“Em 1860, assim como em 1760, o trabalho forçado dos não-europeus continuou
a ser o tipo de trabalho preferido por capitalistas racionais, que
escolhiam cultivar as áreas em grande parte não-desenvolvidas dos trópicos
[...] Os 20 milhões que deixaram a Índia
entre 1830 e 1910, geralmente na qualidade de servos a contrato, superam em
dobro os africanos obrigados a desembarcar na América durante os quatro séculos
do comércio atlântico de escravos”.
(Seymour Drescher, historiador americano, citado em LOSURDO, Domenico. Contra-História do liberalismo. Aparecida (SP): Ideias & Letras, 2007,
p. 237)
“Concordo com vocês sobre o fato de que os maiores perigos
internos, que ameaçam hoje os estados do Norte, são menos a escravidão do que a
corrupção das instituições democráticas [...].
Quanto à política que permite à escravidão desenvolver-se em toda uma
parte da terra na qual até então era desconhecida, admitirei, como vocês
sustentam, que não
se pode fazer outra coisa senão tolerar tal extensão, no interesse
particular e atual da União”.
(Alexis de Tocqueville, pensador
liberal francês, em carta de 1857 sobre a política interna norte-americana. Citado em LOSURDO, Domenico. Contra-História do liberalismo, p. 168)
O senso comum associa o desenvolvimento do capitalismo ao enfraquecimento ou dissolução dos sistemas de trabalho compulsório, em particular a escravidão. Em tese, a transformação de escravos e servos em mão de obra assalariada seria de grande interesse para a burguesia, que lucraria com a ampliação dos mercados consumidores. Todavia, abundam exemplos de que o sistema capitalista, em plena era industrial, conviveu pacificamente com formações econômicas "arcaicas". Mais do que isto, as potências capitalistas aceitaram em sua política colonial, até datas incrivelmente avançadas, a permanência da exploração do homem pelo homem em suas versões mais brutais.
Retardatária em relação à Inglaterra e à França, a Holanda aboliu oficialmente a escravatura em seus domínios no ano de 1859. Consultando Thomas Beaufils, entretanto, notamos que as autoridades coloniais holandesas das Índias Orientais foram negligentes no cumprimento desta legislação, permitindo que décadas depois ainda existissem milhares de escravos em alguns lugares. Não existia empenho, igualmente, em garantir que os ex-cativos desfrutassem de uma liberdade efetiva¹.
Ainda mais retardatário, Portugal estendeu a escravidão legalizada até 1875. Porém, no que se refere a Moçambique, os "libertos" continuavam a ser vistos e tratados como propriedade, o que foi atestado pelo diplomata britânico Frederic Elton².
O senso comum associa o desenvolvimento do capitalismo ao enfraquecimento ou dissolução dos sistemas de trabalho compulsório, em particular a escravidão. Em tese, a transformação de escravos e servos em mão de obra assalariada seria de grande interesse para a burguesia, que lucraria com a ampliação dos mercados consumidores. Todavia, abundam exemplos de que o sistema capitalista, em plena era industrial, conviveu pacificamente com formações econômicas "arcaicas". Mais do que isto, as potências capitalistas aceitaram em sua política colonial, até datas incrivelmente avançadas, a permanência da exploração do homem pelo homem em suas versões mais brutais.
Retardatária em relação à Inglaterra e à França, a Holanda aboliu oficialmente a escravatura em seus domínios no ano de 1859. Consultando Thomas Beaufils, entretanto, notamos que as autoridades coloniais holandesas das Índias Orientais foram negligentes no cumprimento desta legislação, permitindo que décadas depois ainda existissem milhares de escravos em alguns lugares. Não existia empenho, igualmente, em garantir que os ex-cativos desfrutassem de uma liberdade efetiva¹.
Ainda mais retardatário, Portugal estendeu a escravidão legalizada até 1875. Porém, no que se refere a Moçambique, os "libertos" continuavam a ser vistos e tratados como propriedade, o que foi atestado pelo diplomata britânico Frederic Elton².
A situação em Angola parecia ser pior. O sucesso da plantation em várias regiões daquela colônia favoreceu a sobrevida do escravismo. Lovejoy aponta que na década de 1890 os cafezais angolanos empregavam uma mão de obra que, na prática, continuava a viver em condição análoga à escravidão³.
O Estado francês, que aboliu o cativeiro em suas colônias americanas em 1848, também tolerou, durante muito tempo, que as relações escravistas vigorassem em suas áreas de influência na África. Identificamos, mais uma vez através de Lovejoy, que o governo colonial chegou a impedir intencionalmente que os escravos da região do Senegal desarticulassem o sistema, escapando em massa para as comunas sob controle mais direto da França4.
Também em prol da governabilidade no ultramar, a Inglaterra, que extinguira a escravidão nas ilhas caribenhas sob seu domínio em 1833, entrou em acordo, vinte anos mais tarde, com as forças escravistas da região que hoje constitui a Nigéria. A diplomacia britânica tentou tranquilizá-las a respeito da possibilidade de perda das suas "propriedades". Apesar de tal compromisso, muitos escravos viram a nova conjuntura política como uma brecha que lhes facilitaria o acesso à liberdade5.
O mito do Império Britânico enquanto força impulsionadora da liberdade desaba por completo se voltarmos o olhar para Serra Leoa: no protetorado constituído para abrigar os egressos da escravidão, ainda havia cativos em ... 1926 [6].
[continua]
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1- Ver Thomas Beaufils. O colonialismo nas Índias Holandesas. In: O livro negro do colonialismo/org. Marc Ferro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, p. 280.
2- Ver Paul Lovejoy. A escravidão na África, uma história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 337.
3- Idem, p. 342.
4- Ibidem, p. 382/383.
5- Ibidem, p. 370.
6- Ibidem, p. 366.
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