sexta-feira, 13 de abril de 2012

O Estado norte-americano e sua obsessão por Cuba: a consolidação de uma república tutelada (século XX)


     
         Estabelecendo controle militar sobre Cuba após a vitória sobre a Espanha, os americanos mantiveram, no essencial, o antigo status quo.  As autoridades espanholas conservaram seus cargos. Os interlocutores oficiais das tropas de ocupação eram, basicamente, os elementos mais ricos do setor comercial e dos grupos de exilados que retornavam à ilha vindos da Flórida e de Nova York.  Os soldados cubanos que haviam lutado pela independência se viram desprezados, bem como a população negra de modo geral.  Uma das medidas adotadas pela administração americana foi a recriação de uma força paramilitar, a Guarda Rural, que já existira durante o domínio espanhol, estruturando-a segundo critérios segregacionistas: quase todos os oficiais eram brancos[1].
            O presidente McKinley escalou para coordenar o futuro de Cuba seu secretário da Guerra, Elihu Root, a quem cabia facilitar a sonhada anexação.  Root compartilhava com o general Leonard Wood, comandante militar em Havana, a ideia de que pela combinação de um sufrágio limitado com fraudes eleitorais haveria boas possibilidades de sucesso.  Assim, para as eleições que se realizaram em 1900, com vistas ao preenchimento de cargos municipais e à formação de uma Assembleia Constituinte, os americanos impuseram como condições para o voto a alfabetização e a propriedade de bens com valor acima de 250 dólares.  Somente os ex-participantes da luta armada pela descolonização estavam dispensados da cláusula patrimonial[2]
            Entretanto, duas das correntes políticas que se apresentaram no processo eleitoral, os republicanos e os nacionalistas (estes apoiados por Máximo Gómez) defendiam a tese da independência imediata, e prevaleceram sobre os unionistas democráticos, que desejavam a anexação.  Apesar da derrota, Elihu Root registrou com satisfação que os negros haviam sido excluídos em larga margem do eleitorado.  Sua visão era semelhante à da direção do jornal New York Times, que publicou na edição de 7 de agosto de 1899 a seguinte manchete:

Cuba pode ser outro Haiti.  O resultado do sufrágio universal seria uma república negra.  Os negros podem ganhar a primeira eleição[3].

            Antes de concederem uma soberania parcial a Cuba, os Estados Unidos pressionaram a Assembleia Constituinte cubana no sentido de referendar a emenda apresentada por Orville Platt no Congresso norte-americano em fevereiro de 1901.  Pela Emenda Platt, que vigorou até 1934, ficava estabelecido que os Estados Unidos teriam as prerrogativas de vetar quaisquer tratados internacionais assinados por Cuba, construir bases militares na ilha, impedir que um terceiro país o fizesse e supervisionar as finanças cubanas, entre outras exigências.  O acordo desigual permitiu a criação da base americana de Guantánamo (ainda hoje em operação) e as intervenções militares ocorridas de 1906 a 1909, em 1912 e de 1917 a 1923[4].
            Tomás Estrada Palma, postulante único e vencedor das eleições de dezembro de 1901, tornou-se presidente de Cuba em 20 de maio de 1902, dia em que recebeu o governo do general Wood.  Bartolomé Masó, um severo crítico da Emenda Platt, chegou a colocar sua candidatura, mas retirou-a depois que Wood nomeou para supervisionar a disputa uma comissão eleitoral composta por adeptos de Estrada Palma.  Este último seria, quatro anos mais tarde, o primeiro governante cubano a solicitar a presença dos marines em seu próprio país.  Diante da evidência de que as fraudes eleitorais assegurariam uma vitória dos republicanos (partidários do presidente, que buscava a reeleição), os liberais, então na oposição, abandonaram o pleito de dezembro de 1905.  Porém, em agosto do ano seguinte, promoveram uma rebelião armada que envolveu cerca de 24 mil homens.  Favoráveis a Estrada Palma, as oligarquias de Havana apelaram à intervenção americana, utilizando mais uma vez o argumento racial, já que os negros eram numerosos nas fileiras inimigas.  Atendendo aos pedidos, Theodore Roosevelt enviou a Cuba, além das tropas, Charles Magoon, advogado de Minnesota que atuaria ao longo de três anos, na prática, como um governador colonial[5].
            Naquele tempo, já vigorava o princípio que ficou conhecido como “corolário Roosevelt da doutrina Monroe”: em discurso de 6 de dezembro de 1904, o presidente americano declarou que os Estados Unidos poderiam recorrer ao “ataque preventivo” contra Estados incapazes de preservar a ordem interna ou de saldar seus compromissos financeiros.  Segundo Roosevelt,

Qualquer país ou povo que se comporte bem, pode contar com nossa amizade cordial.  Se a nação demonstra que ela sabe agir com razoável eficiência e decência nos assuntos sociais e políticos, se ela sabe manter a ordem e paga suas dívidas, ela não precisa ter medo da interferência dos Estados Unidos.  Um mau comportamento crônico, ou uma impotência que resulte no afrouxamento dos laços de civilidade social podem requerer, na América ou em qualquer outro lugar do mundo, a intervenção de alguma nação civilizada, e no caso do Hemisfério Ocidental, a adesão dos Estados Unidos à Doutrina Monroe pode forçar os Estados Unidos a exercer um poder policial internacional, mesmo que seja relutantemente[6].  
  
            Durante a segunda ocupação, foi organizado um exército cubano e criaram-se novas regras eleitorais, tudo sob a batuta do coronel Enoch Crowder (1859-1932), oficial formado na Academia de West Point que tinha em seu currículo combates contra os chefes indígenas Jerônimo (apache) e Touro Sentado (sioux).  Nas eleições regionais organizadas por Crowder em agosto de 1908, triunfou o Partido Conservador, formado basicamente pelos ex-republicanos de Estrada Palma.  Entretanto, na disputa pela presidência, em novembro do mesmo ano, venceram os liberais, que conduziram ao cargo José Miguel Gómez (1858-1921)[7].  É preciso assinalar que, enquanto quase todos os sobreviventes das guerras pela independência se reuniam no Partido Liberal, os conservadores, vistos com mais simpatia pelos Estados Unidos, agregavam outros interesses, inclusive dos que se mostraram, até o momento derradeiro, ligados à metrópole espanhola[8].
            A desunião dos liberais, em 1912, permitiu aos conservadores a retomada do poder com Mario García Menocal (1866-1941), que foi reeleito e governou até 1920.  A elevação temporária dos preços do açúcar, no decorrer da Primeira Guerra Mundial, favoreceu uma escalada da corrupção entre os dirigentes cubanos. Assumindo a presidência após Menocal, que apoiou sua candidatura, o liberal dissidente Alfredo Zayas (1861-1934) se viu obrigado a enfrentar uma grave crise inflacionária.  Chamado oficialmente para ajudar a debelar os problemas administrativos, Crowder, agora general, retornou a Cuba na qualidade de chefe de uma missão de assessoria.  Como resultado, empresas americanas lograram, nos anos que se sucederam, ampliar a porcentagem que detinham das plantações cubanas[9].
            Nas eleições presidenciais cubanas de 1924, saiu vitorioso o general Gerardo Machado (1871-1939), ex-diretor em Havana da General Electric Company, um liberal que, sendo inicialmente adversário de Zayas, acabou por obter o apoio de seu antecessor[10].  Ex-açougueiro nascido numa família de ladrões de gado e antigo recruta das guerra de independência, Machado, que fora antes prefeito de sua cidade natal, Santa Clara, vice-comandante das Forças Armadas e ministro do Interior, contava com o apoio de seu poderoso patrão nas campanhas eleitorais[11].
                         
                     


[1] Cf. Richard Gott.  Cuba: uma nova história.  Rio de Janeiro: Zahar, 2006, pp. 125 a 127.
[2] Idem, p. 129.
[3] Ibidem, pp. 129/130.
[4] Ibidem, pp. 131 a 133.
[5] Ibidem, pp. 134 a 138.
[6] Ver José Luís Fiori.  O poder global dos Estados Unidos: formação, expansão e limites.  In: O poder americano/org. José Luís Fiori.  Petrópolis: Vozes, 2007, pp. 78/79.
[7] Ver Gott, pp. 138/139.
[8] Ver Tulio Halperin Donghi.  História da América Latina.  Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975, p. 202.
[9] Idem, p. 203.
[10] Ibidem, p. 203.
[11] Cf. Gott, pp. 152/153.

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