Nunca, a não ser como idéia oculta nas profundezas de almas generosas,
Cuba foi, para os Estados Unidos, algo mais do que uma possessão desejável,
cuja única inconveniência é a sua população, que eles consideram rebelde,
preguiçosa e digna de desprezo.
(José Martí, em carta de maio de
1886 a Ricardo Rodríguez Otero. Citado em Richard Gott. Cuba: uma nova história. Rio de Janeiro: Zahar, 2006, p. 107)
O
interesse norte-americano pela incorporação da ilha de Cuba ao seu território
remonta aos primeiros tempos dos Estados Unidos enquanto país autônomo. A compra da Flórida à Espanha, em 1821,
tornou esta possibilidade mais viável, na medida em que o império colonial
espanhol nas Américas desmoronava diante dos movimentos de independência. Em 1823, John Quincy Adams (1767-1848),
então secretário de Estado, explicitou tal intenção, ao declarar, em carta a
Hugh Nelson, representante dos Estados Unidos em Madri, que
Há leis da política como há leis de gravitação física. E se uma maçã, separada pela tempestade da
sua árvore nativa, não pode escolher, mas apenas cair ao chão. Cuba, por força desligada do seu vínculo não
natural com a Espanha, e incapaz de auto-sustentar-se, só pode gravitar na
direção da União Norte-Americana, a qual, pela mesma lei da natureza, não a
pode segregar do seu seio[1].
Pouco
mais tarde, em 1825, os Estados Unidos arrancaram da Espanha a promessa de que
Cuba, em nenhuma hipótese, passaria ao controle de outra potência
europeia. O historiador Fraginals
identifica, como importante fator de encorajamento desta ambição ao longo da
História, os interesses da oligarquia criolla, que em regra admirava o
vizinho do Norte[2].
O controle
espanhol sobre a ilha, extremamente repressivo nas décadas de 1820 e 1830,
moldou a opinião dos intelectuais naturais de Cuba contra a metrópole,
levando-os a pensar em duas alternativas: a independência ou a anexação aos
Estados Unidos. A segunda encontrou um
defensor de peso em Antonio Saco (1797-1879), escritor e político que redigira,
em Paris, uma história da escravidão.
Saco temia que os negros de Cuba se unissem aos da Jamaica e do Haiti
para subjugar a população branca de toda a região caribenha. Receoso de que os brancos cubanos não
pudessem escapar simultaneamente da opressão colonial e da eventual revolta das
populações de cor, via como solução “jogarmo-nos nos braços dos Estados Unidos[3]”.
A
eclosão da rebelião de La Escalera, em 1843, quando escravos e negros livres,
associados, atacaram várias propriedades, tentando recrutar cativos dos
engenhos e trabalhadores das ferrovias para o movimento, fez crescer o apoio ao
anexionismo entre a classe dominante local.
Um dos principais difusores da proposta era Cristóbal Madán, plantador
exilado em Nova York, não por acaso cunhado do jornalista John O’Sullivan
(1813-1895), criador da expressão Destino Manifesto, pretendida justificativa
para o expansionismo territorial norte-americano. Naquela conjuntura, os Estados Unidos eram o principal parceiro
econômico da ilha, comprando a maior parte da produção açucareira e exportando
os manufaturados que abasteciam o mercado consumidor cubano. Em sintonia com estas articulações, o
presidente americano James K. Polk (1795-1849) ofereceu à Espanha 100 milhões
de dólares pela soberania sobre Cuba em 1848, cifra ampliada para 130 milhões
por Franklin Pierce (1804-1869) em 1854.
Não obstante a recusa espanhola, aventureiros tentaram realizar o
projeto por conta própria. Um deles foi
Narciso López, nascido na Espanha, que liderou duas expedições rumo a Cuba, nas
quais tomaram parte centenas de americanos.
Aprisionado em 1851, López acabou executado em Havana por meio do
garrote vil, técnica de estrangulamento comumente adotada pelo Estado espanhol[4].
O
anexionismo contava igualmente com a associação entre particulares cubanos e
americanos no território dos Estados Unidos.
O jornal La Verdad, publicado na América do Norte, estava sob a
direção do cubano Gaspar Betancourt Cisneros, representante dos pecuaristas da
região de Puerto Príncipe. Entretanto,
a dona do periódico era Cora Montgomery, mulher do general William M. Cazneau,
que havia se destacado na tomada do Texas ao México[5].
A perspectiva
de incorporação da ilha aos Estados Unidos, que seduzia em particular os
proprietários dos engenhos na altura da metade do século XIX, perdeu prestígio
com a deflagração da Guerra de Secessão[6],
mas não foi de todo abandonada. Quando deu início à Guerra dos Dez Anos
(1868-1878) contra o domínio metropolitano, Carlos Manuel de Céspedes
(1819-1874) conclamou os cubanos à independência. Entretanto, o outro projeto retornou à ordem do dia, e uma
convenção realizada por rebeldes na localidade de Guáimaro votou a favor da
anexação pelos Estados Unidos. Como não
havia um compromisso claro dos insurretos no sentido da abolição da
escravatura, e funcionários de seu próprio governo se batiam pela velha
proposta de adquirir Cuba por compra, o presidente Ulysses Grant (1822-1885)
decidiu aguardar o curso dos acontecimentos[7].
Céspedes
chegou a solicitar a Grant, em março de 1869, o reconhecimento do movimento que
comandava como parte beligerante. Tinha
como argumento a seu favor o fato de que a Espanha reconhecera, alguns anos
antes, a beligerância do Sul na Guerra de Secessão. Entretanto, não houve reconhecimento e, além disto, os americanos
se aproveitaram do conflito para vender armamentos aos espanhóis. Numerosos cubanos se exilaram, durante a
guerra, em cidades como Key West, Tampa, Baltimore, Nova York e
Filadélfia. Conseguiram, ao menos,
fazer com que boa parte da população americana passasse a simpatizar com a
ideia da independência de Cuba[8]. Por outro lado, vários exilados se
naturalizaram cidadãos dos Estados Unidos, entre os quais Miguel Aldama, àquela
altura o principal líder dos anexionistas.
Fortalecia-se a antiga “estratégia da maçã madura[9]”.
Na
década de 1880, a vinculação entre as economias americana e cubana continuou a
crescer, a tal ponto que os Estados Unidos, que já compravam mais de 80% das
safras agrícolas de Cuba, atingiram um percentual superior a 90% em 1891. Sob pressão, os espanhóis assinaram, em
1884, um tratado antiprotecionista, que deixariam de cumprir, porém, devido a
uma alternância entre gabinetes na metrópole[10]. Além de dominar o comércio exterior cubano,
os capitalistas americanos vieram a ocupar um espaço diferenciado no próprio
setor produtivo: em 1888, vinte refinarias se fundiram para dar lugar ao truste
comandado por Henry Havemeyer, que assumiria dois anos mais tarde a denominação
de American Sugar Refining Company, empresa virtualmente monopolizadora das
vendas de açúcar refinado nos Estados Unidos[11].
Uma segunda
guerra de independência, entre 1895 e 1898, enfraqueceu tanto a Espanha, que
enviou duzentos mil soldados à colônia para não perdê-la, dos quais muitos
morreram, quanto os partidários da liberdade, que foram submetidos às duras
táticas de confinamento e extermínio empreendidas pelo general Valeriano Weyler
(1838-1930), marquês de Tenerife, instalado em Havana como capitão-geral em
1896. Tombariam em combate José Martí
(1853-1895), mentor intelectual dos patriotas cubanos, e o general mulato
Antonio Maceo (1845-1896), veterano da Guerra dos Dez Anos, o mais carismático
de seus chefes militares. Entre as
grandes lideranças restava apenas Máximo Gómez (1836-1905)[12].
Com o
desaparecimento de Martí, a organização por ele comandada, o Partido
Revolucionário Cubano, ficou sob a presidência de Tomás Estrada Palma, outro
ex-combatente da Guerra dos Dez Anos, que havia adquirido a cidadania americana
durante um longo exílio naquele país, onde trabalhou como professor. Fraginals demonstra simpatia por Estrada
Palma, tido como um homem imune à corrupção.
Todavia, sob aquela gestão, os magnatas do açúcar, aliados aos
interesses dos Estados Unidos, alcançaram a hegemonia sobre o PRC, dele
expulsando os operários da indústria do tabaco e outros integrantes das classes
médias e baixas, antes arregimentados por Martí[13].
Estavam
abertas as oportunidades para a intervenção americana, concretizada após a
explosão do couraçado Maine no porto de Havana, em 15 de fevereiro de 1898, que
provocou a morte de 258 marinheiros.
Este acontecimento, na verdade um acidente, foi apresentado à opinião
pública dos Estados Unidos como resultado de sabotagem espanhola. Declarada a guerra entre os dois países a 25
de abril, tropas americanas atacaram Cuba e Porto Rico, nas Antilhas, Filipinas
e Guam, no Pacífico. Em 1º de julho de
1898, na localidade de Loma San Juan, em Santiago de Cuba, aconteceu a
principal batalha pelo controle da ilha, na qual três mil americanos, que
sofreram pesadíssimas baixas, terminaram por dobrar a resistência de mil espanhóis. Três semanas incompletas bastaram para a
liquidação de um domínio de quase quatro séculos[14].
A
invasão nada teve de improvisada.
Recusando-se o primeiro-ministro espanhol Antonio Cánovas Del Castillo
(1828-1897), em 1896, a admitir a mediação americana entre as partes em luta, o
Escritório de Inteligência Naval dos Estados Unidos solicitou a confecção de um
plano de guerra contra a Espanha. A
questão constituiu um tema importante na eleição presidencial americana que
ocorreu naquele ano. O presidente em
exercício, Grover Cleveland (1837-1898), democrata, era acusado de inércia no
que se referia a Cuba. O pleito,
afinal, seria vencido por William McKinley (1843-1901), republicano e favorável
ao expansionismo[15].
[1] Ver Richard
Gott. Cuba: uma nova história. Rio de Janeiro: Zahar, 2006, p. 75.
[2] Cf. Manuel
Moreno Fraginals. Cuba/Espanha,
Espanha/Cuba. Bauru: Edusc, 2005,
pp. 255/256.
[3] Cf. Gott,
pp. 72 a 74.
[4]
Idem, pp. 82 a 87.
[5]
Cf. Fraginals, p. 251.
[6] Ver Tulio Halperin Donghi. História da América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975, p. 165.
[7]
Ver Gott, p. 98.
[8]
Ver Fraginals, pp. 305/306.
[9]
Idem, p. 312.
[10] Ibidem, pp. 329/330.
[11]
Ver José A. Benítez. El pensamiento revolucionario de
hombres de nuestra América. La Habana: Editora Política,
1986, p. 331.
[12] Cf. Gott, pp. 109 a 117.
[13] Cf. Fraginals, pp. 338/339.
[14] Cf. Gott, pp. 117 a 120.
[15] Idem, pp. 120/121.
Obsessão é uma palavra apropriada para definir a curta fase imperialista dos EUA ao final do século 19. Vá lá que países europeus superpovoados se entregassem a tal empresa, mas os EUA já eram donos de um imenso território que mal conseguiam povoar, e fizeram questão de conquistar uma ilhotas. É por isso que eu sempre afirmei que o imperialismo norte-americano foi pífio, nada comparável ao imperialismo europeu e japonês que de desenrolava na mesma época, e o que se matraqueia por aí como sendo o "imperialismo ianque" é apenas uma metáfora para referir-se a várias intervenções menores dos EUA aqui e ali. Difícil é dizer o que os norte-americanos ganharam com a conquista de Cuba e Porto Rico, além de um grande número de imigrantes. Bom, ganharam a base de Guantánamo, mas bases eles têm em vários países do mundo sem necessidade de transformá-los em colônia.
ResponderExcluirMas outra questão ainda mais difícil de responder foi levantada pelo venezuelano Carlos Rangel, em seu magnífico ensaio Do Bom Selvagem ao Bom Revolucionário: poucos sul-americanos gostam de admitir, mas Cuba e Porto Rico, posseções norte-americanas, sempre tiveram um nível de vida consideravelmente superior à média de seus vizinhos. Aparentemente, o colonialismo ianque não era tão malévolo assim. Então, por que motivo os cubanos odeiam tanto os norte-americanos? Mas será que odeiam mesmo? Os portorriquenhos, aparentemente, não o fazem, tanto que recusaram a independência em um plebiscito.
Ou será que a obsessão também é nossa?
Vamos novamente por etapas:
ResponderExcluir.A conquista de "ilhotas" não se resumia a um mero capricho de esticar o território. Cuba e Porto Rico garantiam a proeminência americana no Caribe. Havaí, Filipinas e Guam, uma posição privilegiada no Pacífico.
.As intervenções podem ter sido rápidas e fáceis, se as compararmos, por exemplo, com a Guerra dos Bôeres enfrentada pela Inglaterra na África do Sul, mas foram muitas.
.Nicarágua, Haiti e República Dominicana passaram mais tempo sob ocupação direta dos EUA do que Cuba, e nunca foram apresentados por ninguém como modelo de desenvolvimento. A associação entre presença americana e riqueza é, no mínimo, capenga.
.Eu não diria que "cubanos detestam americanos". Basta olhar para o sucesso do beisebol, dos filmes e carros americanos em Cuba para no mínimo duvidar disto. Mas uma coisa é certa: a maioria dos cubanos, desde as primeiras eleições do país, tendeu à autonomia política. Aqui já entramos em assunto para outro post.
Belo texto, Gustavo. Para se compreender as questões contemporâneas é necessário ter em mente fatos ocorridos no passado, mas infelizmente a maioria das pessoas não dá essa importância à História.
ResponderExcluirPesquisando mais na internet, acabei lendo sobre a Guerra Filipino-Americana, que é do mesmo período e contexto histórico. Também é um tema interessante.
As Filipinas, desde a invasão de 1898 até o apoio à ditadura de Marcos, sem dúvida possibilitariam um roteiro semelhante. O problema é que a biografia no Brasil é escassa. O que posso dizer é que há um autor bastante crítico da presença americana nas ilhas, Renato Constantino, que deixou uma produção considerável. Obrigado, amigo, e um grande abraço do Rio de Janeiro!
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