terça-feira, 22 de maio de 2012

A direita "respeitável" e seu embaraçoso parentesco com o fascismo (I)- Itália



Ettore Conti (1871-1972) [primeiro à esquerda], presidente da Confindustria, associação patronal italiana, recebe uma delegação indiana com Edda Mussolini (1910-1995), filha do ditador.


        Conservadores "convencionais", liberais conservadores e mesmo alguns conservadores assumidamente autoritários se mostram ofendidos, na maioria dos casos, quando chamados de fascistas.  Rejeitam a pecha de simpatizantes de um regime que, abrindo o caminho para um movimento de extrema direita ainda mais radical, o nazismo, concentrou em si boa parte da responsabilidade pelo conflito mundial que se estendeu de 1939 a 1945.  
    Não obstante os sinais de aprovação concedidos a Benito Mussolini (1883-1945) por ícones do liberalismo econômico como Ludwig von Mises (1881-1973), certos setores da direita menos letrada chegam ao extremo de indicar os fascistas como adeptos de um modelo peculiar de socialismo.  Prevalecendo esta engenhosa versão, o sistema capitalista estaria absolvido pelas dezenas de milhões de mortes decorrentes da Segunda Guerra. 
       Sei que desconstruir o imaginário de fanáticos não é uma tarefa simples.  Ainda que expostos a numerosas provas documentais e aos argumentos de especialistas que se debruçam há décadas sobre determinados temas, são capazes de reafirmar até a exaustão a opinião mal fundamentada, por vezes mero palpite, do guru que eventualmente tenham escolhido.  Todavia, é preciso submetê-los, de tempos em tempos, a alguns choques de realidade.  Na pior das hipóteses, a repetição do óbvio enfraquece um pouco seu proselitismo pobre, e teremos menos um punhado de fãs de Ali Kamel, Reinaldo Azevedo e Leandro Narloch. Nosso "óbvio", naturalmente, é a forte vinculação do fascismo, desde, no mínimo, o período em que se tornou uma opção viável de poder, à defesa da propriedade de tipo capitalista, e sua aceitação, uma vez no governo, por praticamente toda a burguesia italiana.
       O movimento fascista foi bastante heterogêneo quanto à origem social de seus integrantes.  Entretanto, é inegável que agregou segmentos belicosos, antigos entusiastas da Primeira Guerra Mundial, que desejavam alargar as fronteiras da Itália por meio da agressão militar.  Isto constituiu a primeira motivação de seu ódio aos socialistas, que se opunham a tal projeto.  Muitos fascistas, como se depreende da leitura de Martin Blinkhorn, estavam longe de possuir uma situação econômica privilegiada, mas sua hostilidade à esquerda garantiu, bem antes da Marcha sobre Roma, o patrocínio interessado dos latifundiários e de uma parte dos industriais¹.                                  


        O apoio "moral e financeiro" destas forças conservadoras acabou por consolidar um posicionamento mais à direita por parte dos fascistas.  Os seguidores de Mussolini não apenas defendiam a monarquia e agrediam os socialistas de todas as formas ao seu alcance, como também se aproximavam, na política parlamentar e no ideário econômico, dos liberais italianos².  



           Robert Paxton nos revela minuciosamente que os grandes proprietários de terra de várias partes do país, principalmente os do centro-norte, aprovaram com entusiasmo o squadrismo fascista como  estratégia de luta contra os camponeses oeganizados e seus aliados socialistas.  Neste processo, além das margens de lucro da agricultura comercial, estava em jogo a manutenção do status dos fazendeiros³.


        Diante da recusa do governo em solucionar os conflitos de classe a seu favor, os proprietários rurais estimularam os Camisas Negras a agir com extrema violência.  Começando pela invasão da prefeitura de Bolonha, os fascistas empreenderam ataques armados contra centenas de organizações políticas e culturais sob controle da esquerda4.





            O sucesso de Mussolini em suas iniciativas contra os socialistas lhe rendeu, em seguida, a simpatia dos industriais.  Donald Sassoon demonstra que Ettore Conti, principal liderança deste setor, via o líder do fascismo  como um admirável elitista, defensor da propriedade e inimigo do comunismo5.



          Pouco mais tarde, já no poder, os fascistas retribuiriam a compreensão dos capitalistas implantando uma política econômica de viés predominantemente liberal6.


[continua]


Notas:
1- Martin Blinkhorn.  Mussolini e a Itália fascista.  Lisboa: Gradiva, p. 39.
2- Idem, p. 40.
3- Robert O. Paxton.  A anatomia do fascismo.  São Paulo: Paz e Terra, 2007, p. 109.
4- Idem, p. 110.
5- Donald Sassoon.  Mussolini e a ascensão do fascismo.  Rio de Janeiro: Agir, 2009, pp. 117/118.
6- Idem, p. 120.







10 comentários:

  1. O fascismo e o socialismo derivam do mesmo tronco. Ambos são regimes de espetáculo, de fanfarra, de organizações de massa, de operários e estudantes desfilando uniformizados. Quando eu afirmo isso a um jovem dos dias de hoje, pensam que fiquei maluco, mas não me surpreendo: na época atual, o termo fascista reduziu-se a um mero xingamento, tornou-se o antônimo do socialismo. Para a garotada de hoje, fascista é um sujeito careca, forte, burro, que usa coturnos e soco-inglês, defensor das desigualdades sociais, partidário dos ricos contra os pobres e dos fortes contra os fracos. Ironicamente, na época atual, o regime político que mais se assemelha ao extinto fascismo é o bolivarianismo de Hugo Chávez, justamente o ídolo daqueles que veem no fascista uma figura caricata...

    Agora eu pergunto: como se pode afirmar que é liberal e pró-capitalista um regime que tinha como divisa a conhecida frase de Mussolini: "Nada fora do Estado, nada contra o Estado, tudo no Estado, tudo para o Estado"?

    Se o fascismo, obviamente, não é igual ao socialismo, por outro lado ele tem um claro viés anti-liberal, não apenas na política, como também na economia. O fascismo inverte a relação tradicional que existe entre a burguesia e o Estado: nos regimes liberais e oligárquicos, a burguesia comanda o Estado; no fascismo, é o Estado que comanda a burguesia (na realidade, os regimes fascistas criam uma burguesia para seu uso, favorecendo os burgueses aliados ao mesmo tempo em que perseguem e expropriam os burgueses não cooptados. Por isso, você não teve dificuldade em citar exemplos de ditadores fascistas "liberais" que "privatizaram" empresas em favor de seus paniguados. A chamada boliburguesia na Venezuela de Chávez é um exemplo do que eu estou falando).

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  2. Prosseguindo, as origens comuns do fascismo e do socialismo são notórias na própria história pessoal dos militantes e simpatizantes desses regimes. Mussolini começou como editor de um jornal socialista. Mesmo no Brasil, várias personalidades marcadamente direitistas foram comunistas em sua juventude, como Reinaldo Azevedo e Olavo de Carvalho. Mera coincidência? Eu diria que é uma questão de afinidade entre ideologias.

    O público-alvo dos fascistas sempre foi o mesmo dos socialistas: operários, ex-militares, intelectuais descontentes da classe média, desajustados de todas as matizes. É muita benevolência afirmar que as massas só aderiram ao fascismo depois de haverem sido destruídas as organizações de esquerda que as agregavam, isso não tem lógica: se elas realmente abominavam o fascismo, poderiam ter simplesmente saído de cena para não colaborar com o novo regime. Mesmo no Brasil, o episódio conhecido como a Batalha da Praça da Sé ou a Revoadas das Galinhas Verdes, muito celebrado pela esquerda, é reconhecido como tendo sido uma reação contra a penetração do movimento integralista nos meios operários. Eles não gostavam de concorrência. O caso da Alemanha dos anos vinte é emblemático: os operários e descontentes em geral se dividiam entre o partido nazista (nacional-SOCIALISTA) e o partido comunista, enquanto a classe média conservadora apoiava so social-democratas. Quanto os comunista começaram a bandear em massa para o nazismo, o equilíbrio se rompeu, os social-democratas ficaram em minoria e o resto da história todos conhecem.

    Quanto ao apoio de grandes capitalistas a regimes fascistas, isso não me surpreende: burgueses, em geral, não têm ideologia e visam apenas o lucro. Grandes banqueiros e industriais também "apoiaram" a URSS de Lenin na época da NEP (Nova Política Econômica).

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  3. Façamos algumas observações:

    1)Mussolini era filho de um militante socialista, e militou no Partido Socialista, mas se afastou por defender o envolvimento da Itália na guerra e o expansionismo territorial, o que constrastava com o ideário socialista. De resto, ele nada acrescentou ao pensamento de esquerda, mas muito ao de direita, tanto que desfrutou até a morte da admiração de Hitler.

    2)Insinuar que movimentos que com propósitos opostos têm a mesma origem não faz sentido. O que há de comum entre um partido que prega a revolução operária e outro que exalta uma "elite forte e audaz"? Parece o discurso de Joaquim Nabuco de que senhor e escravo no fundo são a mesma coisa. Se pensarmos em exemplos individuais, Carlos Lacerda foi do Partido Comunista e se tornou "liberal". O que isto prova?

    3)Sobre a "adesão das massas" é importante recordar que Mussolini, quando chegou ao poder, era o chefe de um partido que possuía apenas 35 deputados, uns 6 ou 7% do parlamento. Os fascistas já se apresentavam (ver texto) como a força política mais à direita naquela casa e combatiam abertamente os trabalhadores de esquerda na cidade e no campo. A estrutura sindical que criaram mais tarde atendia em grande parte aos interesses do empresariado.

    4)É certo que operários votavam em Hitler, assim como votam até hoje em Marine Le Pen, mas o faziam seduzidos pelo discurso da grandeza nacional, não numa perspectiva de dar uma direção operária à sociedade.

    5)Quando Hitler se tornou chanceler, a representação comunista estava na prisão. O Führer, na verdade, só formou uma maioria absoluta por ter recebido apoio do Zentrum, partido pequeno burguês católico, e de algumas correntes nacionalistas conservadoras.

    6)Os burgueses não passaram exatamente um cheque em branco a Mussolini. Os fascistas contiveram durante vinte anos os salários e as reivindicações dos trabalhadores de maneira geral, e a propriedade capitalista foi integralmente mantida.

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  4. Pedro Mundim adora o "esporte" de "refutar" o que não foi dito. Nenhum dos autores citados (e nem eu)disse que a ideologia fascista é liberal, mas sim que a maioria dos liberais concordou com a ascensão de Mussolini, e que Mussolini respondeu a esta confiança com algumas medidas econômicas de natureza ortodoxa. Se os fascistas eram adeptos de um Estado grande, este mesmo Estado era intervencionista em favor da mencionada "elite forte e audaz", representada por industriais e outros empresários, não pelos camisas negras pobres que mais se destacavam na arte de distribuir pedradas, pauladas e tiros.

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  5. Fugindo um pouco do tema do topico Gustavo você conhece essa frase ''Acuse os adversários do que você faz....
    , chame-os do que você é!”

    ele é supostamente atribuída a Lenin mas nunca encontrei uma fonte bibliográfica que indicasse isso.

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  6. Digo o mesmo: nunca soube qual é a fonte, mas já vi escrito dúzias de vezes no Orkut. O problema da Internet são as informações deturpadas.

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  7. por quanto tempo estas falácias vão ficar no ar?

    o problema da internet realmente são informações deturpadas.

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  8. Por falar em tempo, por que o anônimo perde o seu denunciando "falácias" sem mostrar o que seria a verdade? Sou forçado a questionar se o anonimato se deve à preguiça de argumentar ou à pura indigência mental.

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  9. eu mostrei só que o senhor não colocou não é mesmo?

    mas é típico de "igualitaristas" censurarem o que lhes desagrada.

    por que não colocou a resposta que tem o link do mises mostrando o que ele realmente fala sobre o fascismo?

    por que não mostra que o nazismo é um tipo de socialismo, como o próprio estatuto do partido proclama e como o próprio nome diz PARTIDO NACIONAL SOCIALISTA DOS TRABALHADORES ALEMÃES.

    por que não mostra os pontos do fascismo que em nada tem a ver com o liberalismo?

    Por que não mostra que o liberalismo condena o fascismo e qualquer forma de totalitarismo, como o comunismo?

    Indigêcia mental? Ou quer esconder dos seus leitores?

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  10. 1)Mises disse efetivamente que "o mérito do fascismo viverá para sempre na história". Por que nega o que milhões sabem?
    2)O partido fascista da Rússia se chama liberal-democrático. Reconhece Vladimir Jirinovski como liberal? Convenhamos...
    3)Em nenhum momento eu disse que fascismo e liberalismo são a mesma coisa. Mas mostrei que fascistas e liberais são capazes, sem grande dificuldade, de formular um "programa de consenso".
    4)Que liberalismo condena o fascismo? Já viu quantos liberais idolatram Pinochet? Quantas coalizões Berlusconi já conseguiu montar, com liberais E fascistas?
    5)Ainda não explicou qual foi a falácia, mas continua se valendo do anonimato.

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