Hitler e Hindenburg
Muitos direitistas se empenham, sistematicamente, na tarefa de dissociar o nazismo, bem como a figura satanizada de Adolf Hitler (1889-1945), do campo conservador. Uma das táticas mais bisonhas utilizadas com este propósito é a frequente repetição do mote "Hitler era o chefe do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães", dando-se ênfase, é claro, ao termo "Socialista". Rótulo por rótulo, convém sempre lembrá-los de que a direita portuguesa se agrupa no Partido Social Democrata, e que a agremiação fascista russa organizada por Vladimir Jirinovski recebe a denominação de Partido Liberal-Democrático. Mas levemos a discussão para um terreno mais consistente.
Vencido o Império Alemão na Primeira Guerra Mundial, o país assistiu à luta generalizada entre nacionalistas de direita e socialistas. O Freikorps, força militar integrada por voluntários e criada por sugestão do Alto Comando, reprimia com mão pesada os movimentos esquerdistas, assim como as administrações regionais desta tendência. A tentativa de parte da esquerda de estabelecer um governo revolucionário a partir da cidade de Munique foi sufocada com elevada dose de violência.
O Partido Democrático Social (SPD), que encabeçava a coalizão governista formada em 1919, à qual aderiram o Partido do Centro Católico e o Partido Democrático Alemão (de tendência liberal), buscava instrumentalizar os anti-republicanos do Freikorps contra a esquerda revolucionária, embora na prática não tivesse o menor controle sobre os nacionalistas radicais, inteiramente avessos à democracia¹. Este fato pouco surpreende, visto que o SPD, nos anos anteriores, apoiara a guerra no Parlamento, com exceção de sua ala mais à esquerda, que em abril de 1917 se afastou para compor um novo partido de oposição, o USPD (Democratas Sociais Independentes)².
Todavia, em 1920, as mesmas unidades do Freikorps usadas contra os socialistas se voltaram contra o governo central, no episódio que ficou conhecido como putsch Kapp-Lüttwitz, em referência a seus líderes Wolfgang Kapp (1858-1922), funcionário público que fundara durante a guerra o Partido da Pátria, e Walther von Lüttwitz (1859-1942), general que comandava o Freikorps em Berlim. A República de Weimar, então, foi salva pela resistência dos trabalhadores, associada a uma certa inoperância dos golpistas.
Ao contrário do que ocorrera com os participantes do levante de Munique, Kapp, Lüttwitz e quase todos os seus seguidores foram absolvidos. O Judiciário alemão, bastante conservador, assumiu uma postura de proteção aos rebeldes da direita³.
Já naqueles anos, Adolf Hitler, então um obscuro veterano condecorado na guerra, se alinhava com o governo monarquista da Baviera, onde residia. A região funcionava como um celeiro para os movimentos direitistas que conspiravam contra Weimar4. Nota-se, portanto, que ao contrário de Mussolini, a quem sempre admirou, Hitler construiu sua carreira política, de maneira ininterrupta, na extrema direita.
Inspirado pelo êxito de Mussolini na Marcha sobre Roma, Hitler empreendeu, em fins de 1923, seu próprio golpe de Estado, no que fracassou. Porém, os juízes trataram-no conforme os parâmetros usados com Kapp. Apesar da extrema gravidade dos crimes cometidos, o futuro Führer recebeu uma sentença leve, dispondo ainda de facilidades para prosseguir em suas atividades de doutrinação5.
As eleições de 1924 enfraqueceram o SPD, que embora continuasse a ser o partido com mais cadeiras no Parlamento, perdeu espaço à esquerda e à direita. A direita nacionalista e anti-republicana, em particular, ampliou sua fatia do eleitorado.
Em fevereiro de 1925, quando o general Hindenburg chegou à presidência da Alemanha, Adolf Hitler foi um de seus partidários. Mais uma vez, localizamos o líder supremo do nazismo ao lado de conservadores de tipo tradicional, que sonhavam com o retorno da monarquia6.
[continua]
Notas:
1- Ver Roderick Stackelberg. A Alemanha de Hitler: origens, interpretações, legados. Rio de Janeiro: Imago, 2002, p. 99.
2- Idem, p. 88.
3- Ibidem, p. 105.
4- Ibidem, pp. 109/110.
5- Ibidem, p. 111.
6- Ibidem, p. 114.
Gustavo, vc como historiador, sabe dizer se existe algum historiador sério que relacione o Nazismo como sendo extrema-esquerda?
ResponderExcluirSinceramente não. No máximo, podem existir alguns birutas que digam isto sem rir.
ResponderExcluirEntão você considera Alain Besançon, Norman Cohn, Norman Davies, Boris Sokolov, Ernst Topitsch, Leo Strauss, Eric Voegelin e Erik von Kuehnelt-Leddihn uns birutas?
ResponderExcluirAfinal, ainda que só os primeiros sejam historiadores, todos enxergam profundas ligações entre Socialismo e Nazismo.
Birutas, tecnicamente falando, não são, mas se recusam a ver o óbvio:
ResponderExcluir1- O nazismo herdou as bases do nacionalismo de direita.
2- Em nenhum momento os nazistas subverteram a ordem econômica capitalista.
3-É simplesmente impossível explicar como um governo filo-socialista poderia apoiar o ultra-conservadorismo franquista contra ... os socialistas.
4- A ideologia nazista é uma negação completa do princípio da igualdade, em qualquer acepção.