Retorno ao tema da colonização espanhola, em parte motivado por uma matéria promocional, publicada na revista Veja, sobre um dos livros de Leandro Narloch. Apresento abaixo um trecho diminuto, mas suficiente para entendermos os propósitos do autor e da agência extra-oficial de notícias do tucanato.
Salvo grave distorção cometida pelo redator da resenha, Narloch e seu parceiro Duda Teixeira sugerem que a conquista do Império Inca pelos espanhóis funcionou para muitos dos súditos daquele Estado como uma verdadeira libertação, pois teriam ficado isentos da prestação compulsória de serviços. Qualquer bom aluno de sétimo ano do Ensino Fundamental se lembraria de que os índios andinos, sob a administração colonial, estiveram submetidos a dois sistemas de trabalho de tipo servil, a mita e a encomienda. Entretanto, me irrita saber que milhares de incautos, na verdade desejosos de exibir algum embasamento para seus reacionarismos, repetirão citações deste gênero como se fossem leis da Física amplamente comprovadas em laboratório. Forneço, então, um pouco de munição para quem se dispuser à divertida tarefa de refutá-los.
Longe de abolir os serviços compulsórios preexistentes, os espanhóis reorganizaram-nos segundo seus interesses. Pela leitura de Julio Cotler, notamos que ao longo do período colonial o caráter exploratório da mita se intensificou. O regime era mortal para a maioria dos administrados: a combinação entre marchas prolongadas e trabalho exaustivo tornava os índios ainda mais vulneráveis às doenças vindas do Velho Mundo.
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O depoimento do frei Loayza, testemunha ocular da mita, não deixa dúvidas sobre o fato de que naquela região, tomando de empréstimo uma expressão de Darcy Ribeiro, girava com rapidez um "moinho de gastar gente".
Além de pagarem salários miseráveis aos mitayos, os colonizadores contaram com um auxílio inusitado em seu propósito de diminuir os gastos com a mão de obra. Incentivando a produção e controlando a comercialização da coca, puderam reduzir a quantidade dos alimentos consumidos pelos índios.
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A imposição pelos espanhóis de tributos pagos em mercadoria era um estímulo a mais às rebeliões.
Sob tal nível de opressão, a resistência militar no Peru se estendeu até a década de 1570. Não faz sentido a crença de alguns na imediata e completa submissão dos incas, impotentes diante dos canhões, cavalos e armaduras dos invasores, aos poucos soldados de Pizarro.
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Ao contrário do que gostariam os conservadores, a implantação do catolicismo hispânico nos Andes também dependeu de uma significativa dose de truculência. Métodos inquisitoriais, entre os quais o incentivo à delação, foram empregados para reprimir os que se mantinham ligados às antigas crenças. Os "heréticos" ficavam sujeitos a humilhações públicas e castigos físicos, como o açoite.
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Tal como ocorrera nas Antilhas, a colonização da região andina pela Espanha resultou na formação de uma sociedade com relações fortemente racializadas, em prejuízo de todos os grupos tidos como não-brancos. Os indivíduos considerados índios puros, aos quais se impunham muitas proibições, sofriam uma autêntica segregação.
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Seus descendentes mestiços, ainda que escapassem dos tributos diretamente derivados da conquista, se alojavam, com poucas exceções, nos degraus inferiores da hierarquia racial do Império Espanhol.
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A despeito do tosco revisionismo que se tenta difundir, seja ele conservador ou neoliberal, não há como suavizar os crimes da colonização.
Referências:
BERNAND, Carmen. Imperialismos ibéricos. In: O livro negro do colonialismo/org. Marc Ferro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
COTLER, Julio. Peru: classes, Estado e nação. Brasília: FUNAG, 2006.
POLONI-SIMARD, Jacques. A América espanhola: uma colonização de Antigo Regime. In: O livro negro do colonialismo.
WACHTEL, Nathan. Os índios e a conquista espanhola. In: História da América Latina: A América Latina colonial, volume 1. São Paulo: Edusp; Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 1998.
Que os conquistadores espanhóis tinham como objetivo evangelizar os índios e salvá-los da tirania de seus reis, é claro que isso é história de carochinha, e nem na época se acreditava nisso, haja visto que a Igreja Romana era contra a escravização dos indígenas. Mas agora, ninguém precisa ser especialista na História do período para saber que poucas centenas de soldados não são capazes de dominar milhões de índios, mesmo que contem com armaduras de ferro e armas de fogo. Embora essas armas lhes dessem uma enorme superioridade imediata, é preciso lembrar que a pólvora e a munição que traziam dos navios era em quantidade muito limitada, e que homens vestidos em pesadas armaduras não podem transpor cursos d'água nem escalar muros, e podem ser emboscados, cercados e apanhados a laço. Aliás, até os nossos bandeirantes preferiam lutar mesmo era com arco-e-flecha, dava melhores resultados.
ResponderExcluirParece-me evidente que, se poucos espanhóis conseguiram dominar milhões de índios, foi porque, no mínimo, ofereceram a eles uma dominação menos opressiva do que aquela a que eles estavam acostumados. E eu penso que que muitos índios sequer sentiram muita diferença entre o antes e o depois, mesmo porque muitas modalidades de escravidão usadas pelos espanhóis era baseada em corvéias já usadas pelos imperadores para com seus súditos; por exemplo, foi assim que se obteve mão-de-obra para as minas de Potosí na atual Bolívia. E de modo geral, a escravidão na império espanhol nunca teve as dimensões que veio a ter no Brasil ou no sul dos EUA.
A evangelização dos índios era a justificativa ideológica principal da conquista, o que não significa afirmar que toda a sociedade espanhola acreditava nela. A julgar pela quantidade de sites tradicionalistas que enaltecem o império espanhol, muitos acreditam até hoje! É certo que a dominação, aliás como acontece na maioria dos casos, contou com colaboradores "de dentro". Um dos textos que postei mostra que Manco Capac, antes de liderar a resistência inca, se passou para o lado espanhol. Concordo que a vantagem tecnológica não era tudo, tanto que deixou de funcionar em regiões como o sul do Chile, mas também não pode ser menosprezada. Basta imaginar o que representaria, para um índio, ver uma casa das maiores desmoronar com um único tiro de canhão, ou um espanhol continuar lutando depois de levar várias flechadas, detidas pela armadura.
ResponderExcluirQuanto a "sentirem pouca diferença", é uma tese difícil de sustentar, visto que a conquista só se consolidou na década de 1570, quase quarenta anos após a chegada de Pizarro. As fontes deixam claro, igualmente, que a opressão tributária se ampliou, o que parece lógico, se tivermos em vista o caráter mercantil da colonização.