decorrer das perseguições religiosas da Idade Moderna, sonhando que o Brasil fosse beneficiado pela transferência de homens empreendedores, trabalhadores e ricos.   

                                                    Gerald Horne, professor da Universidade de Houston, no Texas
  
     As medidas de apoio do Estado brasileiro aos confederados encontravam, evidentemente, respaldo na classe senhorial do país.   Chegando ao Brasil em outubro de 1865, Wallace Wood se encaminhou a São Paulo, onde o grande comércio recebeu-o com pompa.  Mesmo discursando somente em inglês, não sendo compreendido por praticamente ninguém, recebeu os aplausos de uma multidão, enquanto prometia atrair cem mil famílias dos melhores cidadãos da América do Norte. 
         Mais uma vez, fica exposta a falácia da monarquia virtuosa, cujos estadistas, sob a batuta de uma espécie de santo protetor vivo, tentavam conciliar uma justa libertação dos escravos com os interesses econômicos fundamentais do país.  Não escrevo esta resenha para combater os punhados de visionários, espalhados pelo Brasil, que querem coroar um D. Pedro III em Brasília, mas sim para colocar em evidência o que a sociedade imperial legou de pior para a República:  conservadorismo social, elitismo, racismo.  Ainda temos que nos entender, e muito, com o século XIX.  
         
         






             

4 comentários:

  1. Agradeço aos leitores do Brasil, Estados Unidos, Angola, Portugal, Polônia, Alemanha, Itália, Holanda, Rússia e França pelas visitas registradas na última semana.

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  2. Conservadorismo social, elitismo, racismo eram características da sociedade brasileira da época, não do regime monárquico. A monarquia brasileira não introduziu esses valores aqui, nem tampouco os fomentou, pois vale lembrar que mesmo os comentaristas mais anti-monárquicos sempre reconheceram o caráter progressista e modernizante do segundo império (que inclusive acabou com a escravidão). Não admira que nos dias de hoje muitos dos países mais democráticos do mundo sejam monárquicos, pois nesses países foi desde muito reconhecido que o regime monárquico não era intrinsecamente reacionário, mas ao contrário, podia prover instituições sólidas e representativas, e assegurar a estabilidade que permitia a supressão a longo prazo dos traços herdados de uma sociedade aristocrática e atrasada.

    Aliás, o regime monárquico brasileiro nunca teve a simpatia dos setores mais reacionários de nossa oligarquia, que viam com maus olhos um poder central excessivamente centralizador e propenso a imiscuir-se em seus negócios internos. Por todo o século 19, foi a tônica na América Latina a luta entre federalistas e unitaristas, e entre os federalistas sempre figuraram aqueles elementos mais atrasados e truculentos, caudilhos e coronéis do sertão que preferiam governar apoiados por seus jagunços, ao invés de obedecer a um poder organizado e sediado na capital. Quanto a mim, eu continuo preferindo ser governado por um imperador do que por fazendeiros fantasiados de general.

    Tampouco vejo qualquer motivo para deplorar a presença aqui dos conferados norte-americanos. De qualquer modo, a presença deles não impediu o fim da escravidão, e no geral foi benéfica: eles fizeram investimentos e disseminaram alguma técnicas agrícolas mais avançadas, inclusive o uso do arado, que era quase desconhecido entre nós. A idéia de que a imigração européia e norte-americana foi promovida com o intuito de "branquear a população" é uma lenda. As noções de superioridade racial então em voga eram coisa de intelectuais, e não de fazendeiros. Muitos imigrantes foram tratados como escravos, o que deixa claro que a classe patronal brasileira não via os brancos pobres como superiores aos negros, mas equivalentes a estes. Quriam novos escravos após o fim definitivo da importação de africanos. E penso que foi de todo acertada a decisão do governo de não permitir a imigração de negros que, de um modo ou de outro, terminariam como escravos por aqui. Proibir a entrada de negros em um país escravocrata é fazer-lhes o bem, e não o mal.

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    1. Muitos equívocos em pouco espaço:

      1)Não há como deixar de associar a monarquia ao elitismo. Afinal, em toda e qualquer monarquia, o rei é o primeiro dos nobres.
      2)Os apologistas da monarquia sempre se esquecem de que a Arábia Saudita, o Marrocos, o Kuwait, o Lesoto e vários outros países que não se distinguem exatamente pela democracia também têm reis. Além disto, que diferença faria para Austrália, Nova Zelândia e Canadá, sempre arrolados como exemplos de sucesso do regime monárquico, ter ou deixar de ter rainha?
      3)Já que entramos no caso anglo-saxônico, fica difícil afirmar que a monarquia suprime os arcaísmos, quando sabemos que a Inglaterra só adotou o sistema "um voto, uma cabeça" perto de meados do século XX e até hoje possui uma Câmara dos Lordes, ainda que bem esvaziada de seu poder original.
      4)Ao contrário do que você afirma, os "setores mais reacionários" da classe senhorial brasileira, agrupados no Partido Conservador, justamente sustentaram o processo de centralização monárquica, inclusive derrotando pelas armas, em vários momentos, os defensores do projeto contrário.
      5)Sem querer enaltecer os Rosas e Urquizas do século XIX,muito pelo contrário, a proposta unitarista, para além do seu "despotismo esclarecido", também era um projeto de dominação, política, militar e econômica do centro sobre a periferia. Criava-se um simulacro de Paris como capital e a cem quilômetros de distância, se tanto, já estava um povo de pés descalços.

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    2. 6)Vamos à sua pior contradição: sem negar que os confederados introduziram melhoramentos materiais na província de São Paulo, o que está sendo criticado é a tentativa de incorporação, pelo Império, de escravagistas radicais, que pretendiam não apenas salvar o sistema como ampliá-lo, se possível para toda a América Latina, e reduzindo também índios ao cativeiro. Esta foi a principal motivação da vinda deles. Não eram exilados comuns, abrigados no primeiro país que lhes ofereceu hospitalidade. Portanto, não faz sentido dizer que negros deveriam ser impedidos de entrar para evitar sua escravização e ao mesmo tempo glorificar colonos que só se estabeleceriam se dispusessem de mão de obra escrava.
      7)A ideia de que o Brasil era preto e pardo demais já estava presente em debates do Primeiro Reinado. Na década de 1860, a noção de superioridade racial estava difundida o suficiente para orientar a política de imigração. Aliás, política que sempre será formulada por intelectuais empregados no Estado, e não por fazendeiros interessados apenas nos preços do seu café. Que tal, para começar, ler em Um estadista do Império o que Joaquim Nabuco pensava sobre o povoamento do Brasil?
      8)A opinião de que todo negro que ingressasse no Brasil nos anos 1860 seria escravizado também carece de fundamento. Naquela altura, já havia mais negros livres e libertos do que cativos. Pelo censo de 1872, se não me falha a memória, eram 2,5 contra 1,5 milhões. Obviamente, se os confederados trouxessem seus ex-escravos tratariam-nos como verdadeiros escravos, mas não me prendo a esta situação específica, e sim à disposição do governo imperial de não desejar o ingresso de todo e qualquer negro, mesmo nascido livre, rico e culto.

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