Roberta
Fragoso Kaufmann, advogada do DEM, defendeu nos últimos dias as diretrizes
deste partido no Supremo Tribunal Federal.
Como foi amplamente noticiado, os ex-pefelistas impetraram uma ação de
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) contra o sistema de
cotas raciais instituído na Universidade de Brasília (UnB). Não terei como foco principal, nesta
postagem, a questão das cotas. Já deixei bem definidas minhas opiniões sobre o
tema em texto muito recente. O que me
inquieta, na verdade, é uma breve exposição de Roberta contra a implantação de
medidas de ação afirmativa no Brasil, divulgada no site do Instituto Millenium:
Os
argumentos não são exatamente originais, mas a advogada sustenta com fervor
duas teses muito caras à maioria dos conservadores brasileiros, ainda que não
estejam formuladas exatamente nestes termos:
1)Não existem, a rigor, problemas
étnicos no Brasil.
2)As desigualdades sociais entre
brancos e negros refletem apenas as diferenças, verificadas em passado mais ou
menos distante, no campo das oportunidades econômicas.
Como
discordo radicalmente destas premissas, comentarei alguns trechos do artigo de
Roberta.
Alguém poderia me ensinar qual é o limite
exato entre um pardo e um branco no Brasil? Será que preciso andar com uma
cartela de cores igual à das lojas de pintura para que esta definição seja
precisa e possa fazer algum sentido?
Um
recurso típico dos adversários das cotas é a biologização das questões étnicas;
ao invés de se reportarem ao elemento fundamental, o identitário (como me vejo
e como sou visto), tentam embaralhar o debate com afirmativas do tipo “Os
negros têm sangue branco e os brancos têm sangue negro”. Roberta Kaufmann vai além e, incorrendo
exatamente em um erro que pretende criticar, vincula as identidades étnicas à
cor da pele dos indivíduos, coisa que causaria arrepios em qualquer antropólogo. Mas devo responder objetivamente: um pardo é
uma pessoa que se entende como mestiço afrodescendente, não importando se sua
cútis é marrom escura, avermelhada ou amarelada, se possui ou não os marcadores
X, Y e Z em seu DNA,
se tem cabelo crespo, liso ou ondulado.
Um branco é alguém plenamente identificado com sua origem europeia (ou,
em alguns casos, sírio-libanesa, turca, judaica), mesmo que a pesquisa
genealógica demonstre que uma de suas bisavós foi escrava nascida no Congo.
Não por acaso, na única pesquisa de amostragem
em que o entrevistado foi livre para dizer à que cor pertencia, o resultado em
terras tupiniquins foram impressionantes 135 possibilidades, em uma mostra
criativa que nem o Aurélio é capaz de reproduzir.
A
multiplicidade de autodefinições, tantas vezes mencionada pelos crentes na
democracia racial, aponta para o contrário do que Roberta gostaria de provar:
em primeiro lugar, quando um entrevistado diz que sua cor é “negrota”, “verde”,
“saraúba”, “pouco clara” ou “branca suja”, revela inequivocamente a escassez de
oportunidades para se instruir, que sempre foi uma das principais mazelas da
população negra brasileira; em segundo, deixa igualmente óbvia a forte
hierarquização étnica que existe na sociedade: muitas pessoas têm vergonha de
se definir para estranhos como negras, pardas ou mulatas, palavras simples, de
fácil compreensão e de uso corrente em todas as classes.
Esta
exposição se torna melancólica em relação ao nosso país quando se percebe que
se a Corte Constitucional conceder o beneplácito à instituição das políticas de
cotas raciais em Universidades, como é o caso hoje em julgamento,
paulatinamente as cotas raciais serão estabelecidas em todos os setores
sociais, como pretendido pela Secretaria de Igualdade Racial, beneficiando
tão-somente uma casta de privilegiados de classe média e alta de negros que não
seriam os mais necessitados da ajuda estatal.
Temos
neste parágrafo uma forte contradição para uma profissional com a projeção de
Roberta Kaufmann: caso as cotas se ampliem para “todos os setores sociais”, o
que inclusive considero coerente, é ilógico que venham a beneficiar somente os
negros “de classe média e alta”. Alguém
consegue imaginar que os filhos de advogados, médicos e engenheiros negros se
candidatarão a vagas de caixa de supermercado e balconista de farmácia?
Em vez
de observarmos o Brasil como exemplo para o mundo do século XXI, a partir do
convívio harmônico entre brasileiros natos e imigrantes das mais diferentes
culturas, religiões e cores, ativo absolutamente estratégico nesse século de
tantos conflitos, pretende-se promover o dissenso e a divisão de nossa unidade
nacional.
Desconheço
o que Roberta entende como convívio harmônico, mas julgo absurdo o emprego desta
expressão quando as pessoas instruídas, de maneira geral, sabem que o Brasil
foi, durante o final do século XIX e boa parte do XX, um país de imigração
seletiva, cujos governantes assumiam sem disfarce seu objetivo de branquear
progressivamente a população. Durante
várias gerações, diretores de faculdades de Medicina, juristas, sociólogos e
outros intelectuais redigiram obras proclamando a inferioridade biológica do
negro, visão que se estendeu, direta ou indiretamente, a todos os níveis do
ensino público e particular. Não acredito
na viabilidade do projeto de apresentar ao mundo como exemplo uma sociedade em
que a subalternidade de uma parcela enorme de seus integrantes é praticamente
naturalizada por segmentos numerosos.
Muitos brasilianistas já denunciaram a falsidade da lenda.
Podemos
ser criativos e elaborarmos um modelo próprio de ação afirmativa para a
necessária integração dos negros carentes no Brasil. Cotas sociais, sim! Cotas
raciais, não! Porque a pobreza, no Brasil, é a grande causa da segregação.
Roberta
Kaufmann fecha o libelo com seu engano mais grave: se é certo que a pobreza se
distribui por todas as etnias, aliás de maneira nada “equilibrada”, existem
circunstâncias perversas que não podem ser explicadas por critérios de
renda. Recorro de passagem ao Relatório
Anual das Desigualdades Raciais no Brasil; 2007-2008, organizado por
Marcelo Paixão e Luiz Carvano, vinculados ao Instituto de Economia da
UFRJ. Os dados apresentados nesta
publicação indicam que a vida de pessoas não-brancas, no país, vale muito menos
do que a de pessoas brancas, ou no mínimo que existe uma presunção generalizada
de impunidade no que se refere ao assassínio de não-brancos. Ainda que levemos em conta o declínio da
oferta de serviços de segurança pública segundo os bairros em que predominam as
diversas classes sociais, a desproporção é gritante:
“A razão de mortalidade por 100 mil habitantes de homens pretos e
pardos por armas de fogo foi, em 2005, de 45. Entre os homens brancos, de
24,2. No caso das mulheres, foram:
pretas e pardas, 2,5; brancas, 1,8[1]”.
Como
se não bastasse a possibilidade nunca desprezível de fuzilamento por bandidos,
policiais ou mesmo vizinhos enfurecidos, os negros se defrontam com outro
problema também muito evidente: por mais que se qualifiquem intelectualmente,
nada garante que obterão reconhecimento enquanto trabalhadores intelectuais. Nem tampouco que o Estado capitalista vá
ampliar satisfatoriamente a rede de ensino de maneira a contemplar todos os que
desejam chegar aos níveis mais altos de escolaridade. Encaremos com realismo
mais algumas estatísticas:
A proporção de pretos e pardos ocupados, com pelo menos o ensino médio
completo, em 2006, equivalia à situação dos brancos onze anos antes, em
1995. Do mesmo modo, apesar de ter
praticamente dobrado o percentual de ocupados pretos e pardos com nível
superior- de 1,9%, em 1995, para 3,7% em 2006-, o peso dos diplomados com este
nível de instrução, comparativamente à distribuição dos ocupados brancos por
nível de instrução- de 13,5% neste caso-, correspondia a menos de um terço que
o dos brancos[2].
Por
todas estas razões, eu digo: Cotas sociais, sim! Cotas raciais, sim! Não à
intenção de segregação camuflada pelo discurso da igualdade formal!
Sou negro, fui pobre e digo: Dívida histórica foi com os escravos e não com os negros. Agora se você quer empurrar goela abaixo uma atitude afro-nazista imposta pelo governo da nova ordem comandado pelos maçons e clube Bildenberg sem motivo algum você é pior que os anti semitas.
ResponderExcluirVocês são a Direita Extrema disfarçado de esquerda.